Comunidade indígena Umariaçu II e o purismo cultural

Fotorreportagem contesta convicções do senso comum ao visitar território de origem Tikuna

O primeiro contato com a comunidade Umariaçu II, em Tabatinga, cidade localizada no extremo Norte do país, na região do Alto Solimões, provoca uma espécie de choque cultural no visitante, sobretudo naqueles inseridos na cultura ocidental. A equipe da Amazônia Latitude foi até o município, que faz divisa com Colômbia e Peru, para realizar a cobertura do Seminário Internacional de Ecologia Política decorrido no início de junho. Chegamos dias antes para termos a oportunidade de observar minimamente a realidade do local de origem dos Tikuna antes da cobertura do evento.

A cidade de Tabatinga é um município no interior do estado do Amazonas que tem, aproximadamente, 65 mil habitantes – de acordo com os dados IBGE – e concentra o maior número populacional de indígenas da Amazônia brasileira. Depois de enfrentar conflitos com madeireiros, pescadores e seringueiros na região do Rio Solimões, os Tikuna passaram a ter o reconhecimento legal da maioria de suas terras. Hoje, alguns buscam compreender a vida urbana para garantir seus direitos civis, dispor de mais oportunidades e resistir. 

A comunidade de Umariaçu é dividida em duas partes – Umariaçu I e II. A divisão se deu por motivos religiosos, separando os católicos (Umariaçu I) e os cruzados (Umariaçu II). A construção da pista do Aeroporto Internacional de Tabatinga gerou outros obstáculos para parte da população, que teve suas residencias separadas das roças e igarapés. Além disso, a presença de um quartel de um quartel das Forças Armadas próximo à entrada da comunidade indígena configura um fator de conflito de interesses entre as partes.

1 – Quando se está presente pela primeira vez em uma comunidade indígena, o estereótipo do primitivismo é evocado nesse primeiro contato. A educação e a mídia constroem, no nosso imaginário, um jeito específico de pensar o “ser indígena” e produz o equívoco do senso comum que reflete a cultura dos índios como se pretende ser a nossa: homogênea.

 

2 – Assim que as primeiras casas começaram a surgir, foi possível perceber a importância de observar as características únicas do local, uma realidade construída pelos habitantes. A comunidade Umariaçu II é composta por casas de madeira e, em sua maioria, de alvenaria – arquitetura contrária à ideia de casas indígenas difundida em escala nacional e internacional.

 

3 – Distante da cidade e da realidade vivida no Rio de Janeiro, algumas residências ostentam escudos de times cariocas desenhados nas paredes de entrada. Pelas pinturas e roupas usadas por alguns integrantes, arriscamos dizer que muitos Tikuna partilham dessa paixão nacional, acompanham de forma assídua os campeonatos de futebol disputados no país e aguardam o hexacampeonato da seleção brasileira.

 

4 – Fomos até a comunidade em uma manhã de quinta-feira – essa informação pode parecer irrelevante de início, mas não é quando se está em Umariaçu II. A maioria do território brasileiro, naquele mesmo horário, estava vivendo o oposto do que estávamos vendo. Nas varandas das casas, era possível encontrar famílias reunidas vivendo em comunhão. Muitos estavam debruçados nas janelas para acompanhar o movimento da comunidade. Sem pressa, conversavam entre si e cumprimentavam quem passava pela rua, prática em risco de extinção na sociedade guiada por ritmos cada vez mais frenéticos de trabalho.

 

5 – As casas também são lugares para ofertar o que é produzido e colhido. A Umariaçu II, através de articulação do movimento indígena, passou a ter sua própria feira, – entre a rua e a beira do rio. – espaço onde comercializam sua produção artesanal.

 

6 – A vida dos Tikuna é organizada a partir do ciclo da água. Em épocas de cheias, por exemplo, quando o solo se encontra mais fértil, os indígenas trabalham e colhem maior quantidade e variedade de alimentos, o que proporciona para a população uma época de fartura.

 

7 – A sistematização baseada no ciclo da água proporciona uma relação diferenciada com a natureza. Os Tikuna compreendem as especificidades do espaço em que estão inseridos, aprendem com ele e usufruem do meio ambiente sem deteriorá-lo. O ensinamento é passado para as novas gerações no dia-a-dia.

 

8 – Diante de tanta peculiaridade, o que salta aos olhos é o modo de vida das crianças da comunidade. É preciso reforçar que tudo está sendo relatado é a partir do que foi visto e sentido em oposição à cultura ocidental durante uma manhã. Sem intenção de romantizar o que se conhece pouco, é possível perceber que as crianças de Umariaçu II possuem expressivas liberdade e autonomia.  As relações que se dão na comunidade e o ambiente construído pelos indígenas proporciona uma infância sem proteção excessiva por parte dos pais, com uso ínfimo de tecnologia e forte contato com a natureza.

 

9 – Outro contraste com a vida dos grandes centros urbanos é o grande fluxo de crianças nas ruas da comunidade. Com expressão de serenidade e  satisfação, a maioria dos pequenos indígenas caminha ou brinca em grupo, mostrando forte senso comunitário.

 

10 – Avistamos algumas –poucas crianças sem companhia. A maioria delas, assim como todas as outras, parecia curiosa para saber quem éramos e o que fomos fazer lá.

 

11 – Aldielson Mendes – Xaurecü, membro do movimento indígena da comunidade Umariaçu, foi entrevistado pela equipe AL para falar sobre como seu povo pensa a educação como instrumento de resistência e ressaltou a importância da presença dos pais trabalhando próximo de seus filhos. Na visão dos Tikuna, as crianças valorizam mais os responsáveis quando presenciam os esforços feitos por eles.

 

12 – Continuamos o caminho até chegar à Escola Municipal Indígena ÒI Tchurüne. Percebemos que era um dia atípico no colégio assim que vimos algumas pessoas na porta de entrada focando seus olhares para uma mesma direção.

 

13 – Alunas (os) e professores estavam se preparando para o lançamento do primeiro livro bilíngue produzido pela escola. Quase tudo organizado para o dia, a banda composta por jovens se preparava para a apresentação.

 

14 – O ensinamento das duas línguas na escola Escola Municipal Indígena ÒI Tchurüne, além da preparação para a vida em sociedade, é uma forma de resgate e resistência dos Tikuna, que se esforçam para manter sua língua e cultura em um mundo que busca colonizar todos os aspectos de sua vida.

 

15 – Assim como os mais velhos e a escola ensinam, as crianças conversam entre si utilizando a língua indígena local quando estão diante de desconhecidos. Muitas delas se aproximaram do nosso grupo para compartilhar sorrisos, mas não nos proporcionaram uma conversa.

 

16 – Voltamos para a cidade assim que saímos da escola e visualizamos todo aquele cenário comunitário novamente. Próxima a um sistema administrativo próprio, Umariaçu II reforça as ideias de outras possibilidades de vida, além daquelas oriundas do pensamento hegemônico colonizador, e de que povos enfrentam embates únicos e tempos diferentes, embora o território nacional seja o mesmo.

 

Todas as imagens foram feitas pela equipe de editores da Amazônia Latitude durante sua visita à Tabatinga-AM no início de junho,  onde ocorreu o Seminário Internacional de Ecologia Política: Justiça Socioambiental e Alimentar na Tríplice Fronteira Amazônica.
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