Artesanato Amazônico: autonomia, cura e empoderamento nas mãos das mulheres

Artesãs paraenses levam a harmonia da natureza amazônica para a Green Zone da COP30, conectando o urbano ao rural

Eternizando a Amazônia: Artesãs usam elementos da própria natureza, como folhas, galhos e sementes, para produzir peças únicas que unem sustentabilidade e empoderamento na região. Foto: Acervo pessoal de Faby Fonseca.
Eternizando a Amazônia: Artesãs usam elementos da própria natureza, como folhas, galhos e sementes, para produzir peças únicas que unem sustentabilidade e empoderamento na região. Foto: Acervo pessoal de Faby Fonseca.
Eternizando a Amazônia: Artesãs usam elementos da própria natureza, como folhas, galhos e sementes, para produzir peças únicas que unem sustentabilidade e empoderamento na região. Foto: Acervo pessoal de Faby Fonseca.

Eternizando a Amazônia: Artesãs usam elementos da própria natureza, como folhas, galhos e sementes, para produzir peças únicas que unem sustentabilidade e empoderamento na região. Foto: Acervo pessoal de Faby Fonseca.

O burburinho do pequeno centro de Colares, a 102 km de Belém, já está distante quando se chega ao muro da artista visual Cláudia Farias. Ali, a rua é cercada por vegetação e o som do rio que mais parece mar pode ser ouvido após alguns minutos de caminhada até uma praia. Ela e o marido sonharam com a casa que construíram no largo terreno com vários tipos de árvores e flores. Estar ali transmite a sensação de uma vida que corre sem tanta pressa. 

Nascida em Colares e filha de mãe artesã, Cláudia aprendeu com ela que a arte corria em suas veias: borda, esculpe, pinta, costura, cria projetos gráficos, produz biojoias e artesanato em cestas. Participou de inúmeras oficinas e até de espetáculos teatrais; foi arte-educadora; e se graduou em Artes Visuais pela Universidade Federal do Pará (UFPA) tanto como Bacharel quanto como Licenciada.

Antes mesmo de construir sua casa, ela já cultivava o ‘Claudinh’Arts Artesanatos’. Inspirada pelo cuidado diário com suas plantas, expandiu sua atuação, passando a produzir chocolate em pó 100% cacau (o Brigadelícia) e a vender mudas e insumos orgânicos de seu terreno, centralizando todos os seus serviços na página Viver-o-Verde. Desde muito nova, a artista já sabia da importância do cultivo sustentável para preservar a natureza, e da arte como forma de “reexistir”. Está sempre divulgando o trabalho dela e de outras mulheres que conheceu junto com a mãe no dia a dia como artesãs.

Uma delas apresentou Cláudia ao Centro Alternativo de Cultura (CAC), fundado em 1991 pela Província dos Jesuítas do Brasil para atuar em periferias urbanas e comunidades amazônicas (ribeirinhas, quilombolas, indígenas e assentadas), promovendo processos educativos humanizadores com crianças, adolescentes, famílias, educadores populares e lideranças comunitárias. Suas ações se concentram em três grandes projetos, incluindo o “Tecendo Re-Existências”, voltado à autonomia e geração de renda de mulheres amazônicas por meio da economia solidária e práticas eco-sustentáveis. 

Atualmente, sob o nome “Flor-e-Ser”, o projeto conta com atividades pedagógicas e culturais sobre a infância. São oficinas formativas; assessoria sobre empreendedorismo; rodas de conversa e reuniões não só com o grupo de Colares, mas em conjunto com grupos de mulheres de outros três municípios paraenses (Barcarena, Belém e Ananindeua). 

O grupo de mulheres artesãs de Colares em atividade do projeto 'Flor-e-Ser' do CAC. Através do artesanato amazônico e da economia solidária, o projeto fortalece a autonomia e a autoestima. Foto: Arquivo Pessoal de Cláudia Farias.

O grupo de mulheres artesãs de Colares em atividade do projeto ‘Flor-e-Ser’ do CAC. Através do artesanato amazônico e da economia solidária, o projeto fortalece a autonomia e a autoestima. Foto: Acervo pessoal de Cláudia Farias.

Embora o trabalho vise fortalecer as cadeias produtivas locais, o maior impacto está no empoderamento de cada uma dessas mulheres, que aprendem a valorizar o próprio trabalho e seus produtos, conquistando a independência financeira em uma vivência muitas vezes marcada pela dependência do parceiro ou da família. Como consequência, sua autoestima também se eleva.

“Todas nós carregamos conosco uma história de superação, enfrentamento de algum tipo de violência ou medo. Muitas enfrentam desigualdades sociais tendo dificuldade de acesso a direitos básicos e ao mercado de trabalho. São mulheres que passaram por depressão e ansiedade, mas que conseguiram, juntas, ajudar-se e enfrentar os desafios; que conseguiram ver o quanto são fortes, poderosas e talentosas”, comenta Cláudia. 

“Os projetos são uma forma de despertar a força dessas mulheres, que estavam de certa forma adormecidas em suas rotinas, mas que, ao encontrarem-se, somaram uma força insuperável e inabalável”, elogia.  

Tecendo re-existências

Foi exatamente o que aconteceu com o casal Josiani Baía e Ramine Silva, do núcleo do CAC em Barcarena,  a 113 km de Belém via estrada. A primeira, psicopedagoga especialista em Neurociência Comportamental; a segunda, pedagoga especialista em Educação Inclusiva. Em comum, histórias de abandono, dor e tristeza profunda que se agravaram com as dificuldades econômicas trazidas pela pandemia.

Um pouco antes, em 2017, elas notaram que o que era alimento ou parte da terra — as sementes — se transformava em brincos, colares e mandalas pelas suas mãos. Fundaram a Raiani Art´s e Biojoias

Mas Josiani Baia conta que o divisor de águas foi quando, na pandemia, se integraram ao grupo Mulheres em Movimento do CAC. Nas rodas de conversas e oficinas, elas conheceram outras mulheres com quem compartilharam suas vivências e sentimentos, entendendo que os pequenos grãos secos simbolizavam não apenas o ciclo da roça, mas identidade e cura. Brotava ali uma nova ocupação e um recomeço.

Com o apoio do Centro Alternativo de Cultura, elas receberam formação e materiais para desenvolverem seu negócio e se tornarem sócias de fato. Como psicopedagoga, Josiani também faz parte do grupo Fazedores de Cultura em Barcarena, parceiro da Secretaria de Agricultura do município, que disponibiliza espaços nos eventos da cidade e para a sua feira mensal. A feira dos Fazedores de Cultura às vezes é temática: em junho, por exemplo, aconteceu um Arraial. 

É dessa feira e em eventos turísticos em Barcarena que Josiani e Ramine retiram parte de seu sustento. Um desses eventos foi a Liga Urbana pela Política de Alimentação (LUPPA), organizada pelo Instituto Comida do Amanhã e que trouxe pessoas do Brasil inteiro para debater políticas públicas para a COP 30.

A dupla cresceu. Hoje, ensinam e encorajam mulheres através do artesanato nos dois grupos dos quais fazem parte. “Hoje, somos referência e inspiração. Plantamos coragem, colhemos redes de afeto. Com nossas mãos criativas e nossos corações abertos, ajudamos a germinar um movimento coletivo que segue crescendo”, declara Josiani Baia.

Como a clientela delas é composta essencialmente por turistas, elas querem expandir o negócio com foco na COP 30. Pensando nisso, lançaram a coleção “Alma da Amazônia”, linha exclusiva de colares com temática de animais como a onça pintada e o tucano, com a intenção de unir o luxo à sustentabilidade.

Ramine Silva apresenta o colar da coleção exclusiva “Alma da Amazônia”. Inspirada em animais emblemáticos como o tucano, a linha une o luxo da biojoia à sustentabilidade. Foto: Arquivo Pessoal.

Ramine Silva apresenta o colar da coleção exclusiva “Alma da Amazônia”. Inspirada em animais emblemáticos como o tucano, a linha une o luxo da biojoia à sustentabilidade. Foto: Acervo pessoal de Ramine Silva.

A dupla também tem feito treinamentos do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), envolvendo precificação, embalagem, estoque, gestão dos produtos, e outros temas. A instituição tem uma página com cursos, em sua maioria gratuitos, dedicados à Conferência Climática. 

“Fazendo esses cursos, vamos nos capacitando e já ficamos nos bancos de dados deles, que nos avisam quando há feiras”, conta Josiani Baia. 

O movimento de preparação para a COP 30 impulsiona não apenas os grupos de economia solidária, mas também artesãs independentes em toda a região. É o caso de Faby Fonseca, de São João de Pirabas, que leva uma técnica singular ao evento: o bordado em folhas, principalmente as de buiuçu. Em vez de sementes, suas mãos transformam a delicadeza das folhas da floresta em quadros de pássaros da Amazônia, um trabalho que exige paciência e reverência pela matéria-prima.

Como as demais artesãs, Faby vê no evento climático uma vitrine para valorizar o produto local e mostrar que o cuidado com a natureza é, também, uma fonte sustentável de renda e empoderamento.  “Para mim, essa visibilidade, tendo minha arte que vai ser mostrada para o mundo, é mais do que eu esperava, é mais uma realização de um sonho. Eu, como mulher, mãe solo, vinda de uma cidade pequena, mostrando um trabalho, vamos dizer assim, único, eu tento eternizar os passarinhos pela liberdade, pelas cores, muitos estão em extinção, então eu ir no mato, coletar as folhas, escolher detalhadamente, carinhosamente, qual pássaro que eu vou colocar ali, bordando à mão, são horas de trabalho, de dedicação e amor para sair uma peça única e cada uma tem a sua característica própria, explica”.

Faby Fonseca, artesã de São João de Pirabas, leva sua técnica singular à Green Zone da COP30: o bordado à mão em folhas de buiuçu. Foto: Arquivo Pessoal.

Faby Fonseca, artesã de São João de Pirabas, leva sua técnica singular à Green Zone da COP30: o bordado à mão em folhas de buiuçu. Foto: Acervo pessoal de Faby Fonseca.

Durante a Conferência, empreendedores locais vão poder expor na Green Zone (“zona verde”), estrutura montada no Parque da Cidade em Belém. “Será um importante espaço para promover a interação entre nossa cultura, empreendedorismo, produção e ações que enfrentam as mudanças climáticas por meio de hubs temáticos sobre temas como o uso de tecnologias limpas e o financiamento climático”, pontua a comissão da COP 30.

A estruturação do negócio é primordial para romper as barreiras tanto do mercado quanto do próprio público. “Enfrentamos dificuldades como falta de reconhecimento por parte dos governos e da iniciativa privada, que não oferece meios de acesso e promoção das artesãs”, começa Cláudia Farias. “Muitas das vezes, as outras pessoas não dão valor aos trabalhos artesanais, achando que são caros ou não respeitando o nosso trabalho e produtos”.

“É difícil ser mulher, é difícil ser artesã, é difícil ser amazônida, imagina ser as três coisas! É desafiador, mas é também gratificante, inspirador, de ter orgulho e ver que temos um grande poder nas mãos, o conhecimento e a sabedoria ancestrais, de mulheres que vieram antes de nós, que nos inspiram a lutar pelo nosso lugar, pela nossa mãe Terra, pelo fim das violências, das desigualdades, dos preconceitos”, argumenta.

Elas esperam que, com os olhares do mundo inteiro voltados para a Amazônia, seja o momento de quem vive na correria do meio urbano aprender com quem vive em harmonia com a natureza.

“Cada técnica do artesanato ensina como trabalhar a paciência e a dedicação; a colocar afeto em cada produto, que é único, como se tivesse um selo próprio que mostra um pouco da artesã que o produziu. O cuidado com o meio ambiente é uma troca, é estar envolvido e sentir-se parte do meio, sem correria, sem a pressa de quem tem que cumprir prazos e horários, rotinas. No processo de cuidado e troca com a natureza, pode-se perceber cada parte do ciclo da sua vida, desde a semente ao fruto, tudo no seu tempo. E entender que é necessário cuidar da mãe Terra para que a nossa vida possa continuar a existir, pois somos parte dela”, finaliza a artesã.

Texto: Nayra Wladmila
Montagem da Página e Revisão: Juliana Carvalho
Direção: Marcos Colón

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