Conselho Nacional da Amazônia: ainda um conselho?

Brasilia DF 11 02 2020 O presidente Jair Bolsonaro o vice Hamiltom Mourão durante cerimônia de Assinatura do Decreto de Criação do Conselho da Amazônia/Foto:Isaac Amorim/MJSP
Governo federal atenta contra o equilíbrio entre os poderes e despreza as vozes sociais nas decisões que envolvem seus territórios e populações tradicionais.

Com o intuito de melhorar sua imagem no cenário internacional e impedir a fuga de investidores, após sofrer fortes críticas em relação às suas políticas ambientais, o governo federal recriou, no começo de fevereiro, o Conselho Nacional da Amazônia Legal (Decreto 10.239/20). Sob o argumento de que iria integrar as ações em defesa da região, o presidente Jair Bolsonaro substituiu o decreto que instituía o conselho desde 1995 (Decreto 1.541/95).

Em 2019, o desmatamento na Floresta Amazônica teve um aumento de 29,5% em relação ao ano anterior. Neste mesmo ano, a região também vivenciou a explosão do número de queimadas e de iniciativas de exploração em áreas de preservação e terras indígenas, compondo um dos principais focos do desgaste do primeiro ano de Bolsonaro a frente do executivo. É difícil de imaginar, no entanto, que, após estimular a crise, o governo queira inverter a sua política ambiental.

Para amenizar as reprimendas que vem recebendo por parte da comunidade internacional, ambientalistas e investidores, Bolsonaro tenta convencer que preza por equilíbrio entre preservação e desenvolvimento. Todavia, a transferência do Conselho do âmbito do Ministério do Meio Ambiente para a Vice-Presidência revela a primeira contradição.

O que é o Conselho?

A retirada do âmbito da Presidência da República simboliza a redução de sua importância. Não se trata de mera alteração burocrática, mas de mudanças significativas num órgão que possui funções como:

  1. Coordenar e integrar ações governamentais relativas à Amazônia Legal;
  2. Propor políticas e iniciativas relacionadas à preservação da natureza, à proteção dos povos da floresta e ao desenvolvimento sustentável na região, assegurando transversalidade entre União, Estados, Municípios, sociedade civil e setor privado;
  3. Articular a implementação de políticas públicas de caráter emergencial;
  4. Opinar sobre atos do Governo Federal relacionados à Amazônia Legal;
  5. Acompanhar a implementação de políticas públicas que visem a inclusão social e a cidadania;
  6. Assegurar o aperfeiçoamento e a integração dos sistemas de proteção ambiental;
  7. Apoiar a pesquisa científica, o desenvolvimento tecnológico e a inovação;
  8. Desenvolver a infraestrutura regional;
  9. Articular medidas em prol do ordenamento territorial;
  10. Coordenar ações de prevenção, fiscalização e repressão a crimes;
  11. Acompanhar ações que visem o cumprimento das metas globais de mitigação das mudanças climáticas, dentre outras.

Paralelo a isso, o novo Conselho se caracteriza pela perda de voz dos estados. A exclusão dos governadores da Amazônia como seus membros é incompatível com a proposta de integrar as ações governamentais, garantindo o respeito à opinião dos estados sobre os atos do governo federal, a transversalidade de informações entre estados e municípios e a articulação de medidas que visem o ordenamento territorial. Com a mudança, o general Hamilton Mourão, chefe do Conselho, passa a decidir tudo sozinho. Isso torna sua gestão mais centralizada e hierárquica, contrapondo a federalização que caracteriza a nossa república. Além disso, minimiza a importância da autonomia dos povos da floresta nos assuntos que lhes dizem respeito.

Sob o comando do Conselho também estará a Força Nacional Ambiental, órgão com funcionamento semelhante à Força Nacional de Segurança Pública, criada por Bolsonaro com o objetivo de proteger a Floresta Amazônica. No ano passado, as Forças Armadas realizaram uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com dois meses de duração, para combater as queimadas agravadas pelo “Dia do Fogo”. No entanto, os movimentos sociais da região questionam que a integração dos territórios seja feita via militarização, e não via reconhecimento institucional das diferentes formas de se viver e estar no território, desconsiderando a geopolítica local.

Primeiro impacto

Virgílio Viana, diretor da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), acredita ser positiva a iniciativa de reestruturação do Conselho. Para ele, significa que o governo dará mais atenção e irá articular melhor as ações dos diferentes órgãos federais. No entanto, ressalta que, apesar de levar este nome, funcionará mais como um grupo de trabalho interministerial, uma vez que um conselho implica ampla participação de outros entes federados, como estados e municípios, sociedade civil e academia. Para ele, existe a necessidade de uma outra instância articular os demais atores, pois a Amazônia não é uma agenda exclusiva do governo federal, envolvendo também estados, municípios, organizações não-governamentais, e setor empresarial.

Por outro lado, Marilene Corrêa, professora titular do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas, vê com preocupação as mudanças e aborda o assunto em três aspectos. O primeiro diz respeito à perda da legitimidade dos governadores em um conselho nacional, pois isso enfraquece a federação e o poder de voz dos estados. O segundo chama atenção para o fato de que, tirando não só os governadores, mas qualquer pessoa que represente a Amazônia, fica mais difícil o prevalecimento de pontos de vista oriundos da região, prejudicando a voz, o desejo e especialmente as propostas regionais. Já o terceiro, aponta para o desequilíbrio da institucionalidade entre os poderes.

Enfraquece o executivo estadual, ao mesmo tempo que sobrepõe uma visão técnica, frequentemente burocrática, sobre uma visão que é política. Tem que respeitar as aspirações da sociedade, quer a gente goste quer não. O político, o governador, ou quem quer que seja, não é porta-voz apenas dele ou do seu partido, mas de todos. Ele representa o estado e a sociedade ao mesmo tempo”, sentencia.

E os povos da floresta?

Brasília – Indígenas de todo o Brasil chegam à Brasília para o Acampamento Terra Livre. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Segundo Virgílio, ainda é cedo para definir quais as consequências para as populações que vivem e dependem da Floresta Amazônica. No entanto, apesar do Conselho ainda não ter começado a ser operado, vê com bastante preocupação a posição de antagonismo com a qual se dá a narrativa do governo em relação aos povos indígenas, às populações quilombolas, aos ativistas, etc. Defende que o tema deveria ser melhor trabalhado.

Essas populações têm um papel muito importante na proteção da Floresta e no provimento dos serviços ambientais, essenciais para que todo regime hidrológico de chuvas do Brasil funcione. Olhar para elas como se fossem um obstáculo para o desenvolvimento não é algo, a meu ver, coerente com uma estratégia de desenvolvimento sustentável para a Amazônia”, defende.

Já Marilene vislumbra a possibilidade da perda de direitos, seja de terra, seja de políticas públicas, através da introdução de propostas que não são bem-vindas, não foram examinadas, nem debatidas por esses povos. A professora ainda rechaça que se esteja avaliando a implementação de mineração em terras indígenas, muito embora exista, nas comunidades, quem aprove. Ela também repudia a diminuição das terras ou projetos de desenvolvimento que não sejam aqueles desejados pelas próprias culturas indígenas, afirmando que “Trata-se de uma intervenção sobre os territórios e os povos sem a audiência dos mesmos, sem que sejam convocados para debate”.

Ainda salienta que a presença militar agrava a desvantagem dessas populações. A rígida hierarquia e disciplina militar dificilmente permite que os agentes em campo expressem suas opiniões pessoais sobre os temas nos quais estão envolvidos. Sem avaliar ou propor, simplesmente acatam as decisões institucionais. Segundo a professora, eles podem, individualmente, até possuir um pensamento crítico desenvolvido, porque têm uma excelente formação – principalmente os de alta patente – mas, apesar de serem mestres e doutores, não têm autonomia intelectual.

O problema dos militares é a ausência de autonomia intelectual. Da mesma forma que a gente é treinada para ensinar, eles são para obedecer. Faz parte do seu métier”, complementa.

A imagem do Brasil

A reportagem também perguntou aos entrevistados se a recriação do Conselho Nacional da Amazônia tem a capacidade de melhorar a imagem externa do país. Para Virgílio, é cedo para avaliar, depende de sua atuação objetiva. Neste momento, não passa de uma instituição no papel, que ainda precisa ser posta em prática. Reafirma, no entanto, que a mesma nasce com uma limitação de representatividade, pois só representa o governo federal, excluindo os demais atores sociais.

Marilene, por sua vez, acha muito difícil que isso aconteça. Recém chegada da França, de onde estava à trabalho, afirma que a imagem do Brasil, do ponto de vista oficial, é péssima. Para ela, isso se deve à interrupção de várias políticas e processos considerados progressistas, conhecidas tendências de fortalecimento social. Completa dizendo que, ao enfraquecer esse tipo de política, a imagem externa é prejudicada. Segundo a professora, não há nenhum canal, ainda que diplomático, de porta-voz do nosso país, que possa se posicionar como uma voz de credibilidade externamente.

“Mesmo nos nossos supostos apoiadores, como o presidente dos Estados Unidos, não há credibilidade na voz oficial brasileira. Mesmo quando vinda dos ministros, que antes eram intelectuais do Brasil… não se pode dizer a mesma coisa desse quadro ministerial que está aí. Não tem credibilidade política, nem técnico-científica para se fazer respeitar. Esse é um grande problema”, finaliza.

 

Imagem em destaque – O presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamiltom Mourão, durante cerimônia de Assinatura do Decreto de Criação do Conselho da Amazônia, no dia 11 de fevereiro, em Brasília-DF. Foto: Isaac Amorim/MJSP
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