A ignorância vira manchete: Ricardo Salles e Chico Mendes

“Que diferença faz quem é o Chico Mendes nesse momento?”, respondeu à bancada do Roda Viva, no dia 11 de fevereiro, o responsável pelo Meio Ambiente na nova era, Ricardo Salles. Embora o Brasil assista ao início de um mandato presidencial em 2019, é sabido que não superou questões fundamentais de séculos atrás. A pergunta de Salles, cheia da retórica governista de polêmicas disparadas em sequência, não passou incólume aos olhos de tantos jornalistas por aí.

Antes de tornar pública sua ignorância e virar manchete no mundo, o ministro já acumulava algumas notícias desfavoráveis. Cerca de uma semana antes, o Intercept Brasil revelou e-mails e contou a história da condenação por improbidade administrativa. Então secretário de meio ambiente no estado de São Paulo, Salles e representantes da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) interferiram de forma arbitrária no mapeamento do Plano de Manejo da Várzea do Tietê. Salles acusou o ex-funcionário do governo que denunciou a farsa de eco-xiita. A história de desburocratizar e atuar para dar segurança jurídica não convenceu a justiça. Condenado em 18 de dezembro do ano passado, assumiu o Ministério do Meio Ambiente duas semanas depois.

A relevância

Zuenir Ventura tratou de investigar a relevância de Chico Mendes, o rei dos ‘empates’, e do terreno espacial e político no qual se inseriu este peculiar personagem da história contemporânea brasileira. Seu livro, Chico Mendes: crime e castigo, é dividido em três partes. A primeira é a reunião da série de reportagens feitas para o Jornal do Brasil no começo de 1989, dois meses após o assassinato do ambientalista. A segunda cobre o julgamento dos fazendeiros Darci Alves, o assassino, e seu pai, Darly Alves, mandante do crime. A terceira é uma volta à cidade de Xapuri-AC, quinze anos depois,  para revisitar o local do crime. Trinta anos depois do assassinato, a reserva que leva o nome do ativista sofre com a invasão de criadores de gado.

Ricardo Salles, atual Ministro do Meio Ambiente, posa de cocar junto de integrantes da tribo Parecis. Foto: divulgação.

Em resposta à declaração do ministro, André Trigueiro, jornalista especializado em meio ambiente, publicou uma crítica no G1 e apontou que, em meio à defesa de medidas como o autolicenciamento e a flexibilização da legislação ambiental, o chefe da pasta não imaginava que sua frase sobre Chico Mendes causaria a maior repercussão. Para Trigueiro, o desprezo no discurso se dá pela aproximação do líder seringueiro de setores da esquerda e do Partido dos Trabalhadores, cuja sede regional ajudou a fundar.

É importante perceber que a pobreza técnica e a posição discursiva andam juntas. Sobre o que ouviu falar, Salles separa claramente. Ambientalistas e esquerda de um lado, pessoal do agro e da região de outro.

É vital para os ministros e o governo da nova era a insistência no discurso, como fazem nas redes sociais e nas aparições em veículos de imprensa. Não basta trabalhar para afrouxar aquilo que consideram empecilhos ao desenvolvimento, como manda a cartilha das modernizações conservadoras. É preciso combater imagem e memória e interditar os sentidos opostos. Ao dizer que “ambientalistas mais ligados à esquerda” tinham opinião contrária ao pessoal da região, Salles corrobora o discurso dos brasileiros de fato e os outros, “eco-xiitas”, membros de ONGs e identificados com a esquerda que não são originais da região.

Ora, se mesmo a Organização das Nações Unidas reconheceu a importância de Mendes, basta dizer que “a ONU reconhece um monte de coisa errada”. É suficiente para, paulatinamente, enfraquecer a memória de um líder local que inspirou outras pessoas e gerações.

Heróis e ruínas

Em dezembro de 2013, o Greenpeace espalhou lambe-lambes em grandes centros urbanos brasileiros em memória de Chico Mendes. Foto: Leonardo Blecher.

O jornalista Lúcio Flavio Pinto, profissional renomado por sua dedicação à Amazônia, evidenciou detalhes sobre imagem e legado de Mendes na data de trinta anos do assassinato, data sombria numa época também sombria para a floresta:

“Chico é herói acreano de verdade. Mas virou passado. O fim da Amazônia prossegue. Furioso, como sempre.”

Agentes envolvidos nas diversas causas que tornam a Amazônia um cenário de constantes embates pela história sabem disso. Para além das dicotomias que enfraquecem a compreensão desse território e suas particularidades, não se pode ficar no “o pessoal me disse”, como disse o pessoal do agro que o ambientalista era grileiro.

Em um Brasil que não admite mais certezas diante da maioria dos temas, é preciso pesquisar e perguntar, como inadvertidamente fez o ministro: que diferença faz quem é o Chico Mendes nesse momento?

 

A ilustração em destaque retrata o atual Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e é de autoria de Sandro Schutt.
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