V Sialat discute os caminhos para um pensamento decolonial

mesa sobre pensamento decolonial
mesa sobre pensamento decolonial

Professores Bruno Malheiro, Marcos Colón e José Angel Quintero, em mesa redonda “Pensamento indígena, territórios e rupturas epistemológicas face às narrativas coloniais”. Foto: Manuela André/Sialat

Buscando discutir as construções do olhar colonial sobre a Amazônia e como isso influencia as narrativas e as representações da região, foi realizada, na última quinta-feira (26), no auditório do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea) da Universidade Federal do Pará (UFPA), a mesa redonda “Pensamento indígena, territórios e rupturas epistemológicas face às narrativas coloniais”.

Ao colocar em pauta o conhecimento que a América Latina e o Caribe produzem, além do potencial para produzir, o V Sialat procura congregar profissionais que vêm produzindo trabalhos a respeito dessa região, que precisaria se insurgir diante de um projeto de dominação imperialista.

Tempo e espaço: o olhar e o saber indígena

Em meio ao tumulto da modernidade e à corrida incessante pela dominação do tempo, há vozes antigas na América Latina que ecoam, trazendo consigo uma perspectiva conectada à terra, ao tempo e aos povos. A partir das palavras de José Angel Quintero Weir, professor da Universidad Autónoma Indígena (UAI) e da Universidad del Zulia, na Venezuela, e membro do povo Añuu, somos contemplados com um olhar diferente, que desafia as noções hegemônicas e coloniais de progresso e desenvolvimento, e nos convida a repensar nossa relação com o mundo que nos rodeia.

Quintero compartilhou narrativas ancestrais de seu povo, que demonstram uma compreensão intrínseca da interdependência entre tempo e espaço. “Para nós, é impossível separar o tempo do espaço, pois não há lugar sem história. E não há história que não ocorra num lugar”, refletiu.

Para sua comunidade, o tempo não é apenas uma medida linear, mas sim uma espiral que se entrelaça junto ao espaço. Dessa maneira, molda, dá forma, e é moldado.

A busca por recursos e poder, ou pelos recursos que “dão” o poder, teriam transformado a realidade social e a paisagem natural, conforme explica o professor, compartilhando um pouco de suas memórias em meio a um contexto de exploração do petróleo na Venezuela e de outros recursos naturais do país.

“Às vezes, íamos nadar na praia e tínhamos que tomar cuidado porque o óleo saía como bolhas, como vazamentos. E você ia nadar para se limpar e acabava ficando cheio de óleo, cheio de graxa”, relembrou.

Deixando claro seu saber tingido pela contaminação causada pela exploração humana, Quintero também abordou em sua exposição a importância da linguagem na construção da realidade e na percepção do tempo e do espaço.

Menos desenvolvimento, mais envolvimento

Marcos Colón, professor e doutor em Estudos Culturais, documentarista e fundador da Amazônia Latitude, discutiu a construção do olhar sobre a Amazônia e como isso influencia as narrativas e representações da região. A questão central de sua fala foi como a percepção local é moldada a partir do ponto de vista de quem a observa, e isso, muitas vezes, é limitado ou distorcido pelas perspectivas hegemônicas nas quais estamos inseridos, que tendem a enfatizar os problemas e conflitos, não reconhecendo toda sua potencialidade a partir dos povos que a compõem, das línguas diversas faladas, das ideias, da música. Ou seja, ignorando sua riqueza cultural e os conhecimentos tradicionais dos povos originários.

Ademais, o documentarista destacou a importância do questionamento sobre como o “arquivo” da Amazônia foi construído, composto por imagens selecionadas e discursos que moldam nossa percepção. Ele argumenta que esse processo de seleção e visibilidade são uma maneira direcionada de perceber a realidade local através de um filtro específico.

“Quando a Amazônia aparece na grande mídia, a hegemônica, são sempre os mesmos problemas. É o garimpo, são as mortes, os conflitos pela terra. É essa a narrativa destinada à Amazônia. A gente vê pela perspectiva das problematizações, e não pelas potencialidades”, detalhou.

Sendo assim, desviar o foco, compartilhando espaço e contribuindo para a maior visibilidade dos povos indígenas e suas culturas, é fundamental. Colón pontua que deve ser incentivado o trabalho de pesquisadores, documentaristas e artistas que buscam romper com as narrativas dominantes, proporcionando uma nova leitura da Amazônia, centrada na diversidade e nos saberes tradicionais.

Mas surge o questionamento: além disso, qual seria a consequência de não vermos a Amazônia como deveríamos? De acordo com o professor, pode parecer óbvia, porque, de fato, é: entregar a região para os grandes projetos de engenharia que exploram e causam a destruição ambiental, como a construção de barragens e a exploração descontrolada dos recursos hídricos e minerais.

“Quando a gente olha para Belo Monte, o que que a gente vê? Uma hidroelétrica, né? Mas o que mais? Uma arrogância, talvez? Uma arrogância da engenharia. Arrogância também de não ver que aquela barragem produz luta, morte, guerra para um povo”, pontuou.

Bruno Malheiro, professor da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), do mesmo modo, debateu a necessidade de refletir sobre o pensamento colonial no qual fomos inseridos e abraçar uma abordagem contra-hegemônica, decolonial, voltada para as trajetórias e experiências dos povos originários. Ele ainda destacou a atual emergência política, em meio ao caos climático e à expansão capitalista, especialmente no contexto da mineração em territórios indígenas.

Malheiro também criticou a recorrente desconexão do pensamento acadêmico com outras formas de conhecimento e a arrogância em classificar tudo segundo uma visão humana. E apontou que as experiências e perspectivas éticas dos povos indígenas têm sido negligenciadas pela própria academia, grande mídia e sociedade geral.

Para além de apenas reconhecer a existência e importância dos povos amazônicos, precisamos valorizar seus saberes e perspectivas, permitindo sua participação ativa no debate e na formulação de políticas que afetem suas existências e seus territórios.

Texto: Marcelo Dias
Edição: Yris Soares e Isabella Galante
Direção: Marcos Colón

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