Resenha: Um pedido urgente para salvar as megaflorestas do planeta

Em “Ever Green”, dois conservacionistas apresentam um olhar surpreendentemente esperançoso sobre as cinco maiores florestas que restam na Terra.

Capa do livro Ever Green.

Ever Green: Saving Big Forests to Save the Planet o Planeta
Autores: John W. Reid e Thomas E. Lovejoy
Editora: WW Norton
Ano: 2022

O primeiro mapa das megaflorestas do planeta a ser revisado por pesquisadores foi resultado de uma improvável colaboração entre a fabricante sueca de móveis Ikea e o Greenpeace, uma organização de ativismo ambiental. Ambos foram forçados a uma parceria após o colapso da União Soviética, quando as florestas da Rússia — incluindo uma zona desmilitarizada madura e verdejante conhecida como o Cinturão Verde da Fennoscandia — foram abertas às empresas madeireiras da Europa. As estradas e a extração de madeira começaram a devorar a paisagem da região até que ambientalistas começaram a protestar. A Ikea queria madeira e o Greenpeace queria proteger partes especiais da floresta, lugares com complexas redes de relacionamentos entre organismos.

Para descobrir onde seus interesses se alinhavam, Ikea e Greenpeace precisavam de um mapa. Nos anos seguintes, um grupo internacional de cientistas elaborou um que ia além da Rússia, em busca de megaflorestas em todos os continentes, abrangendo eventualmente as regiões tropicais e boreais do globo. Em 2008, esses cientistas lançaram uma maravilha cartográfica: um mapa com mais de 12 milhões de metros quadrados de florestas intactas, representando 2,6% do planeta. Foram necessários 150 bilhões de pixels para a empreitada.

Em “Ever Green: Saving Big Forests to Save the Planet o Planeta”, John W. Reid e Thomas E. Lovejoy, que morreu no ano passado aos 80 anos, explicam que o mapa — e o conceito de florestas intactas que ele ilustra — nos mostra “onde a magia ainda acontece — onde há núcleos de floresta maciços e totalmente funcionais que o planeta precisa que continuem funcionando”.

O argumento fervoroso dos autores é que o foco atual em reduzir o consumo de carvão e gás ou mudar para veículos elétricos, como forma de evitar que a temperatura global aumente 1,5º C, ignora uma realidade essencial: os seres humanos precisam manter carbono no solo.

Segundo eles, as florestas boreais sozinhas armazenam 1,8 trilhões de toneladas de carbono por m², o equivalente a 190 anos de emissões mundiais nos níveis atingidos em 2019. Limitar as emissões é importante, claro, mas se perdermos nossas florestas, isso não vai importar muito. “A conta para manter nosso mundo habitável não fecha se não cuidarmos, em geral, da biologia do planeta e manter, em específico, nossas grandes florestas”, escrevem.

Lovejoy e Reid concentram-se nas cinco megaflorestas remanescentes do mundo — Nova Guiné, Congo, Amazônia, Zona Boreal da América do Norte e Taiga da Rússia — e fazem um esforço real para persuadir os leitores de seus argumentos, evitando escrever um livro que se pareça com o Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

Os autores descrevem de forma viva seu trabalho de campo ao redor do mundo e suas numerosas conversas com quem vive e trabalha na floresta. Os lugares visitados são descritos em detalhe: Na Rússia, tigres e leopardos vagueiam pela floresta cheias de folhas de outono. Na Amazônia, antas com nariz caído e olhos lacrimejantes pisam “delicadamente” nas margens do rio, e borboletas azuis do tamanho de cartões postais se movem rapidamente, “imprudentes e lindas”, por seu acampamento.

No passado, cientistas e conservacionistas descreveram essas florestas por meio de inúmeros termos diferentes: fronteiriças, primárias, puras, virgens, profundas, naturais, ancestrais. Reid, um economista e conservacionista, e Lovejoy, que cunhou o termo “biodiversidade”, referem-se a elas como megaflorestas, ou simplesmente grandes florestas.

A opção dos dois por um novo vocábulo reflete sua crença de que os termos anteriores eram confusos. Desde sua criação há mais de um século, o movimento conservacionista enfrenta a ideia de que a natureza “real” possui uma “pureza pré-humana”, argumentam. Reid e Lovejoy refutam esta noção: “As pessoas habitam as florestas do mundo há dezenas de milhares de anos, e ainda estão lá”.

Os autores fazem uma distinção crucial: o que define megaflorestas não é que estejam desabitadas por humanos, mas que ainda não tenham sido comprometidas pelo desenvolvimento industrial moderno. Como o botânico Alexey Yaroshenko diz: “Elas são os últimos remanescentes de floresta que estavam em equilíbrio com um velho modelo de influência humana”. O Cinturão Verde de Fennoscandia, por exemplo, não é apenas uma paisagem de alce e cisnes — é lar do povo indígena Sámi, cujo conhecimento tradicional de plantas, animais e geografia é enciclopédico.

Nos capítulos que descrevem a influência humana nas florestas, “Ever Green” assevera seu argumento antropocêntrico em favor da conservação, que é, ao mesmo tempo, compassivo e convincente. Megaflorestas, eles explicam, são lugares de admirável biodiversidade, de humanos e não humanos.

As florestas “revelam o espetáculo completo da inventividade humana” que gerou milhares de culturas. Por exemplo, as florestas detêm mais de um quarto das línguas do planeta. Na língua Maybrat da Nova Guiné, as palavras para “floresta” incluem o termo toof , quando falado “parece alguém tirando água de um snorkel” e se refere à floresta que as pessoas tocam todos os dias por meio da caça, coleta e jardinagem. Já a palavra para musgo é reservada para “lugares secretos e sagrados da floresta”.

Cada cultura da floresta, escrevem os autores, tem “sua própria maneira única de perceber a realidade, processando informações e tornando-as expressão verbal. Cada uma tem uma maneira específica de estar no mundo”.

Foto em preto e branco de uma megaflorestaPor incrível que pareça, antropólogos descobriram que um fator favorável à diversidade linguística tem pouco a ver com as barreiras físicas e geográficas, e mais com a quantidade de chuva anual. Quanto mais consistente for a precipitação, mais capaz uma comunidade será de ser auto-suficiente e, portanto, isolada. “Estes ecossistemas onde línguas e culturas se multiplicam são também aqueles onde a vegetação engrossa e cresce — as florestas”, escrevem Reid e Lovejoy.

“Ever Green” se aprofunda na temática do desmatamento, mas evita uma narrativa padrão de tragédia ambiental. (“A coisa mais chocante” que um cientista “tem a dizer sobre o desmatamento no Congo”, escrevem, “é que ele nunca viu nenhum”). Eles argumentam que extração de madeira não necessariamente significa a perdição das florestas e que campanhas de plantio de árvores, como as do bilionário Marc Benioff, são distrações inúteis das soluções reais.

Eles enfatizam que uma das formas mais eficazes de proteger as paisagens florestais é o financiamento de carbono — pagando bastante dinheiro aos países com florestas para manter o carbono no solo — uma ideia com enorme potencial. Eles também recomendam limitar severamente a construção de estradas e assegurar que os povos indígenas não sejam marginalizados, mas que estejam no centro da política de conservação das megaflorestas.

Por essa e outras razões, “Ever Green” é um livro surpreendentemente esperançoso. No capítulo final, os autores contam que a mensagem mais comum enviada por aqueles que vivem na (e da) floresta para seus leitores foi: “Falem para eles virem!” Os dois pesquisadores encorajam os leitores a considerar suas escolhas como consumidores considerando a saúde da floresta, mas principalmente os convida a ver uma megafloresta pessoalmente. Se isso for impossível, que os leitores vejam uma pequena floresta onde possam encontrar o resto da criação. “Vá ao ar livre e encontre uma folha. Permita que ela te impressione”, escrevem.

Ao contrário de tantos outros ecossistemas menores, nosso entendimento científico sobre florestas e a vontade de preservá-las convergem ainda em tempo de ajudar a retardar sua destruição. O leitor termina o livro acreditando que é possível salvar esses belos e misteriosos lugares onde humanos, árvores e animais coexistem, e mais determinado a apoiar políticas que preservem essas relações.

M.R.O’Connor escreve sobre política e ética da ciência, tecnologia e conservação. Ela é a autora de “Resurrection Science: Conservation, De-Extinction and the Precarious Future of Wild Things” e “Wayfinding: The Science and Mystery of How Humans Navigate the Earth.”
Este artigo foi publicado originalmente em Undark. Leia aqui: Resenha original.
Tradução: Matheus Ferreira

 

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