Dossiê COPalhaçada

Vale isso? Empresa emite mais CO2 que todo o Pará

Um número escondido nos relatórios da Vale revela a distância entre o discurso verde da mineradora e o peso real de suas emissões de carbono

A história de hoje começa com um número. 288. Um número que agora não significa nada, mas eu te prometo que até o fim desse vídeo ele vai fazer sentido. Esse número eu descobri escondido no meio de centenas de páginas de um documento difícil de ler, um documento chato até, mas ao mesmo tempo importante.

Eu tô falando disso aqui, o último relatório anual da Vale, a mineradora que tá por trás de quase tudo no Pará. A Vale patrocina os cantores que a gente gosta, os museus que a gente visita, os filmes que a gente vê, as universidades onde a gente estuda e os parques onde a gente passeia. E também, claro, patrocina a COP30. Sim, porque a Vale considera a COP uma grande oportunidade pra dizer pro mundo que ela tá muito preocupada com a crise climática. Uma crise, aliás, produzida principalmente por empresas como ela.

Mas a Vale diz pra gente que tá fazendo a parte dela. Só que, nesse vídeo, eu vou mostrar como esse discurso não resiste à simples leitura dos relatórios que a própria Vale publica.

Como todos os executivos de todas as empresas no capitalismo, os executivos da Vale acordam e dormem todo dia pensando apenas em uma coisa: em como aumentar o lucro dos acionistas. É claro que é impossivel conciliar essa busca irracional por lucro, que é a alma do capitalismo, com a necessidade de preservar a natureza. 

Quando a ONU criou o conceito de COP, a ideia era reunir os governos e as empresas pra que, juntos, eles decidissem o que eles fariam pra reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Mas 29 COPs depois, não é exagero dizer que essa ideia fracassou de maneira vergonhosa. O planeta não só tá mais quente, e em 2024 a gente teve o ano mais quente da história, como a gente vai chegar muito em breve num ponto em que vida como ela é conhecida hoje simplesmente… vai ficar inviável.

E mesmo assim, empresas como a Vale se recusam a sequer questionar o motor de toda essa destruição, que é esse desejo irracional e autodestrutivo de produzir e acumular cada vez mais riqueza.

Em vez disso, elas insistem em campanhas de marketing que tentam colocar a responsabilidade da crise climática, veja você, na gente. Sim, eu e você, é que temos que repensar nossos padrões de consumo, que temos que andar mais de bicicleta, tomar banhos mais curtos, fazer compras com sacola retornável.

Mas, quando você olha os números, a verdade aparece. Em 2023, a cidade de Belém, que tem 1 milhão e 400 mil habitantes, emitiu 1 milhão e meio de toneladas de gases do efeito estufa.

Agora, sabe quanto a Vale emitiu no mesmo período? 

458 milhões de toneladas.

A Vale emite mais carbono do que todo o Estado do Pará. E olha que boa parte das emissões do Pará, são da própria Vale.

Sim, uma única empresa, uma única mineradora, que tá no Pará há 40 anos, cavando, desmatando, poluindo, ameaçando comunidades tradicionais, usando uma quantidade pornográfica de água pra vender essas pelotas de ferro pra China, essa única empresa, emite 288 vezes mais carbono do que uma cidade como Belém. 

E isso tá aumentando, e não reduzindo, como a Vale quer fazer parecer. Em 2024, a Vale emitiu oito milhões de toneladas a mais do que em 2023.

A Vale diz que reduziu as emissões diretas e indiretas desde 2017. Mas, se você olhar o histórico dos últimos anos, vai perceber que a redução é absolutamente irrisória, ridícula até, se a gente comparar com a gravidade da emergência climática.

288 é um número que mexe comigo porque ele mostra que qualquer atitude individual que eu possa ter pra, pelo menos, sentir que tô fazendo a minha parte, é completamente inútil. Porque a Vale vai continuar emitindo 288 vezes mais que uma cidade inteira. Uma cidade que, aliás, pode simplesmente desaparecer se empresas como a Vale não forem, de alguma forma, impedidas de continuar destruindo a Amazônia.

 

Vale faz festa com Gaby Amarantos enquanto opera lobby pelo PL da Devastação

Enquanto a Vale financia cultura, shows e discursos verdes, também articula nos bastidores o PL da Devastação e transforma ilusionismo em política ambiental

Você sabe o que é prestidigitação? Prestidigitação é a habilidade que os mágicos têm de manusear objetos para operar truques aparentemente impossíveis. Por exemplo, com uma mão eles embaralham as cartas tão rápido e de maneira tão espalhafatosa que você nem percebe que, com a outra, eles já colocaram na manga aquela carta que você escolheu antes. É aí que acontece a mágica.

Outra palavra pra prestidigitação é… ilusionismo. E me diz se não é exatamente isso que está acontecendo no Pará hoje.

Essa é a cantora Gaby Amarantos, uma das maiores representantes da arte e da cultura paraense no Brasil na atualidade.

A Gaby diz que defende a Amazônia, que se preocupa com a preservação da floresta, mas como é possível defender a Amazônia e ao mesmo tempo receber patrocínio da Vale, uma mineradora que está há décadas colaborando justamente com a destruição da Amazônia?

A Vale está vendo a COP30 como uma grande oportunidade para mostrar para o mundo que a mineração é sustentável, e fundamental, para a nova “economia verde”. E a Gaby tá ajudando a Vale a passar essa mensagem.

O que a Gaby não vai falar é que, enquanto a Vale patrocina a carreira dela, ela também faz um lobby pesado para aprovar o PL da Devastação. Uma lei que acaba com o licenciamento ambiental e dá pra Vale a autorização para destruir a Amazônia cada vez mais. A Gaby não vai falar, mas eu e a Revista Amazônia Latitude vamos.

O PL da Devastação não é chamado assim por acaso. Ele é fruto do interesse do agronegócio, da mineração e das indústrias. O interesse de fragilizar e, em alguns casos, até acabar com o poder do Estado de limitar os avanços desses setores contra a natureza. E é claro que esse PL tramitou em tempo recorde em um Congresso que é financiado por todo esse pessoal.

Uma das mudanças mais agressivas foi a possibilidade do auto-licenciamento ambiental, o que na prática significa que as empresas destruidoras podem agora conseguir uma licença automática pra destruir. É por isso que os cientistas e ambientalistas classificaram esse projeto como o maior retrocesso da política ambiental do país.

Quando esse PL foi aprovado na Câmara e no Senado, a gente ainda tinha esperança do Lula vetar, o que ele foi aconselhado a fazer pelos cientistas. Mas duas semanas antes de acabar o prazo, 90 entidades empresariais mandaram uma carta pro Lula cobrando a sanção integral da lei.

Essa carta é muito interessante não pelo que ela diz, porque o que ela diz é só que os empresários querem ser liberados pra devastar a natureza e não serem punidos por isso, mas ela é interessante também aqui na parte das assinaturas.

Porque entre as assinaturas está o Instituto Brasileiro de Mineração. O Ibram é o sindicato das mineradoras, uma entidade que só existe para fazer o lobby da mineração no congresso e no governo.

Veja, não é que o Ibram apoie alguns pontos do PL da Devastação e discorde de outros. Ele defende a aprovação integral, 100%, desse vandalismo antiambiental.

E é claro que a Vale, que é a maior mineradora brasileira, é uma das principais empresas por trás do Ibram. Aqui, dá pra ver que a Vale tem três cadeiras no conselho do Instituto.

A Vale e essas 90 associações fizeram pressão de um lado, a sociedade civil, os cientistas, os indígenas e os ribeirinhos fizeram de outro, e o Lula acabou, como sempre, ou quase sempre, se submetendo à pressão do capital. Ele vetou apenas 63 dos 400 pontos do PL.

Agora, você acha que a Vale e as mineradoras estão satisfeitas com isso? Claro que não. Elas já estão articulando a derrubada de todos os vetos do Lula para impor de novo o projeto na íntegra.

É assim que a Vale opera o ilusionismo na COP. Com uma mão, ela patrocina a Gaby Amarantos, a Mariah Carey, o governo do Pará, obras como o Parque da Cidade e as Usinas da Paz, museus, universidades, vídeos em alta definição da floresta ou do que restou dela, além de eventos em que ela mesma, a Vale, propõe “soluções” para a crise climática.

Mas com a outra mão, enquanto tá todo mundo distraído com essa festa toda, a Vale opera deputados e senadores do PL da Devastação.

Tá na hora da gente começar a olhar pro lugar certo.

 

COPalhaçada: Hydro, a mineradora que sozinha emite mais CO2 que toda a cidade de Belém

“Descubra como a COP30 em Belém se transformou em um palco para o ‘marketing verde’ de mineradoras como a Hydro, que emite 6 vezes mais CO2 que toda a cidade. Entenda como o capitalismo e a busca por lucro impedem soluções reais para a crise climática.”

Chegou a hora de ter uma conversa séria sobre esse grande evento que vai acontecer em Belém, em novembro. Mais ainda, de como a COP30, que está sendo vendida como uma oportunidade para encontrar soluções para a catástrofe climática, virou, na verdade, um grande circo. Um circo em que as empresas e os governos envolvidos não estão, de fato, interessados em reduzir as emissões de gases do efeito estufa, mas em aumentar as próprias margens de lucro.

Antes de mostrar os números e os documentos, é preciso falar da Fafá de Belém. Artista que todo paraense, como eu, aprendeu a admirar, a Fafá tem estrelado campanhas de marketing da Hydro, a mais recente com direito a participação no intervalo comercial do “Fantástico”, da Globo. A Hydro, como sabemos, é uma mineradora norueguesa que está entre as principais responsáveis pela tragédia climática que estamos vivendo.

Sim, porque quando a chuva alaga Porto Alegre, quando os rios da Amazônia secam ou quando o Brasil é castigado por uma onda de calor mais severa que a anterior, nós podemos tranquilamente apontar o culpado. O culpado não somos eu ou você que usamos carro e às vezes compramos saco de plástico no mercado. São empresas como a Hydro, que, para produzir alumínio, está há mais de cem anos queimando carvão e óleo diesel e, com isso, jogando milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera.

E agora, a Hydro, que causou esse problema, está cooptando artistas como a Fafá para dizer que encontrou a solução. E a solução é essa:

Notícia sobre a redução nas emissões de CO2 da Alunorte. Fonte: Reprodução/Site Hydro

Notícia sobre a redução nas emissões de CO2 da Alunorte. Fonte: Reprodução/Site Hydro

Segundo a Hydro, a empresa conseguiu deixar de emitir 700 mil toneladas de CO2 na fábrica de Barcarena este ano. Isso parece muito. Mas, ffiquei curioso para saber quanto isso representa no total de emissões da Hydro. É óbvio que esse número eles não divulgam em suas campanhas milionárias. Mas esse gráfico está disponível no relatório que eles são obrigados a publicar pros investidores.

Emissões de gases do efeito estufa da Hydro, em milhões de toneladas. Na penúltima linha vemos que o total de emissões em 2024 foi de 8,98 milhões de toneladas (pág. 85)

Emissões de gases do efeito estufa da Hydro, em milhões de toneladas. Na penúltima linha vemos que o total de emissões em 2024 foi de 8,98 milhões de toneladas (pág. 85). Fonte: Reprodução.

Só em 2024, a Hydro jogou na atmosfera quase 9 milhões de toneladas de gases do efeito estufa. Ou seja, a redução que a empresa supostamente alcançou não representa nem 10% do total de emissões. Só para ter uma ideia da grandeza desse número, sabe quanto a cidade de Belém emite desses mesmos gases? Cerca de 1,5 milhão de toneladas. Quer dizer, a Hydro sozinha emite 6 vezes mais gases do efeito estufa do que todos os 1,4 milhão de habitantes de Belém juntos.

Plataforma SEEG, que reúne dados de inventários de emissão, mostra que Belém emitiu em 2023 cerca de 1,5 milhão de toneladas de CO2. Fonte: Reprodução.

Plataforma SEEG, que reúne dados de inventários de emissão, mostra que Belém emitiu em 2023 cerca de 1,5 milhão de toneladas de CO2. Fonte: Reprodução.

E é a Hydro que vai aparecer na COP pra dizer que está muito preocupada com a crise climática. Na verdade, a Hydro, assim como todas as empresas, que usam o evento para fazer marketing, só se preocupa com uma coisa: aumentar a margem lucro. E isso, elas sabem fazer.

Uma coroa norueguesa equivale hoje a R$ 0,54. Portanto, em 2024, a Hydro teve 14,2 bilhões de Ebitda, que é o lucro antes juros, impostos, depreciação e amortização. Fonte: Reprodução.

Uma coroa norueguesa equivale hoje a R$ 0,54. Portanto, em 2024, a Hydro teve 14,2 bilhões de Ebitda, que é o lucro antes juros, impostos, depreciação e amortização. Fonte: Reprodução.

A COP vai ser incapaz de solucionar o desastre climático por um motivo muito simples: ela não vai questionar a causa desse desastre. Uma causa que atende pelo nome de capitalismo. Pelo contrário, a COP foi sequestrada pelo capitalismo, que transformou esse espaço de discussões em um mercado de soluções inúteis para emergência climática. Um grande circo, em que os palhaços somos nós. Uma pena que a Fafá tenha embarcado nessa.

O dossiê COPalhaçada é uma iniciativa de Adriano Wilkson em parceria com a Revista Amazônia Latitude, na qual apontamos a incapacidade da COP de resolver o caos climático enquanto não questionar os fundamentos do sistema capitalista.
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