Sabor, tradição e resistência: o Patrimônio Alimentar do Povo Xerente

Uma imersão visual nos sabores, rituais e materialidades da cultura Akwẽ-Xerente.

A Plenitude do Patrimônio Alimentar Xerente (Akwẽ): os rituais, a subsistência e os saberes ancestrais. Imagem: Fabrício Vinhas/Amazônia Latitude.
A Plenitude do Patrimônio Alimentar Xerente (Akwẽ): os rituais, a subsistência e os saberes ancestrais. Imagem: Fabrício Vinhas/Amazônia Latitude.
A Plenitude do Patrimônio Alimentar Xerente (Akwẽ): os rituais, a subsistência e os saberes ancestrais. Imagem: Fabrício Vinhas/Amazônia Latitude.

A Plenitude do Patrimônio Alimentar Xerente (Akwẽ): os rituais, a subsistência e os saberes ancestrais.
Arte: Fabrício Vinhas/Amazônia Latitude.

Patrimônio Alimentar é uma categoria do Patrimônio Cultural que pode ser compreendida como um conjunto de materialidades e imaterialidades relativas à alimentação, reconhecido por um grupo social como parte de sua identidade cultural e, assim sendo, é transmitido de geração em geração.

As materialidades são os elementos que podem ser tocados, como um cofo, uma canoa, um arco e flecha, uma colher de pau, um tipiti, um prato tradicional, uma fruta, um peixe ou uma roupa específica para o preparo ou coleta de um alimento, ou seja, objetos e alimentos.  As imaterialidades são os saberes e fazeres que envolvem a caça, a pesca, a agricultura, o preparo, o armazenamento, o transporte dos alimentos, os modos de comer, as proscrições, prescrições e simbologias alimentares.

No Brasil, ainda são poucos os patrimônios alimentares reconhecidos oficialmente pelos órgãos de chancela. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) é a instituição que concede o título de patrimônio cultural nacional, enquanto as leis municipais e estaduais concedem o título de patrimônio cultural municipal e estadual, respectivamente. Em termos de Amazônia, podemos citar o Modo de Fazer Cuia do Baixo Amazonas como Patrimônio Cultural Nacional e o Chambari como Patrimônio Cultural do Estado do Tocantins. 

Quando nos referimos a patrimônio alimentar indígena específico de uma etnia, não há nenhum registro! O que deixa claro que nossas políticas patrimoniais ainda seguem padrões eurocentrados, e que precisamos de mais reconhecimento e representatividade das culturas indígenas.

Esta fotogaleria traz registros do patrimônio alimentar do Povo Xerente, que não é reconhecido oficialmente, mas que possui todas as características de um patrimônio, incluindo a mais importante de todas: a comunidade reconhecer-se culturalmente com o que está sendo registrado. Essas imagens são parte da tese de doutorado Patrimônio Alimentar do Povo Xerente e suas Interfaces com o Turismo Étnico Indígena Gastronômico, defendida em 2021, e escrita com e para o Povo Xerente.

A etnia Xerente autodenomina-se Akwẽ e pertence ao ramo central das sociedades de língua Jê do tronco linguístico Macro-Jê. Habita no estado do Tocantins, em duas terras indígenas, com uma população de aproximadamente 4 mil pessoas, organizadas em cerca de 90 aldeias. É uma sociedade patrilinear que possui base sóciocosmológica estruturada nas metades Doi e Wahirê. A alimentação é elemento fundamental da cultura e está presente desde o nascimento até a morte de um membro deste povo.

Para os Xerentes, a mandioca é um dos principais alimentos. A raiz é consumida  cozida ou assada, e utilizada no preparo de farinhas e comidas. Entre elas, está o Kupakubu (kupa – mandioca, kubu – bolo), feito em dias festivos, como em casamentos e cerimônias de nominação.. Seu preparo envolve vários saberes e fazeres que vão desde a escolha das folhas nas quais o Kupakubu é envolto até a forma de retirar essa comida do que os Akwẽ traduziram como moquém, que se trata de uma técnica de assar mais complexa, que envolve madeiras, folhas e barro.

Pizadi e Suzana (in memorian) em um dos primeiros passos do Kupakubu, esfarelando a mandioca que se transformará no "bolo" sagrado para festas e rituais. Foto: Luana Oliveira.

Pizadi e Suzana (in memorian) em um dos primeiros passos do Kupakubu, esfarelando a mandioca que se transformará no “bolo” sagrado para festas e rituais. Foto: Luana Oliveira.

O domínio do fogo e da técnica: preparo do moquém — que envolve madeiras, folhas e barro — essencial para o assamento perfeito do Kupakubu. Foto: Luana Oliveira.

O Kupakubu (bolo de mandioca) pronto para a partilha. Feito em dias festivos e cerimônias, o ato de repartir o bolo é um momento de união e celebração do patrimônio alimentar Akwẽ. Foto: Luana Oliveira.

Feito em dias festivos e cerimônias, o ato de repartir o Kupakubu (bolo de mandioca) é um momento de união e celebração do patrimônio alimentar Akwẽ. Foto: Luana Oliveira.

Enedina Xerente pilando a mandioca para a produção do Kupakro (um tipo de farinha). O domínio dessa técnica tradicional é um dos pilares do patrimônio alimentar Akwẽ. Foto: Luana Oliveira.

Enedina Xerente pilando a mandioca para a produção do Kupakro (um tipo de farinha). O domínio da técnica tradicional é um dos pilares do patrimônio alimentar Akwẽ. Foto: Luana Oliveira.

O beiju de mandioca assando lentamente sobre o fogo no chão, seguindo a técnica tradicional

O beiju de mandioca assando lentamente sobre o fogo no chão, seguindo a técnica tradicional. Foto: Luana Oliveira.

Pizadi Xerente em um momento de saber ancestral: a escolha cuidadosa das folhas, uma etapa essencial para o preparo do Nozãkubu (bolo de milho). Foto: Luana Oliveira.

Pizadi Xerente em um momento de saber ancestral: a escolha cuidadosa das folhas, uma etapa essencial para o preparo do Nozãkubu (bolo de milho). Foto: Luana Oliveira.

O Nozãkubu (bolo de milho) sendo cozido no fogão a lenha. A panela, revestida pelas folhas criteriosamente escolhidas, garante o cozimento e o sabor tradicional deste alimento. Foto: Luana Oliveira.

O Nozãkubu (bolo de milho) sendo cozido no fogão a lenha. A panela, revestida pelas folhas criteriosamente escolhidas, garante o cozimento e o sabor tradicional deste alimento. Foto: Luana Oliveira.

O alimento tem papel relevante nas cerimônias Xerente, no casamento, por exemplo, a noiva entra no local da cerimônia com uma vasilha de comida sobre a cabeça para ofertar ao noivo. Normalmente, trata-se de carne de caça ou peixe moqueado e farinha.  Estas mesmas iguarias são trazidas em quantidade maior em cofos para cerimônia pelo tio da noiva como presente a família do noivo.

Ofertório nupcial: a noiva chega à cerimônia trazendo peixe moqueado e farinha sobre a cabeça, simbolizando a partilha e o sustento do novo lar. Foto: Luana Oliveira.

Ofertório nupcial: a noiva chega à cerimônia trazendo peixe moqueado e farinha sobre a cabeça, simbolizando a partilha e o sustento do novo lar. Foto: Luana Oliveira.

Momento central do ritual de casamento: os noivos e as autoridades (anciãos e tio da noiva) reunidos. As comidas, trazidas em cofos e ofertadas, simbolizam o sustento e a união entre as famílias Xerente. Foto: Luana Oliveira.

Momento central do ritual de casamento: os noivos e as autoridades reunidos. As comidas ofertadas, simbolizam o sustento e a união entre as famílias Xerente. Foto: Luana Oliveira.

Materialidade cultural: O cofo, feito com palha trançada, demonstra o saber-fazer indígena aplicado ao manejo de alimentos. Foto: Luana Oliveira.

Materialidade cultural: O cofo, feito com palha trançada, demonstra o saber-fazer indígena aplicado ao manejo de alimentos. Foto: Luana Oliveira.

João Sonzê (in memorian) e a borduna, artefato feito e usado por homens, fundamental para a caça e a defesa da comunidade. Foto: Luana Oliveira.

João Sonzê (in memorian) e a borduna, artefato feito e usado por homens, fundamental para a caça e a defesa da comunidade. Foto: Luana Oliveira.

Luana de Sousa Oliveira é docente e pesquisadora do IFTO. Pós-doutoranda em antropologia da alimentação no Museum National de Histoire Naturelle/Musée de L’Homme (França). Pesquisa há 18 anos as interseções entre alimentação, cultura e turismo. É doutora em turismo (UNIVALI) e autora de artigos e capítulos de livros no Brasil e Europa. Criadora e cozinheira do Borduna Bistrô (Palmas-TO), compartilha pesquisas e vivências no perfil @cuia.luanaoliveira.

Arte: Fabrício Vinhas
Revisão e Montagem da Página: Juliana Carvalho
Direção: Marcos Colón

 

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