O Brasil sem números, a Amazônia sem asas

O Brasil sem números, a Amazônia sem asas

“A gente tem maior chance de perder a fauna silvestre do Brasil pro tráfico do que pras mudanças climáticas”,  afirma Antônio Carvalho, especialista em tráfico de vida selvagem 

 

Por Nayra Wladimila, João Felipe Serrão e Marcos Colón

 

É de manhã quando Xaropinho, um papagaio do mangue (Amazona ochrocephala), de plumagem predominantemente verde por todo o corpo, coroa amarelada e bico cinza, escuta a pequena portinhola de seu viveiro abrir. Ele, que estava empoleirado em um fino cabo de madeira, pula pelos próximos cabos até alcançar a saída. À sua frente, a médica veterinária Natália Assis aguarda com um pequeno pedaço de banana. Assim começa o dia 10 de julho de 2025 no Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Selvagens (CETRAS) da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) em Belém/PA, onde a ave mora desde que foi encontrada em uma embarcação para ser traficada.

O CETRAS amplia o Ambulatório de Animais Selvagens da UFRA, criado em 2013 para atender animais encaminhados por órgãos ambientais e parceiros, com atuação de alunos de graduação e pós-graduação das áreas biológicas e veterinárias. Foto: Oswaldo Forte/Amazônia Latitude.

O CETRAS é a ampliação do Ambulatório de Animais Selvagens da UFRA, que existe desde 2013 para atender animais encaminhados por órgãos ambientais, instituições parceiras e as próprias espécies que circulam pelo campus. Muitos de seus colaboradores são os próprios alunos de graduação e pós-graduação das áreas de Ciências Biológicas, Medicina Veterinária e Zootecnia.

Atualmente, 20 animais residem no Centro, que está dentro da Área de Preservação Ambiental (APA) da Região Metropolitana de Belém. Entre os espaços dedicados ao cuidado específico de diferentes espécies, o vento realça a atmosfera tranquila, que parece harmonizar com o suave balanço dos galhos da mangueira e com os cachos de flores vermelhas de ixora, aquelas pequenas flores em forma de estrela.

Rabugento, Xaropinho solta palavrões com frequência ao longo do dia. Tenta bicar Natália. A veterinária explica que essa é uma ferramenta de defesa, e que o vocabulário é reflexo de como Xaropinho havia sido tratado antes.

A ave pula porque suas asas estão cortadas, indicando que não era mantida dentro de uma caixa pelos seus algozes. Se alimentando apenas de farinha, ele chegou ao CETRAS muito magro e debilitado, até mesmo com ácaros. Era 22 de abril de 2025: Xaropinho passou pelo procedimento padrão do local, que envolve sedação, identificação da espécie e até cirurgia, quando necessário.

Todos os dias, ele é pesado e suas fezes são observadas. Periodicamente, é vermifugado, toma medicamentos contra parasitas e tem o sangue coletado. Há também os momentos de “ir à escola”: semanalmente, os estagiários do Centro exploram maneiras diferentes de oferecer alimentos à ave, explorando a sua cognição e reduzindo o seu estresse, pois possivelmente passará o resto da vida longe do meio selvagem.

Xaropinho, que recebeu esse nome porque naquele mês de abril era a vez de batizar os animais novatos com a letra “X”, faz duas refeições ao dia, pela manhã e pela tarde. Os potinhos são preparados pelo setor de Nutrição, que planeja dietas apropriadas à cada espécie e as adapta conforme a evolução no seu peso, cortando os pedaços do tamanho adequado para cada animal. 

A equipe também se reveza para comprar os alimentos e fazer a limpeza diária dos viveiros, incluindo aos finais de semana. O papagaio sai pela portinhola duas vezes ao dia para tomar sol e banho. É o seu grande momento de lazer e interação com os humanos que cuidam dele.

“É um grande privilégio trabalhar com esses animais. Aqui temos quem tenha sido resgatado ainda filhote. As aves se comunicam mais, algumas vocalizam, os papagaios falam bastante. Mas as outras espécies são mais silenciosas, pois a maioria delas evoluiu para não se mostrar vulnerável na natureza. Aprendemos sobre empatia, tentando compreender suas necessidades e captar os seus sinais mais silenciosos de desconforto”, comenta a veterinária.

Enquanto fala, o papagaio aproveita para caminhar pelo seu braço e observar as aves vizinhas: um casal de tucanos de papo branco, Ycaro e Yara (Ramphastos tucanus), também com as asas cortadas e que ganharam peso desde que foram resgatados. Cada um deles mora em um viveiro, separados por uma grade, dentro de um dos blocos do Centro.

A sua vizinha mais próxima é a maracanã-verdadeiro Xanaína (Primolius maracana), que está tão debilitada que suas penas não crescem direito mesmo com a dieta feita pela equipe, que ainda não tinha fechado seu diagnóstico. Recolhida no viveiro, ela não gosta de aparecer e sua timidez, que contrasta com a gulodice do vizinho, já foi tema de publicação nas redes sociais.

Apesar de suspeitarem que essas e outras aves tenham passado pelas mãos de vendedores ilegais, os cuidadores não têm certeza sobre suas origens. As informações se desencontram até mesmo em relação ao órgão que trouxe o papagaio: o Batalhão da Polícia Ambiental, apontado por eles, afirma que não há registro de encaminhamento à Universidade no período mencionado.

“Às vezes recebemos apreensões de aves sem sabermos se eram de vida livre ou de cativeiro. É muito importante termos esse histórico, que às vezes não vem, para avaliarmos a possibilidade de soltura. Animais criados em cativeiro não podem ser simplesmente libertados, pois isso comprometeria sua sobrevivência”, explica Natália Assis.

Xaropinho, um papagaio do mangue (Amazona ochrocephala), de plumagem predominantemente verde por todo o corpo, coroa amarelada e bico cinza. Foto: Oswaldo Forte/Amazônia Latitude.

“A estrutura logística da Amazônia Legal joga a favor do traficante” 

Xaropinho pode se considerar um sujeito de sorte. 90% dos animais traficados morrem durante o seu transporte. A informação é de Antônio Carvalho, especialista em tráfico de vida selvagem da WCS Brazil, instituição fundada em 2003 e voltada à conservação da Amazônia e do Pantanal. 

Mantidos em malas com fundo falso, caixas de papelão, pacotes de jornais, nos porta-malas de automóveis e até dentro das roupas dos criminosos, os animais costumam ser drogados, torturados e, às vezes, mutilados, para não chamarem a atenção da fiscalização. “Temos muito mais chance de perdermos nossa fauna para o tráfico do que para as mudanças climáticas”, alerta Carvalho.

Para ilustrar a urgência da perda de biodiversidade causada pelo tráfico ilegal de espécies, Carvalho cita a epidemia de caça furtiva de elefantes na África, destinada a abastecer o mercado ilegal de marfim. Essa epidemia fez com que a população desses animais diminuísse 20% no continente em apenas nove anos (2006–2015), passando de mais de 500 mil indivíduos para cerca de 415 mil, segundo um relatório da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) publicado em 2016. A Tanzânia, cuja economia depende em grande medida do turismo de fauna, registrou uma queda de 60% em sua população de elefantes. A extinção total desses animais só foi evitada graças à divulgação de dados alarmantes e à implementação de políticas públicas de conservação e de combate à caça furtiva.

Outra preocupação do especialista diz respeito à transparência sobre o que acontece com os animais resgatados pelas autoridades, cujo destino às vezes é pouco claro.

Ele cita como exemplo uma operação conjunta entre as polícias Civil e Militar, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Os dois últimos são os principais agentes públicos responsáveis pela fiscalização e manutenção da biodiversidade no Brasil.

A apreensão de dez macacos, de diversas espécies (Lagothrix sp. e Cebus sp.), que estavam amarrados a pedaços de ferro em uma chácara em Pauini, Amazonas, aconteceu no final de janeiro deste ano. Quatro dos animais já estavam mortos. Os seis sobreviventes, que deveriam ser encaminhados ao Centro de Triagem de Animais Silvestres de Rio Branco/AC, só foram entregues em maio. Para Carvalho, “essa discrepância aponta para uma possível lacuna entre os procedimentos divulgados e o destino ou manejo real dos animais apreendidos”.

A história se repete diariamente. No Pará, uma operação de fiscalização realizada pela Polícia Militar Ambiental resultou no resgate de 225 canários-da-terra  (Sicalis flaveola) transportados em uma embarcação em Óbidos, no oeste do Estado. Os pássaros estavam escondidos em sacos de lixo, sem qualquer tipo de ventilação, água ou alimento. O caso aconteceu em agosto de 2025.

Mesmo depois de resgatados, o caminho seguido por animais traficados ainda é arriscado: o seu principal destino, os CETAS, são burocráticos para aceitá-los, sofrem com falta de investimentos e estão sobrecarregados, transformando-se em depósitos de animais. Os Centros são administrados pelo Ibama, que acompanha a quantidade de aves abrigadas em cada um. 

O mais próximo de Belém, em Benevides-PA, sequer está funcionando, deixando o acolhimento a cargo de instituições como a UFRA, bem como “zoológicos, criadores e instituições de pesquisa que tenham capacidade técnica de receber e tratá-los inicialmente até a destinação final, ou encaminhamento para outros CETAS pelo Brasil”, conforme explica o Ibama.

De acordo com o órgão, mais de 22.200 espécies silvestres foram apreendidos e encaminhados aos CETRAS apenas em 2024.

O consultor técnico do Grupo de Enfrentamento aos Crimes Ambientais (GECAM) da Polícia Rodoviária Federal, Paulo Henrique Demarchi, explica que os abrigos do Ibama concentram a fauna resgatada no Norte e Nordeste do país; enquanto que nas outras regiões o acolhimento é dividido entre muitas organizações e zoológicos (como aconteceu com duas lontras que estavam na UFRA e foram para o zoológico de Taubaté-SP).

Demarchi declara que “a PRF é uma das polícias que mais fazem apreensão de traficantes de animais e o resgate de animais silvestres. Na nossa formação desenvolvemos um curso de enfrentamento aos crimes ambientais, para que o policial saia mais capacitado para combater o tráfico no Brasil inteiro”. 

Outro órgão que faz os resgates, e que suspeitávamos ter encontrado Xaropinho, é a Polícia Civil. Mas a delegada da Divisão Especializada em Meio Ambiente e Proteção Animal (DEMAPA) em Belém, Letícia de Abreu, não encontrou registros dele nem de nenhum de seus vizinhos no mês de abril.

Abreu frisa que os criminosos investigados pelo órgão costumam manter os animais destinados à venda em áreas de mata, onde foram capturados, vendendo-os presencialmente dentro do mercado local, em espaços como feiras.

Segundo a delegada, dependendo da quantidade e de há quanto tempo os animais vivem em cativeiro, nem “compensa” separá-los de seus tutores. “Quando a gente observa que é um animal doméstico, a gente deixa a pessoa como seu fiel depositário até que se resolva o processo na Justiça”, detalha.

Em outras situações, eles são destinados a abrigos de animais como o CETRAS da UFRA. “Mas raríssimos são os casos em que eles têm condições de retornar para a natureza depois de ficarem no abrigo”, complementa a entrevistada. Explica, ainda, que tem resgatado somente espécies brasileiras e que o curió (Sporophila angolensis) e o sabiá (Turdus rufiventris) são as mais comuns entre as aves. “Não temos muita presença de comércio pela internet. Pelo menos, [as denúncias] não chegam até a Delegacia,” comenta.

Veterinárias Natália Assis e Caroline Sotto com o papagaio Xaropinho e o tucano que foram resgatados com as asas cortadas. Fotos: Oswaldo Forte/Amazônia Latitude.

Falta de integração entre órgãos fragiliza combate ao tráfico de animais

No Brasil, ninguém consegue dizer com precisão quantos animais silvestres são retirados da natureza a cada ano. Não há um órgão central que sintetize e dimensione o quanto se perde em vidas silvestres.

Embora instituições estaduais como Instituto de Meio Ambiente do Acre (IMAC), Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), Polícias Civil e Militar e Ministério Público atuem em diferentes frentes, o próprio Ministério Público reconhece que não existe uma base nacional consolidada que unifique apreensões, investigações e desfechos processuais sobre fauna. 

Os relatórios da WCS Brazil detalham que os processos administrativos e autos de infração são enviados ao Ministério Público ou a outros órgãos por meio de ofícios, geralmente via e-mail. 

Para acessar informações de outra instituição, é necessário fazer um pedido formal, especificando os dados desejados, para que o órgão responsável possa extrair as informações manualmente e enviá-las em forma de relatório.

O Ibama mantém alguns acordos de cooperação técnica que permitem acesso restrito aos seus bancos de dados, mas não há uma integração que possibilite consultas diretas e cruzamento de dados entre diferentes sistemas. 

Essa fragmentação resulta de uma descentralização que, embora tenha vantagens, como permitir respostas mais rápidas por agentes próximos às ocorrências, cria formas de registro dispersas e individualizadas. A ausência de uma base de dados unificada e a falta de conexão entre os sistemas tornam praticamente impossível a identificação de padrões de atuação, rotas de transporte ou vínculos entre apreensões realizadas em territórios distintos.

É comum, por exemplo, que um mesmo traficante seja autuado em um Estado e, meses depois, volte a ser flagrado em outro sem que as autoridades percebam que se trata da mesma pessoa. Em outro cenário frequente, animais apreendidos em operações estaduais chegam ao destino final sem que se saiba sua real origem, pois os sistemas não permitem rastrear a apreensão até a captura inicial. 

A falta de padronização também afeta a qualidade da informação. Muitos sistemas agrupam todos os tipos de crimes ambientais em um único banco, com campos de texto livre e erros de preenchimento que dificultam buscas e filtragens. Além disso, ocorrências de posse ilegal de animais frequentemente não são classificadas como comércio por falta de provas diretas, o que leva à subnotificação de casos de tráfico.

Conforme identificado pela WCS, o cenário se agrava porque os crimes contra a fauna não estão entre as prioridades máximas de fiscalização do Ibama, que concentra esforços no combate ao desmatamento e em crimes florestais. É o caso dos estados amazônicos, onde o baixo efetivo é direcionado quase integralmente à contenção do avanço da derrubada da floresta.

Na ausência de um sistema robusto, trabalha-se com estimativas. A organização não-governamental World Animal Protection projeta que, até 38 milhões de animais sejam retirados da natureza anualmente no país, movimentando cerca de US$1 bilhão, o que representa aproximadamente 15% do comércio mundial de fauna silvestre.

O tráfico de animais silvestres é a terceira maior atividade ilegal do mundo, atrás apenas do de drogas e armas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). A Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), em seu primeiro relatório nacional, projetou no início dos anos 2000 que dezenas de milhões de animais eram capturados por ano, com aves respondendo pela maior parte do comércio ilegal. Elas são 80% das espécies contrabandeadas no Brasil inteiro, afirma também a World Animal Protection. A informação é confirmada pela tabela Animais Resgatados pelo Ibama entre 1999 e 2025. 

O comércio ilegal atinge ainda espécies menores, como anfíbios e borboletas — ainda que representem menos de 1% das apreensões — além de répteis raros, como a cobra-papagaio (Corallus caninus), alvo de contrabando para a Europa com documentos da CITES obtidos de forma fraudulenta.

O tráfico de animais não se dá apenas com eles vivos. Também é crime transportar e possuir suas partes (penas, dentes, ossos) e carregar produtos derivados deles: ovos e carne de quelônios de água doce, óleo extraído do boto-cor-de-rosa, pele de onça-pintada, penas de aves usadas em artesanato e até cremes de origem animal, normalmente vendidos no turismo regional. (Um exemplo notório é a apreensão feita pelo Ibama no Pará, em 2016, quando foram confiscadas partes de 19 onças-pintadas, incluindo cabeças, crânios, patas e peles, em um único caso, amplamente noticiado na época).

Rotas e métodos

Nos dados públicos da Polícia Rodoviária Federal (PRF), os crimes ambientais são os que acumulam mais apreensões na Amazônia Legal, com o Mato Grosso, Pará e Amazonas liderando o ranking nos últimos anos. No entanto, comparando com o país inteiro, os estados de fora da região, como Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Bahia, acumulam números maiores. O último atinge diferenças gritantes, conforme pode ser observado na tabela Dados Crimes Ambientais Brasil PRF.

“Até 2024, havia uma ação na Bahia chamada FPI [Fiscalização Preventiva Integrada]  que reunia a PRF, o Ministério Público, o Ibama, todos os órgãos públicos possíveis, passando em cidades para as pessoas fazerem entrega voluntária de animais. Porém, nem todos oriundos do tráfico, e sim de pessoas que têm alguns passarinhos irregulares. Mas a PRF já fazia uma pressão muito grande nos traficantes de lá”, explica o consultor técnico da PRF, Paulo Henrique Demarchi.

Há outros motivos para haver menos apreensões na Amazônia Legal. É importante frisar que estamos tratando da maior floresta equatorial do planeta: muitas comunidades e municípios só são acessados de avião ou de barco. A densidade demográfica é baixa e, em algumas localidades, passa-se quilômetros sem se avistar uma estrada ou mesmo uma casa. As cidades longe dos grandes centros são simples, com populações que, às vezes, levam dias navegando até um hospital. Vicinais de terra são frequentes e se embrenham pela mata. O resultado é a menor malha rodoviária do Brasil, que em vários pontos ainda carece de cuidados.

Demarchi relata que uma única base policial na região é responsável por uma área muito maior do que as bases em outras partes do país. Além disso, as rodovias não são concessionadas como no Sul e no Sudeste, o que resulta em uma infraestrutura mais precária. Isso exige que os agentes da polícia atendam até mesmo vítimas de acidentes, especialmente quando a ambulância não chega a tempo.

O Norte acaba sendo pouco atrativo para a fixação desses policiais rodoviários. Sendo, em sua maioria de outras partes do Brasil, eles normalmente vêm para a região trabalhar no início da carreira, e optam por regressar aos seus locais de origem quando estão com mais tempo de serviço. Por serem mais inexperientes, também têm mais dificuldade em encontrar os criminosos. “Conforme você vem para o Nordeste, Sudeste e Sul, já encontra policiais com experiência maior, o que aumenta a eficácia da fiscalização,” explica Demarchi. 

Apesar disso, o consultor pontua que a PRF tem hoje o maior efetivo da sua história, com previsão de uma formação de mais 267 novos policiais. Demarchi ressalta que a rota do tráfico não passa só pela floresta equatorial. “Uma grande parte dos animais capturados pela PRF são originários de lá, mas muitos também vêm da Caatinga e do Cerrado”, pontua. 

Relata, ainda, que “na Amazônia é mais difícil você pegar de uma vez uma grande quantidade de animais contrabandeados. Pegamos 30, 20, meia dúzia em cada apreensão”. Isso acontece porque o principal trunfo da mata fechada a favor dos criminosos é que ela capilariza tanto a sua ação quanto a da polícia. A chance de eles não passarem por uma fiscalização padronizada é maior. 

“Aqui [em São Paulo] a gente faz resgates de acima de mil animais, porque eles vão sendo acumulados pelos traficantes e trazidos para os grandes centros distribuidores e consumidores pelas grandes rodovias. É por isso que aqui a gente os pega mais facilmente. A estrutura logística da Amazônia Legal joga a favor do traficante”, completa.

  • BR-381 ou Fernão Dias: liga os estados de Minas Gerais e São Paulo (ambos no Sudeste). Com tráfego intenso, é um dos pontos de conexão com outras rodovias, inclusive com as que levam ao porto de Santos-SP, o maior do país;
  • BR-163: começa em Tenente Portela-RS e atravessa o lado continental do Brasil até Santarém-PA, na Amazônia;
  • BR-116: inicia-se em Fortaleza-CE, no Nordeste, e termina em Jaguarão-RS, fronteira com o Uruguai. No último mês de julho, um homem viajava de ônibus interestadual por essa rodovia com centenas de jabutis em suas malas. Ele havia saído de Feira de Santana-BA com destino a Duque de Caxias-RJ, onde os animais seriam vendidos a R$700 cada;
  • BR-153: de acordo com o Ibama, a rodovia transbrasiliana é a principal rota usada na região do Estado do Tocantins e do sul do Pará. Começando em Marabá-PA e terminando em Aceguá-RS, também quase no Uruguai, ela atravessa o país por meio de Estados como Goiás, São Paulo e Minas Gerais.

Durante mais de quatro séculos, a posse e a comercialização de animais silvestres foram pouco reguladas no Brasil. O Código Civil de 1916 tratava os “animais bravios” como res nullius, coisas sem dono, de que qualquer pessoa poderia se apropriar. O Código de Caça de 1943 reforçou essa lógica proprietária. O ponto de inflexão ocorreu com a Lei de Proteção à Fauna de 1967, que declarou a fauna como bem público sob proteção do Estado e proibiu a utilização, perseguição, destruição, caça e captura de animais silvestres, ninhos ou abrigos.

Em 1988, a nova Constituição Federal elevou o meio ambiente ecologicamente equilibrado à condição de direito fundamental, estabelecendo que é responsabilidade do poder público “proteger a fauna e a flora, sendo vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”. Foi a primeira vez em que a proteção explícita da fauna silvestre apareceu em uma constituição brasileira.

Hoje, no Brasil, todos os animais silvestres são considerados de interesse público coletivo, estão protegidos pelo Estado, e sua captura, transporte ou venda sem autorização constituem crimes. Mas a letra da lei nem sempre tem efeito. Segundo a Lei de Crimes Ambientais, capturar, possuir ou vender fauna nativa sem autorização pode resultar em pena de 6 meses a 1 ano de detenção, além de multa, que pode variar entre R$ 500 e R$ 5.000 por animal, dependendo da espécie e das circunstâncias do delito. Na prática, a resposta estatal muitas vezes se reduz a multas administrativas, cuja eficácia arrecadatória é baixa. A brandura das punições não desestimula as redes que operam com altos lucros e riscos mínimos, já que os intermediários costumam adquirir os animais por preços muito baixos.

Em um relatório elaborado pela ONG Traffic, consta que os rios são as principais vias de transporte na região amazônica. Segundo a organização, os rios mais utilizados pelos traficantes são o Purus, o Madeira e o Negro. O rio Purus nasce no Peru e deságua no rio Solimões, no Brasil, atravessando os estados do Acre e do Amazonas. É sinuoso e navegável em quase toda a sua extensão, sendo uma rota preferencial para o transporte de peixes e tartarugas. O rio Madeira, localizado entre a Bolívia e os estados brasileiros de Rondônia e Amazonas, é usado para transportar espécies destinadas ao consumo alimentício. Já o rio Negro, que atravessa em grande parte o estado do Amazonas e também banha Venezuela e Colômbia, é utilizado para o transporte de peixes ornamentais para o mercado internacional, especialmente na região de Novo Airão, na área metropolitana de Manaus.

As aeronaves costumam transportar as espécies mais caras, evitando mortes durante longas viagens terrestres ou fluviais, bem como apreensões por fiscais ambientais. Segundo a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas), os aeroportos mais utilizados — tanto em rotas nacionais quanto internacionais — são os de Belém e Santarém, ambos no estado do Pará; o de Manaus, no Amazonas; o de Oiapoque, no Amapá; e o de Boa Vista, em Roraima.

Relatórios produzidos por Rafael Leite, especialista em tráfico de fauna da WCS, detalham operações nas quais esses Estados foram rotas do crime. Um exemplo é a Operação Safe River, realizada em 2016, que uniu forças com a Polícia Civil e Militar do Pará, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (SEMAS-PA) e o Ministério Público Federal (MPF). Na ação, 400 peixes acaris e 58 arraias jabota, cuja venda é proibida, foram encontrados com cinco pessoas no aeroporto de Santarém, prontas para serem exportadas.

No ano seguinte, a Operação Poseidon desarticulou o tráfico em três rotas: Belém, Santarém e Manaus. Os peixes ornamentais, arraias e bagres eram pescados na bacia do rio Tapajós, em Itaituba/PA, e armazenados em sacos plásticos com pouca água e oxigênio. Além da alta mortalidade, havia outro agravante: as espécies serviam como lavagem de dinheiro.

As fronteiras do Mato Grosso, Acre e Rondônia, apesar de terem menos apreensões (sendo que em Rondônia a maioria dos crimes ambientais envolvem extração ilegal de madeira, de acordo com o Ibama), também contam com fiscalizações, sobretudo em rios e rodovias. 

“Como a grande maioria dos voos ocorrem durante a madrugada, isso dificulta a fiscalização rotineira no aeroporto de Porto Velho-RO”, comenta o Ibama. A Renctas também detectou pouco volume de tráfico nesse aeroporto (que figura em 8º lugar no gráfico Top 10 aeroportos públicos mais usados no tráfico). 

Mato Grosso, que algumas vezes alcançou o Pará na captura de fauna ilegal pela PRF, possui um grupo de trabalho do Ministério Público Estadual (MPE) nas suas fronteiras secas, “a fim de ampliar a efetividade e de garantir certa periodicidade nas operações, compartilhando a responsabilidade com órgãos estaduais, como o Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso (Indea/MT), a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema/MT) e a Delegacia Especializada do Meio Ambiente (Dema), da Polícia Civil do Estado de Mato Grosso”, conforme o Ibama.

Um dos motivos é o fato de a Bolívia, apesar de proibir a exportação de fauna desde 1986, funcionar como ponte para animais que seguem para o Peru e outros países. Ainda assim, em menor quantidade que outras fronteiras.

Apesar disso, em número de inquéritos instaurados e concluídos pela Polícia Federal entre 2020 a 2025 por Estado da Amazônia Legal, o Acre aparece em terceiro lugar com 32 inquéritos, Rondônia em quarto com 22, enquanto que Mato Grosso e Tocantins são os lanternas com 7 e 2 cada um. No topo da lista, estão mais uma vez o Amazonas e o Pará, 39 e 36 casos cada um.

Roraima é o segundo Estado do Norte mais utilizado como rota para o tráfico internacional de fauna silvestre. Suas fronteiras são com a Venezuela e a Guiana. Além de seu aeroporto público, na capital Boa Vista, a Renctas identificou uma movimentação nos diversos aeródromos particulares ao norte do estado, tanto dentro de terras indígenas quanto ao redor da Guiana.

“Essa região, devido ao grande número de pistas de pouso, pode ser a ponte de entrada e saída de animais silvestres, inclusive de importação de espécies exóticas, como alguns canários. Os aeródromos privados constituem-se em um instrumento poderoso para esse comércio ilegal, principalmente devido à falta de controle dos órgãos públicos e pelas facilidades que oferecem para o deslocamento de animais entre os países fronteiriços. [Mas] Praticamente todos os aeroportos da Amazônia Legal são sistematicamente utilizados por comerciantes ilegais de animais”, reforça o documento.

“Para quê usar aeródromos clandestinos para se traficar animais, se dá para colocá-los na bagagem despachada do aeroporto público?,” rebate Celso Monteiro*, agente da Polícia Federal em Roraima. Ele trabalhou no aeroporto de Boa Vista e também na fronteira com a Guiana. “Há um grande número de apreensões no aeroporto, tanto no daqui como no de Brasília-DF, de espécies capturadas em Roraima”, completa. A capital brasileira é uma das poucas cidades com voos diretos saídos de Boa Vista — as outras duas são Manaus e, desde 2021, Belém.

Além disso, é possível atravessar do Brasil para a Guiana mesmo a pé pela ponte sobre o rio Tacutu. Há um posto da Polícia Federal, mas nem todos são parados. Diariamente, brasileiros vão às compras na cidade de Lethem, e há até mesmo quem trabalhe em um país e more no outro. Além disso, a mata fechada predomina sobre o país vizinho, no qual 80% do território ainda é pouco habitado

Na Guiana, de acordo com a Traffic, apenas entre 2000 e 2016, foram exportadas 145 mil aves de 24 espécies diferentes, muitas delas também encontradas na Amazônia brasileira.

O próprio agente da PF lembra do contrabando de uma jiboia leucística, que aconteceu em 2009, por “apenas” um milhão de dólares para um colecionador americano. Nativa do Rio de Janeiro, a cobra “foi subtraída do zoológico de Niterói-RJ, levada para Manaus, introduzida na Guiana e tirada daquele país após a forja de uma documentação ambiental como se o animal tivesse sido capturado lá como espécie nativa”, conta Monteiro.

“De lá, ela foi levada para os EUA, onde foi reproduzida, e cada um dos dez filhotes foi vendido a 100 mil dólares. Na época dessa investigação eu trabalhava na Guiana e lembro bem desse caso”, continua. A transação se deu por meio da gestora do zoológico, fechado em 2011 devido à denúncias de maus-tratos e comercialização dos animais.

O tamanho do mercado ilegal

Os peixes ornamentais são o tipo de animal mais apreendido no Brasil. Em segundo lugar, aparecem as aves e os répteis. Essa ordem também se reflete no mercado legal: entre 2010 e 2018, quase 400 mil peixes foram comercializados legalmente para países como a Alemanha, em comparação com mais de 45 mil répteis e 37 mil aves (ver o gráfico Relação de países importadores e animais importados do Brasil entre 2010 e 2018).

As aves são as protagonistas do mercado ilegal online: são os animais mais vendidos digitalmente. Em 2024, ano do último relatório da Renctas sobre esse tipo de comércio, havia 1.684 anúncios de aves, contra 610 anúncios de répteis, que ocupavam o segundo lugar. As três espécies mais anunciadas foram o trinca-ferro (Saltator similis), a arara-canindé (Ara ararauna) e o papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva).

O curió é o pássaro mais vendido legalmente e também o mais traficado do Brasil. Duas aves da espécie vivem, cada uma em uma gaiola, em um estabelecimento comercial em Boa Vista, desde antes da Pandemia da Covid-19. Adquiridos de um vendedor ilegal, e sem nomes definidos (diferente de Xaropinho), elas interagem com seu dono basicamente quando ele limpa o “chão” das gaiolas e repõe a água e o pote de alimentos.

Às vezes, o homem até esquece de retirar a capa de pano que cobre as gaiolas para que os curiós durmam sem perturbações. Assim, passam muitas horas enclausurados. Sua rotina se resume a dar pequenos voos, que mais parecem saltos, em forma de ziguezague dentro de seus cativeiros enquanto os outros pássaros circulam livremente entre as árvores. Canto? Raramente se ouve. Seu lazer são as “férias” que tiram em um sítio da família do seu dono no interior do Estado de vez em quando.

O servidor público Sérgio Dias* costuma ver as aves no estabelecimento. Ele encontrou a mesma espécie engaiolada em Rurópolis-PA, em uma casa que visitou. O dono do curió comprou de um homem que mantinha aves em sua residência e anunciava cada uma pelo valor de R$600, em 2019. “Não era a sua renda principal, era um extra. Mas era só ligar que ele levava um pássaro, que ele capturava na mata, mesmo”, lembra.

Se uma jiboia escandaliza e levanta suspeitas sobre como foi adquirida, as aves são tão entranhadas no cotidiano que é comum alguém achar normal criá-las ou vendê-las. A predominância de casas com quintais e varandas em muitas cidades amazônicas, e de casas que nem sequer têm muros e são rodeadas de árvores e grama nos vilarejos e comunidades, faz os pássaros aparecem diariamente para coletar frutas e outros alimentos.

Espécies como o curió são mais caras e procuradas tanto por colecionadores quanto por criadores amadores devido ao seu canto, beleza e raridade. “A presença da calopsita (Nymphicus hollandicus), com 122 anúncios online registrados, mostra que até espécies domesticadas estão inseridas nesse mercado, seja de forma legal ou ilegal — muitas vezes usadas como fachada para camuflar a venda de espécies protegidas”, comenta a Renctas em seu relatório.

O documento alerta para o fato de que “a diversidade das espécies anunciadas na internet também chama atenção. Estão presentes tanto aves nativas — como Sporophila caerulescens (papa-capim) e Ara ararauna (arara-canindé) — quanto espécies exóticas introduzidas ilegalmente no país, como Pantherophis guttatus (cobra-do-milho), evidenciando que o tráfico atua em múltiplas frentes. Essa prática amplia os riscos ecológicos, com potenciais impactos à biodiversidade local, além de representar sérias ameaças à saúde pública, devido à transmissão de zoonoses”.

Os répteis vêm em seguida por serem o grupo das iguanas, cobras e lagartos — “pets exóticos”, e logo depois os peixes ornamentais para aquários e os mamíferos de pequeno porte (saguis e micos). Figuraram na lista também escorpiões, aranhas, crustáceos e até estrelas-do-mar.

Cada um deles vale em média R$489 nos 2.936 anúncios de WhatsApp coletados entre 01 de julho e 31 de dezembro de 2023, movimentando um total estimado de R$1.730.287,90. 

Quase metade das publicações são do Estado de São Paulo (44,14%), que abocanhou mais de 60% do valor das vendas. Pernambuco, onde estão apenas 5,52% das publicações, “arrecadou” R$131.050,00, indicando que pode ser um polo de venda de animais caros como aves e répteis exóticos para colecionadores.

Os Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio de Janeiro são as principais origens das publicações, possivelmente por serem também os mais populosos, com mais acesso a transportes e consumidores. No Norte, os maiores registros vêm do entorno de Macapá-AP e Belém-PA, e das barreiras do Amazonas com os estados de Rondônia e do Acre.

2025.06.10 - PA - Belém - Brasil: Tráfico de Aves na Amazônia - Cetras / UFRA - Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Selvagens

Apesar de suspeitarem que essas e outras aves tenham passado pelas mãos de vendedores ilegais, os cuidadores não têm certeza sobre suas origens. Foto: Oswaldo Forte/Amazônia Latitude.

O comércio ilegal virtual não se restringe às espécies em risco de extinção, abrangendo também animais considerados fora de perigo. Porém, a situação deles pode mudar dependendo da demanda comercial.

Um dado que chamou a atenção da instituição é que os envolvidos no tráfico pelo WhatsApp costumam ter entre 21 e 30 anos (254 anúncios) e 11 e 20 anos (246 anúncios). Mais do que familiarizados com o mundo digital e as facilidades da criptografia e do anonimato, eles parecem não se importar ou conhecer a gravidade ambiental e jurídica de suas ações.

“Esse envolvimento reforça a necessidade de ações preventivas voltadas às gerações mais novas, o uso de estratégias digitais para enfrentamento do crime e políticas públicas que combinem repressão qualificada com programas de conscientização e alternativas de renda para esse público vulnerável à cooptação pelo crime ambiental digital”, sugere o texto.

O cofundador da Renctas, Dener Giovanini, explica que os grupos de compra e venda podem ser generalistas, específicos sobre uma região (como São Paulo ou o Pará), ou sobre determinados tipos de animais, como aves, aracnídeos, serpentes ou primatas. 

As postagens analisadas pela instituição indicam que a atividade é altamente lucrativa e estruturada, apesar de muitas vezes se disfarçar como coletivos de hobby e de entusiastas. As plataformas mais utilizadas no Brasil para esse fim são o Facebook e principalmente o WhatsApp. Esse último tem as vantagens da criptografia de ponta a ponta e o controle de acesso de quem entra e sai dos grupos.

“Nos grupos de Whatsapp é mais difícil qualquer um entrar porque os compradores e vendedores têm muito cuidado para não serem denunciados. Para você entrar, geralmente eles fazem uma sabatina de perguntas. Poucos deixam você ficar lá só observando. Eles ficam muito desconfiados quando chega alguém assim. A gente, claro, usa perfis fakes,” detalha Dener Giovanini.

Para dificultar ainda mais o rastreamento, os traficantes utilizam chips digitais vinculados a números estrangeiros, principalmente europeus e asiáticos: os chamados eSIM. Outra estratégia consiste em criar anúncios falsos de outros tipos de produtos — celulares, por exemplo — em plataformas de comércio eletrônico como o Mercado Livre. Os traficantes colocam no produto o mesmo valor do animal e depois enviam o link ao comprador. De acordo com a Renctas, esse método protege tanto o vendedor quanto o cliente: o primeiro insere o dinheiro no sistema financeiro e o segundo mantém a compra protegida pela plataforma. Uma vez aprovada a transação, organiza-se o envio utilizando transportadores clandestinos ou empresas de correio.

As descrições incluem preços, formas de pagamento e até promessas de envio ou entrega. Existe também o chamado “rolo”, que consiste na troca direta de animais entre criadores e traficantes, muitas vezes sem a intermediação de dinheiro. Essa prática contribui para a circulação de espécies entre diferentes regiões do país, aumentando o risco de zoonoses. Os usuários costumam exibir os animais — o que gera mais demanda —, rifá-los e até anunciar outros tipos de produtos, como notas fiscais falsas e armas.

Embora de forma mais discreta, outras redes sociais também são utilizadas, e a ONG vem ampliando sua vigilância sobre elas. “Temos alguém no Reddit e outros no Discord, Telegram e Signal”, diz Dener Giovanini. “Mas, em geral, o maior movimento ocorre em grupos de WhatsApp e Facebook e, em alguns casos, no Instagram. Quando negociam espécies mais valiosas, então recorrem a meios alternativos para manter a comunicação”.

Exploração do saber tradicional e da pobreza

Para os Awa-Guajá, indígenas que vivem no que sobrou da floresta amazônica no Maranhão, não só eles, mas todos os animais na natureza “criam” uns aos outros. Criação não é posse, é proximidade. Veado-mateiro cria cotias e borboletas, cigarras são criação das palmeiras, sabiás são criação das capivaras. 

Animais crescem soltos e, quando maduros, retornam à floresta. Retornar é o verbo que sustenta a sustentabilidade: o lugar do animal não permanece vazio; ele volta a dispersar sementes, ser presa ou predador e manter a floresta funcionando.

Na aldeia, não existe dicotomia entre casa e selva, doméstico e selvagem. O vínculo é denso: mulheres transformam as vocalizações de alerta dos macacos em proteção, já que servem de aviso para que se defendam de animais venenosos como cobras ou aranhas em seu caminho. 

Enquanto isso, no estado do Pará, habita o povo indígena Arara. De acordo com a sua cosmologia, quando a vida ainda não havia começado, existiam apenas céu e água, separados por uma casca que servia de assoalho para seus habitantes. Akuanduba, divindade guardiã, soava uma flauta para lembrar a boa ordem quando alguma briga se iniciava. 

Um dia, uma grande briga irrompeu. A multidão furiosa ignorou o som da flauta de Akuanduba, até que a casca que separava o céu e a água se rompeu. Alguns sobreviventes foram erguidos de volta ao céu por pássaros amazônicos e viraram estrelas,  outros foram abandonados em pedaços de casca que flutuavam na água. Assim, nasceu o povo Arara, gente-floresta que escolheu o interior da mata para ficar longe das águas.

Hoje, essas mesmas araras que ajudaram os humanos a virarem estrelas e a sobreviver na terra, foram reduzidas a mercadoria. Cada pena arrancada é um fio rompido do mito: de seres espirituais, tornam-se produtos de luxo, engaiolados ou enviados pelo mundo para satisfazer a ganância alheia. 

As aves de plumagem rara valem muito desde o século XVI, quando a biodiversidade da Amazônia acendeu na Europa a chama do luxo. A beleza e o exotismo da fauna foram tratados como riquezas a se explorar. Na era das Grandes Navegações, damas da corte ostentavam macacos de estimação, chapéus e vestidos com penas de araras e aves que ainda tinham o dom de falar. O animal exótico como símbolo de ostentação sobrevive hoje em selfies de turismo de vida selvagem e na exibição de pets não convencionais em redes sociais. 

Para muitas comunidades indígenas, esse tipo de tráfico não é apenas um crime ambiental, mas também a quebra de uma ética cosmológica ancestral. Herança da colonização, a captura de animais servia como um elo entre os povos indígenas e os colonizadores. A coleta e a entrega de espécimes ficavam a cargo dos grupos indígenas, muitas vezes contra sua vontade, já que somente eles sabiam onde e como capturá-los. Hoje, essa realidade persiste: populações tradicionais e ribeirinhas, que vivem em situação de vulnerabilidade social, capturam animais silvestres e abastecem uma cadeia clandestina disposta a pagar valores muito baixos na origem e multiplicar os lucros nas cidades.

A Renctas revelou, no relatório de 2024, um mercado ilegal ativo de arte plumária produzida por indígenas brasileiros. Centenas de aves são mortas anualmente para abastecer o mercado de arquitetura e decoração, coleções particulares e, em certos casos, rituais religiosos. 

A Constituição garante o uso tradicional dos artefatos nas comunidades, mas a lei proíbe o comércio. Algumas peças compradas nas comunidades da Amazônia, por valores que quase nunca ultrapassam algumas centenas de reais, chegam a ser vendidas por dezenas de milhares de euros na Europa. 

De acordo com Dener Giovanini, as primeiras denúncias recebidas pela instituição foram de lideranças indígenas da região do Xingu, situada no estado do Pará, que falaram da dificuldade em lidar com o comércio ilegal dos seus artesanatos tradicionais, como cocares, pulseiras, cordões, entre outras peças que utilizam partes de animais silvestres, como penas de papagaio e arara, garras de gavião, dentes e ossos de onça e macaco. A alta demanda de produção desse tipo de artesanato estava ocasionando o desaparecimento de espécies de aves em algumas regiões. A partir das denúncias recebidas, a Renctas começou a fazer um monitoramento do comércio online dessas peças nas redes sociais. 

Após realizar um detalhado mapeamento do comércio ilegal de arte plumária no Brasil, através do seu Programa de Monitoramento Online do Tráfico de Animais, a Rede encaminhou ao Ibama um dossiê-denúncia contendo informações sobre essa prática ilegal, que resultou na abertura de investigações sobre o tema. Plataformas como Instagram, Facebook e Whatsapp sao grandes vitrines de anuncio desse comercio ilegal, com as negociacoes sendo feitas dentro das proprias plataformas. Outro destino comum dos artefatos indígenas são lojas de decoração em grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro e São Paulo. Há um comércio ativo também para o exterior, principalmente em sites de leilões de arte. 

O diretor-geral da instituição expõe que os atravessadores se aproveitam da vulnerabilidade social das comunidades indígenas, muitas delas em extrema pobreza, para adquirir as peças a um preço muito baixo, com valores que variam de R$50 a R$200. A mesma peça é vendida por lojas de arquitetura e decoração por valores que chegam ou superam R$20 mil. No mercado internacional, as peças são vendidas por 70 mil dólares. Na Europa, a Renctas identificou artesanatos de indígenas brasileiros sendo vendidos por 60 e 70 mil euros.

O que existe é uma clara exploração socioeconômica das comunidades indígenas vulneráveis, afirma Dener Giovanini. O elo mais fraco e explorado dessa cadeia econômica são os indígenas, que capturam os animais em seu habitat e produzem os artefatos, sendo também aqueles que menos recebem por seu trabalho.

Os povos originários sofrem outros prejuízos, já que a demanda por artesanato impacta diretamente a disponibilidade das espécies utilizadas em suas comunidades. Assim, eles acabam enfrentando um meio ambiente degradado e uma pobreza persistente, enquanto os comerciantes enchem os bolsos de dinheiro.

Ao contrário do que muitos acreditam, as penas usadas para confeccionar um cocar não caem naturalmente das aves. É preciso capturar e matar dezenas de aves para fazer um único cocar, o que tem um impacto significativo sobre as populações de animais silvestres. Segundo Giovanini, são necessários 10, 12, até 15 araras para produzir um único cocar. Para um cocar de harpia — a águia-real — são necessários quatro indivíduos. “Já vimos cocares rituais cuja confecção exige pelo menos 80 papagaios. Quando esse impacto recai sobre espécies que já estão ameaçadas de extinção, aumenta enormemente a possibilidade de que uma espécie desapareça como consequência de alimentar o comércio ilegal”, afirma.

A Renctas criou o projeto “Tradição com Conservação” para enfrentar esse problema. Como parte da iniciativa, a organização capacita indígenas de várias aldeias da Amazônia para produzir arte plumária com penas artificiais. Designers e ornitólogos desenvolveram modelos de penas sintéticas semelhantes às naturais em forma, cores e padrões. Além disso, foi criada uma loja virtual para vender os cocares produzidos pelos indígenas, cujos lucros vão integralmente para as comunidades, como forma de libertá-las dos comerciantes ilegais.

Dessa maneira, as comunidades preservam o saber ancestral da confecção de cocares — os instrutores são os próprios indígenas detentores desse conhecimento —, contribuem para a conservação das aves silvestres e ainda fortalecem sua renda familiar sem depender de intermediários.

Veterinária Natália Assis com tartaruga resgatada. Foto: Oswaldo Forte/Amazônia Latitude.

O Brasil na CITES 

Em 1975, o Brasil ratificou a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES), instrumento global que regula o comércio internacional de espécies ameaçadas, estabelece categorias de risco e exige que países membros implementem medidas para coibir infrações, confiscar espécimes e coordenar fiscalização internacional. 

Hoje, cerca de 5.950 espécies de animais e 32.800 de plantas estão listadas nos Apêndices I, II e III, em graus crescentes de exigência.Mais recentemente, em junho de 2025, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 79/313 (circulada como A/79/L.96), que reconhece os riscos de zoonoses e a ligação com corrupção no tráfico ilícito de vida selvagem e conclama os Estados a tipificarem o tráfico de espécies protegidas como “crime grave”. Essas medidas seguem os critérios da Convenção da ONU contra o Crime Organizado Transnacional (UNTOC). 

Durante a 34ª sessão da Comissão de Prevenção ao Crime e Justiça Criminal (CCPCJ), que aconteceu de 19 a 23 de maio de 2025, circulou um rascunho de uma resolução, supostamente proposta pelo Brasil, com o objetivo de incitar os Estados a criminalizar posse, transporte, comercialização e exportação de fauna e flora obtidas sem autorização, ainda que não listadas na Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES). Essas resoluções marcam uma mudança no direito internacional e na colaboração entre países. Estabelecem inteligência compartilhada, rastreio digital e investigação financeira para redes transnacionais. O Brasil lidera esse avanço, alinhando sua agenda doméstica a padrões globais de combate ao tráfico.

Juliana Ferreira, diretora-executiva da Freeland Brasil, uma ONG que desde 2012 trabalha para proteger comunidades e espécies silvestres vulneráveis do crime organizado e da corrupção, combatendo o tráfico de vida silvestre e defendendo o fortalecimento das políticas públicas para a conservação da biodiversidade, afirma que o gesto internacional também precisa reverberar dentro do país.

“O Brasil precisa melhorar a aplicação das leis que já temos, fortalecer o arcabouço internacional e ter um plano nacional coordenado. Se se aplicasse adequadamente a Lei 9.605, por exemplo, poderia-se aumentar as penas dos traficantes profissionais através de majorantes e acusações conexas. O crime afeta não apenas a sobrevivência das espécies, mas também ecossistemas, serviços ambientais, economia e bem-estar”, comenta.

No dia 5 de novembro, a Câmara dos Deputados do Brasil aprovou um projeto de lei que aumenta a pena por matar ou capturar animais silvestres, nativos ou migratórios, sem autorização: a punição passa dos atuais 6 meses a 1 ano para reclusão de 2 a 5 anos.

O projeto segue agora para o Senado, para aprovação e sanção presidencial. No momento da redação deste relatório, a nova lei ainda não está em vigor.

Hoje, o Brasil reivindica a liderança mundial em temas ambientais com a COP30 da Convenção sobre Mudança do Clima, em Belém (2025), e a COP15 da Convenção sobre Espécies Migratórias, em Campo Grande (2026). Agora, o país tem a oportunidade de alinhar discurso e prática, atualizando o marco legal para desestimular economicamente a cadeia do tráfico e combater sua lógica financeira.

Na Amazônia, a relação da população com a fauna é marcada por práticas tradicionais e de subsistência. Comunidades indígenas e ribeirinhas capturam e consomem carne de caça, pescam espécies nativas e usam partes de animais em artesanato ou medicina tradicional. Mas há também atividades ilegais com forte apelo econômico, como as rinhas entre canários-da-terra e o comércio de pássaros canoros, curiós (Sporophila angolensis) e bicudos (Sporophila maximiliani), capturados para torneios de canto.

Entre 2012 e 2019, apenas na Amazônia, foram apreendidos 1.171 curiós em lotes acima de 10 indivíduos. O destino desses animais, seja para o mercado doméstico ou internacional, ainda é pouco documentado, mas sabe-se que campeonatos de canto movimentam altas somas não só no Brasil, como em outros países da América Latina e até nos Estados Unidos.

 

Um problema sem rosto

A Amazônia é uma teia de funções. Um papagaio capturado não é apenas um corpo a menos; é um elo ecológico subtraído. Psitacídeos (papagaios e araras) dispersam sementes, inclusive de grandes frutos, e atuam como jardineiros da floresta. 

O declínio de suas populações altera a regeneração e a estrutura da mata. Quando os bandos desaparecem, esvazia-se também a capacidade da floresta de se refazer.

“Há tráfico porque há demanda”, afirma Juliana Ferreira, diretora-executiva da ONG Freeland Brasil. Desde 2012, a organização se dedica ao combate ao tráfico de espécies silvestres. Recentemente, uniu esforços com entidades públicas e privadas para detectar o transporte ilegal de fauna em um de seus principais meios: o avião.

No aeroporto da capital da Bahia, um dos principais centros de distribuição de fauna silvestre do país, a Freeland capacitou os Agentes de Proteção da Aviação Civil — responsáveis por inspecionar bagagens com equipamentos de raio X, sob supervisão da Polícia Federal — para que aprendessem a identificar animais ocultos.

“Muitos turistas tentam levar carne de caça, estrelas-do-mar. Muitos fazem isso sem maldade, poderia ser até a nossa tia. Esse não é o tipo de pessoa que queremos punir. Não queremos o sujeito que vende passarinhos numa cidade pequena do interior, e sim o traficante que transporta 1.400 aves, como as que foram apreendidas em Minas Gerais em junho. Mas quando os agentes perguntam de onde aquilo veio, conseguimos chegar às fontes do tráfico”, explica Ferreira.

Colocar essa ideia em prática não foi simples. Para começar, a Agência Nacional de Aviação supervisiona os aeroportos e controla os agentes, mas quem os contrata são as empresas privadas que administram esses espaços. Esses funcionários, considerados de nível operacional, são terceirizados, o que fragiliza seus direitos. Além disso, estão na linha de frente da inspeção e são os primeiros a sofrer represálias em caso de erro ou de assédio por parte de passageiros arrogantes que não querem ter sua bagagem aberta.

Por outro lado, o Ibama está presente em pouquíssimos aeroportos. O de Guarulhos, em São Paulo — apesar de ser o maior do país e receber a maioria dos voos internacionais — nem sequer possui um depósito para armazenar biodiversidade apreendida. O próprio pessoal do aeroporto acaba descartando objetos como barbatanas e bexigas de animais mortos.

O aeroporto de Salvador, na Bahia, conta com um escritório do Ibama, onde trabalha um funcionário que a Freeland já conhecia; além disso, um antigo técnico do Ibama integra a ONG (o consultor ambiental Lucas Tino, que atuava no aeroporto de Guarulhos), e a empresa que administra o aeroporto estava aberta a negociar. Tudo isso facilitou a parceria.

Desde que o programa foi implementado, em meados de agosto de 2024, as detecções de transporte ilegal de fauna silvestre no aeroporto de Salvador aumentaram 2.500%. O motivo principal é a mudança de perspectiva dos agentes, que agora sabem que é proibido transportar carne e objetos feitos com animais — itens que antes viam nas malas com naturalidade — e conseguem identificar quando um animal está sendo transportado ilegalmente.

“As pessoas nem sempre sabem que isso é proibido. Dizem que sempre viram alguém fazer”, explica Juliana Ferreira. “Sempre encontro algum passarinheiro”, brinca Lucas Tino.

A comunicação constante entre os órgãos, as coalizões com outras ONGs e parlamentares para fortalecer agendas ambientais, e a produção de relatórios com dados abertos estão entre as ações realizadas pela Freeland Brasil. Além da eficácia do projeto no aeroporto, a organização foi responsável pela denúncia que desencadeou a investigação sobre uma quadrilha argentina que promovia a caça de onças e outros animais em safáris ilegais na Argentina, Bolívia e Brasil, cobrando até 50 mil dólares. É o maior caso de tráfico de fauna registrado naquele país.

A Renctas, que monitora crimes contra a natureza 24 horas por dia, entregou em 1999 ao Ministério Público Federal um dossiê com 7.000 anúncios ilegais em plataformas como Orkut e Mercado Livre. Quem recebeu o documento na época foi a procuradora Anaiva Orbest, hoje conhecida por sua forte atuação no combate aos crimes ambientais. Em 2022, graças a outro dossiê produzido pela instituição, o Facebook acabou pagando 10 milhões de reais (1,9 milhão de dólares) em multas ao Ibama por facilitar o comércio ilegal em sua plataforma. Desde sua fundação, a rede já formou 7.000 servidores públicos.

O sucesso do projeto no aeroporto de Salvador mostra que um dos caminhos para combater o tráfico passa pela união entre agentes públicos e privados, pela conscientização e pelo aumento das penas. “As leis já existem e estão sendo aplicadas de forma mais eficaz, mas as punições ainda são muito baixas”, afirma Juliana Ferreira. Os homens responsáveis pelo transporte das aves simplesmente assinaram um termo de compromisso para comparecer à Justiça e foram liberados. As aves agora estão no CETAS.

Falando em centros de resgate, o destino de Xaropinho também chegou ao fim. Após quatro meses de reabilitação no Cetras de Belém, o papagaio-verdadeiro amazônico — que um dia chegou pedindo café, um gesto herdado de seu vínculo intenso com humanos — reaprendeu a se alimentar de frutas, verduras e proteínas. Depois, foi transferido para o Zoológico Municipal Sargento Prata, em Fortaleza, no estado do Ceará, onde hoje vive com outros da sua espécie. Ainda assim, carrega a marca da contradição humana: foi maltratado por mãos que o feriram e salvo por mãos que o cuidaram. Xaropinho nunca mais voará livre na natureza e, talvez, nesse silêncio contido de suas asas esteja guardada a lembrança mais dolorosa do que significa ser livre.

Embora volumosos, os dados sobre o tráfico na Amazônia são fragmentados. Os órgãos estaduais e federais não trabalham de forma integrada, e muitas apreensões não são registradas em bases nacionais.

As estatísticas revelam apenas uma parte do que realmente circula. Enquanto a legislação permanecer desigual entre os países amazônicos, as fronteiras forem vulneráveis e a demanda — interna e externa — continuar elevada, a fauna da Amazônia seguirá sofrendo forte pressão das redes criminosas que operam com eficácia e discrição.

No fim das contas, trata-se de um chamado para reaprender o que as araras e os Awa-Guajá sempre souberam: ninguém possui a floresta sem se perder dentro dela. A Amazônia precisa de asas vivas, não de asas penduradas. E o Brasil precisa aprender a contar para deixar de perder.

Apesar de volumosos, os dados sobre o tráfico na Amazônia são fragmentados. Não há consolidação entre órgãos estaduais e federais, e muitas apreensões não chegam a ser registradas em bases nacionais. 

As estatísticas revelam apenas uma fração do que realmente circula. Enquanto a legislação seguir desigual entre os países amazônicos, as fronteiras continuarem vulneráveis e a demanda, tanto interna quanto externa, permanecer aquecida, a fauna da Amazônia seguirá sob forte pressão de redes criminosas que atuam com eficiência e discrição.

No limite, é um chamado a reaprender o que Arara e Awa-Guajá já sabiam: ninguém possui a floresta sem se perder nela. A Amazônia precisa de asas vivas, não de asas penduradas. E o Brasil precisa aprender a contar, para então deixar de perder.

Soluções urgentes passam por:

  • Um sistema nacional integrado de dados sobre fauna traficada: acessível e interoperável entre Ibama, ICMBio, PF, PRF, Receita, MPs e Judiciário. Sem números consistentes, não há política pública.

  • Atualização legal: tipificar o tráfico de fauna como crime grave, tratar delatores como crime organizado, abrir trilhas de lavagem e sequestrar ganhos. As resoluções ONU (A/79/L.96; E/CN.15/2025/L.8/Rev.1) fornecem guia para isso.

  • Ataque aos incentivos econômicos: projetos de renda que preservem cultura (como o “Tradição com Conservação”), fiscalização focada em atravessadores e compradores finais, parcerias com plataformas digitais para desmonetizar anúncios de fauna, e cooperação internacional para investigar dinheiro e interceptar rotas.

*nomes alterados a pedido dos entrevistados.

2025.06.10 - PA - Belém - Brasil: Tráfico de Aves na Amazônia - Cetras / UFRA - Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Selvagens - Veterinária Caroline Sotto com tucano que foi resgatado com as penas das asas cortadas.

Texto: João Felipe Serrão, Nayra Wladimila e Marcos Colón (Amazônia Latitude)
Fotos:
Oswaldo Forte

Edição: Marcos Colón e Juliana Carvalho (Amazônia Latitude)
Edição de fotografia: Fabrício Vinhas e Alice Palmeira (Amazônia Latitude)
Checagem: Marcos Colón e Juliana Carvalho (Amazônia Latitude)
Montagem da Página: Fabrício Vinhas e Alice Palmeira (Amazônia Latitude)

Revisão ortográfica (português): Juliana Carvalho (Amazônia Latitude)
Tradução para o inglês: Marcos Colón (Amazônia Latitude)
Tradução para o espanhol: Meritxell Almarza
Coordenação de fluxo de trabalho editorial: Marcos Colón e Juliana Carvalho (Amazônia Latitude)
Direção de Redação: Marcos Colón (Amazônia Latitude)

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