“Temos que tomar responsabilidade pela vida na Terra”

Em conferência, Enrique Leff fala sobre a crise ambiental e a racionalidade de mercado

O Seminário Internacional de Ecologia Política, decorrido na tríplice fronteira (Brasil, Colômbia, Peru), foi palco para a conferência de Enrique Leff, renomado sociólogo ambientalista mexicano. Doutor em Filosofia e Economia do Desenvolvimento pela Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), é professor titular no Instituto de Investigações Sociais e também na Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da UNAM. Leff possuí diversas experiencias no campo da ecologia política e é autor de mais de 20 livros, sendo “O fogo da vida” sua publicação mais recente.

Durante a conferência, falou sobre as causas, problemas e perspectivas da atual crise ambiental. Para Leff, o cerne do problema se encontra na racionalidade de mercado, responsável por impulsionar a globalização e homogeneizar a diversidade cultural e a agricultura artesanal, reduzindo tudo o que existe no planeta à quantificação econômica.

“Devemos compreender até que ponto, radicalmente, essa racionalidade que governa nosso mundo é insustentável, é impossível. Impossível do ponto de vista de manter a dignidade da vida, a sustentabilidade, a qualidade da vida, a diversidade da vida. E até que ponto, e de que conceitos, hoje, podemos pensar – e devemos pensar – a reconstrução do mundo”.

Racionalidade de mercado

Pautado no pensamento crítico, o sociólogo defende que o capital está empurrando a civilização em direção ao colapso. Sua forma de reduzir tudo à commodities acabou por converter a natureza em recursos naturais, uma categoria de bens de consumo e de produção, sujeitando a mesma à exploração exaustiva, tirando dela mais do que é capaz de produzir.

Leff defende que o modelo de sociedade que praticamos é insustentável em sua essência, um processo de erro histórico contínuo, acelerado pelas tantas revoluções industriais. Esse modelo, além de destruir o meio ambiente no qual habitamos, falha em cumprir com a promessa de levar o ser humano à igualdade social através da produção e do consumo – motor da propaganda capitalista. Isso faz com que o capital seja a fonte de todos os conflitos socioambientais da atualidade.

“A racionalidade que se constituiu como o motor da história, aquilo que conduz o que podemos chamar hoje de mobilização total dos entes desse planeta, esse regime da biosfera que hoje podemos nomear, como nomeiam os povos da terra, o capital. A causa, a condição do planeta que está gerando a insustentabilidade, a mudança climática, todos conflitos socioambientais, que são sumariamente conflitos de territorialidade, porque o capital não reconhece fronteiras. O capital se expande, se espalhando por todo o planeta, sem reconhecer os limites do crescimento ou os limites territoriais”.

Outros mundos possíveis

A racionalidade de mercado buscou, ao longo da história, se reinventar para adaptar a produção e acumulo de riqueza às condições oferecidas pelo planeta. Sua mais nova faceta são as teorias que giram em torno de controlar as mudanças climáticas e ambientais através da tecnologia. Essas teorias pretendem resfriar a atmosfera e combater o efeito estufa dentro de uma lógica entrópica. No entanto, essa solução não resolve os conflitos socioambientais gerados pelo capitalismo – a adaptação às mudanças climáticas significa, na visão do sociólogo, aceita-las como irreversíveis e insolúveis, o que impede a solução real do problema.

Ao olhar para o passado, Leff vê nos modos de vida tradicional uma inspiração para um futuro modelo de sociedade – diz “inspiração” pois não acredita que no regresso à modelos arcaicos de sociedade, que encontraram o colapso em algum ponto da história. Para ele, a resposta se encontra na própria capacidade produtiva de biomassa da natureza, que cresce numa proporção de 10% ao ano, enquanto o PIB de uma economia potente cresce em média 3%. Dessa forma, a sociedade sustentável que visamos se encontra na essência da vida, representada no pensamento do antigo filósofo Heráclito de Éfeso, que definiu a energia transformadora do universo como physis.

Usando os recursos ofertados pela natureza, sem nunca extrapolar a demanda, seria possível, na teoria de Leff, o desenvolvimento de uma sociedade autossustentável – levando em conta o conceito de escorregião, que defende abordagens específicas para a produção nos distintos biomas do planeta. Para que outro mundo seja possível, devemos nos perguntar se a natureza mesma nos oferece a oportunidade de pensar o mundo segundo outras economias, outras racionalidades, dentro de um aproveitamento das condições da vida, que até agora foram inviabilizadas.

Você pode conferir a conferência de Enrique Leff na íntegra no vídeo disponibilizado no início do texto.

 

Amazônia: a última linha de defesa
Durante a conferência, o professor Enrique Leff falou que a Amazônia pode ser encarada como a última fronteira a ser conquistada pelo capital. Ambientes de proporções semelhantes foram conquistados e destruídos ao longo dos séculos, mas as diversidades culturais e biológicas da Amazônia, assim como sua dimensão colossal, configuram uma densa resistência ao avanço da mercantilização da floresta, apesar dos esforços do capital em conquista-la.

Um exemplo disso são os movimentos de resistência e articulação política de povos tradicionais, que lutam pelo seu direito de “ser”, de praticar a própria cultura e manter seu estilo de vida ancestral e sustentável. A organização desses povos, constantemente acuados pela globalização, são sintomas da rejeição a um modelo de sociedade fadado à ruína.

“Então, falar da Amazônia como última fronteira é verdade, a um certo ponto. Ao ponto que a extensão mesma da Amazônia faz como se fosse a última resistência da biosfera, a última resistência aos agouros do capital. O capital como significante que representa e estrutura dessa racionalidade que governa o mundo para gerar a morte entrópica do planeta”, conclui Enrique Leff.

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