Panorama e crise socioambiental são destaques na abertura do seminário

Introdução do evento contou com conferência de Enrique Leff , mostra cultural e exibição de documentário sobre a soja em Santarém

Teve início na segunda-feira (3) o Seminário Internacional de Ecologia Política: Justiça Socioambiental e Alimentar na Tríplice Fronteira Amazônica, sediado nas cidades de Tabatinga (AM, Brasil), e Letícia (AM, Colômbia). O evento, inaugurado no auditório da Universidade do Estado do Amazonas, busca ampliar o debate crítico a respeito dos conflitos socioambientais na Amazônia, e contou com a presença de importantes nomes acadêmicos, políticos e sociais para debater a questão fronteiriça em meio à maior floresta do mundo.

Na abertura, Antonio A. R. Ioris, docente da Universidade de Cardiff e responsável pela realização do Seminário, apresentou o projeto Agrocultures, do qual faz parte, dizendo ser uma ferramenta importante para pensar as consequências e reações humanas diante dos interesses exacerbados dos centros econômicos mundiais, considerados os principais causadores de conflitos socioambientais.

Ioris exaltou o fato de que os eventos promovidos pela rede Agrocultures produziu bons resultados em suas edições anteriores, como artigos científicos, fortalecimento da colaboração entre universidades, e até mesmo a publicação de livros. Ao fim da apresentação, o professor de Cardiff buscou deixar claro do que se trata ecologia política, tema central do seminário. Segundo ele, a ecologia política contempla as transformações sociais, espaciais e econômicas advindas da mudança ambiental provocada pela atividade humana.

Ciência e tecnologia

Após a fala de Ioris, Jório de Albuquerque Veiga Filho, Secretário do Estado de Ciências e Tecnologia do Amazonas, deu as boas-vindas aos presentes e introduziu seu tema “A importância da Ciência e Tecnologia para as comunidades da Amazônia”. Jório, que busca ampliar o desenvolvimento econômico no Estado, principalmente nos municípios do interior, revelou estatísticas sobre a economia amazonense – segundo ele, 82% da renda gerada no Amazonas provém da Zona Franca de Manaus, 50% da população vive abaixo da linha da pobreza, e 15% abaixo da linha da miséria.

O secretário, no entanto, considera abrir o diálogo com a população e reconhece que habitantes de cidades remotas, como é o caso da região do Alto Solimões, possuem um forte vínculo com suas terras e não consideram abandoná-las em troca de melhores salários e condições de vida. Para levar o desenvolvimento a esses municípios, Jório disse que pretende reduzir a participação da Zona Franca de Manaus para 32% da renda total gerada no estado e investir no desenvolvimento de mercados baseados na biodiversidade amazônica para recuperar as cidades, que também carecem de auxílio médico, vias de acesso, saneamento, entre outros serviços básicos. Também declarou que, apesar da situação financeira do estado, pretende investir em infraestrutura para tratamento de água e prevenção de doenças através da captação de auxílio financeiro no exterior.

Conferência

Enrique Leff durante conferência no Seminário Internacional de Ecologia Política, no auditório da UEA. Foto: Amazônia Latitude.

O momento mais aguardado do primeiro dia de seminário foi a conferência de Enrique Leff, um dos intelectuais latino-americanos mais reconhecidos quando se trata de temática ambiental sob uma perspectiva interdisciplinar. Na conferência, intitulada A ecologia política dos povos da terra: territorializando a vida desde a potência da vida, Leff argumentou que a Amazônia é a última fronteira a resistir contra o capital, e que a racionalidade econômica está no centro de todos os conflitos socioambientais e demais agruras do mundo moderno. Apesar de suas tentativas em se reinventar e tentar alcançar o objetivo de levar o desenvolvimento e a igualdade para todos os seres humanos, o capitalismo acaba por favorecer poucos e condenar o mundo através de sua lógica de geração de riqueza predatória, tanto para a sociedade quanto para o meio ambiente.

Para o pesquisador, a crise ambiental não se trata de um problema da natureza, mas sim um problema no seio da civilização humana. Isso ocorre por conta da globalização, que reduz tudo a bens de consumo e riqueza, eliminando a diversidade cultural e homogeneizando todas as populações com as quais estabelece contato ao redor do globo, acabando com qualquer possibilidade de diversidade cultural. Enrique Leff questiona até que ponto essa racionalidade econômica é possível e como o logos do ser humano se voltou contra os princípio da vida.

No entanto, ele vê a solução no desenvolvimento de uma economia que se sustente nas possibilidades da própria vida, pautada na produção de biomassa nativa da própria natureza – segundo afirmou na conferência, a natureza produz 10% de seu volume de biomassa todo ano, o que deveria ser suficiente para saciar as necessidades do ser humano caso esse cenário se mantenha em crescente constante. Uma preocupação do pesquisador a respeito desse tema é a ideia corrente de que se pode controlar, ou até mesmo evitar, os efeitos do aquecimento global e outras mudanças climáticas através do uso de tecnologias específicas, resfriando a atmosfera do planeta – o que maquiaria o problema e atrasaria as piores consequências, mas não as evitaria.

Apresentações culturais

Povo Tikuna da Comunidade Umariaçu 2 realiza dança tradicional no auditório da UEA. Foto: Amazônia Latitude.

Ao final do evento, os indígenas da Comunidade Umariaçu 2, de Tabatinga, apresentaram danças tradicionais e ritualísticas aos presentes no auditório. Exibindo trajes tradicionais, máscaras e pintura corporal a base de jenipapo, os representantes da etnia Tikuna se mostraram orgulhosos de sua tradição, em contrapartida ao argumento desenvolvimentista que denigri os povos indígenas por não compartilharem o mesmo estilo de vida e valores da sociedade ocidental moderna.

No encerramento, Marcos Colón, professor da Florida State University e cineasta, apresentou seu premiado documentário Beyond Fordlândia, que trata da herança deixada por Henry Ford no Pará, em sua tentativa de conquistar a autonomia da produção de peças para seus carros. A narrativa do filme mostra como a fracassada aventura seringueira na cidade de Fordlândia abriu caminhos para a implantação da monocultura da soja na Amazônia, um dos principais geradores de conflitos socioambientais em diversas regiões.

 

Na Imagem em destaque podemos ver Antonio Ioris, Bety Souza, Pedro Rapozo, José Ribamar da Silva, Olga Lucía Chaparro, Nícolas Andretti de Souza e Jorge Barbosa.
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