Brasil Insustentável

Homem planta macaxeira em área desmatada e queimada na zona rural de Humaitá (AM) na manhã desta quinta(29), Humaitá é uma das cidades do Amazonas que está em estado de emergência devido aos desmatamentos e queimada. 29.ago.2019
Conheça os cinco pontos críticos da política ambiental adotada pelo governo Bolsonaro

No início de 2019, ambientalistas, indigenistas e defensores dos direitos humanos e sociais se preocupavam com os rumos políticos que o país poderia tomar com a virada ideológica protagonizada pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro. As atribuições do Executivo permitiram que a gestão Bolsonaro desferisse duros golpes na economia, educação, cultura e, principalmente, meio ambiente, a começar pelas indicações de Ricardo Salles e Tereza Cristina para os ministérios do Meio Ambiente e Agricultura, respectivamente. Ambos os ministros encabeçaram algumas das maiores polêmicas ambientais do ano, sendo criticados por ex-ministros, sociedade civil e movimentos sociais em diversas ocasiões – muitas das quais se aventou a possibilidade de impeachment dos mesmos.

Ao longo do último ano, acompanhamos a ação dessas duas figuras-chave – sem deixar de notar os casos envolvendo o ministro da Justiça, Sérgio Moro – avaliando o impacto de sua administração na preservação da natureza, na garantia dos direitos dos povos indígenas e no controle de desastres ambientais. O que se verificou foi uma incansável negação da ciência e das mudanças climáticas.

A equipe de editores da Amazônia Latitude elencou cinco pontos críticos na gestão ambiental do novo governo em seu primeiro ano de mandato. Esses pontos foram construídos a partir dos observatórios publicados até aqui, de modo que você possa aprofundar a leitura a partir dos links disponibilizados no corpo do texto.

1 – Liberação recorde de agrotóxicos

Em 2019, o Brasil aprovou o registro de 474 agrotóxicos e produtos derivados, maior número documentado desde 2005. Foto: Divulgação.

Indicada pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), também conhecida como “bancada ruralista”, Tereza Cristina foi a escolha de Jair Bolsonaro para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Durante a cerimônia de posse, no segundo dia de janeiro, a “Musa do Veneno” declarou que sua gestão defenderia uma “política focada nos interesses comerciais do Brasil” e que o país jamais poderia ser classificado como “transgressor”, ou ser recriminado em relação à preservação ambiental por conta disso.

Nos dois primeiros meses sob o comando de Tereza Cristina, o MAPA liberou 121 produtos elaborados com agrotóxicos – dentre eles, alguns apresentam o componente fipronil, pesticida aplicado em culturas como a soja, considerado o responsável pela morte de 400 milhões de abelhas no Rio Grande do Sul no início do ano. Além disso, três dos agrotóxicos liberados são compostos de glifosato, substância ligada ao desenvolvimento de câncer e a processos bilionários nos Estados Unidos.

Todos os ingredientes dos novos produtos já eram comercializados no Brasil. A novidade é que seu uso passou a ser autorizado em novas culturas, fabricado por novas empresas e passível de ser combinado com outros químicos. Com isso, o Brasil chega a 2020 com 2.152 produtos elaborados a partir de agrotóxicos em circulação.

Ao todo, o país aprovou o registro de 474 agrotóxicos em 2019, o maior número já documentado pelo Ministério da Agricultura desde 2005. O volume de produtos liberados no ano passado é 5,5% maior do que em 2018, quando foram liberados 449 pesticidas – um recorde até então.

2 – Abertura da Amazônia para exploração econômica norte-americana

Ao fim de março, Brasil e EUA firmaram uma carta de intenção no valor de US$100 milhões para o desenvolvimento sustentável na Amazônia. Arte: Sandro Schutt.

Um dos principais pontos da política internacional do governo Bolsonaro em 2019 foi a tentativa de estreitar laços com Washington a todo custo. Como demonstração de amizade ao governo americano, a comissão brasileira, que visitou os EUA em março, firmou uma carta de intenção para a exploração econômica da Amazônia no valor de US$100 milhões. A parceria, ainda não concretizada, é voltada para o incentivo ao “desenvolvimento sustentável” na região e será administrada pela USAID, agência americana voltada para auxiliar parceiros políticos e comerciais dos EUA, que ainda se encontram em estágio de subdesenvolvimento. Um dos pontos enfatizados pela carta são as consequências da falta de acesso ao crédito e financiamento para o desenvolvimento do empreendedorismo, quais sejam o bloqueio ao surgimento de cadeias de produção, inovação e start-ups na região. Segundo a teoria defendida por Salles, este seria o principal fator de risco para os biomas amazônicos.

Entre os meses de agosto e setembro, durante a crise das queimadas na região, o auxílio norte-americano à Amazônia voltou à pauta. As proporções das queimadas foram de tal gravidade, que levaram parlamentares a se reunirem em Washington DC para discutir a melhor maneira de ajudar o governo brasileiro a preservar sua porção da floresta amazônica. Durante a audiência pública, os congressistas americanos propuseram soluções como maior regulação e investimento em tecnologias de monitoramento para o território amazônico, criação de zonas seguras para práticas agropecuárias, facilitação da exploração de terras na Amazônia por seus habitantes (ainda mais quando pobres), e sistemas de recompensa para Estados e fazendeiros amazônidas que se mostrem complacentes com as leis ambientais com acesso a mercados estratégicos, contanto que apresentem resultados positivos em termos de conservação.

Apesar das aparentes boas intenções, a agência selecionada para administrar a ajuda norte-americana levanta suspeitas por conta de seu histórico. Um caso notório com o envolvimento da USAID ocorreu no Peru, durante o governo de Alberto Fujimori, em 1996, quando a agência colaborou com as políticas de controle demográfico estabelecidas pelo Estado. Disfarçada de ação humanitária, ajudou a esterilizar cerca de 300 mil mulheres, oferecendo US$40 milhões para capacitação de médicos e militares em processos de vasectomia e laqueadura, assim como a compra dos materiais necessários para a tarefa. Relatos de mulheres peruanas esterilizadas na época dizem que, em muitos casos, elas foram forçadas a participar do programa de controle populacional. Visto o histórico da USAID, cabem questões quanto ao monitoramento e as implicações dessa possível ajuda norte-americana.

3 – Paralisação do Fundo Amazônia

A batalha ideológica do governo levou à desentendimentos com os principais doadores do Fundo Amazônia, comprometendo o projeto indefinidamente. Arte: Sandro Schutt.

Em mais um episódio de polêmica sob o discurso de modernização e combate a ideologias, o Fundo Amazônia entrou para o rol de espécies ameaçadas de extinção no Brasil. O possível fim do programa, criado em 2008 e que soma uma quantia de R$3,4 bilhões recebidos, foi anunciado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em uma reunião com os principais doadores, Noruega e Alemanha, no dia 3 de julho.

O problema começou por conta de duas ações do governo: o anúncio de que pretendia usar o dinheiro arrecadado com o Fundo para indenizar os prejuízos de donos de propriedades privadas dentro ou próximas a unidades de conservação; e a extinção, pelo governo federal, de comitês responsáveis pela gestão do fundo, como o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (COFA) e o comitê técnico.

Contrariadas sobre a interferência no processo de gestão e aplicação dos recursos captados pelo Fundo Amazônia, Alemanha e Noruega decidiram abandonar o programa. O site Poder 360 relatou que a Noruega, que doou 90% do valor total do fundo, disse que permaneceria no programa se o foco fosse o combate ao desmatamento. Já que Salles indicou interesse de utilizar os recursos para outros fins, como indenizações a proprietários de áreas privadas, decidiu se retirar da parceria.

No dia 3 de julho, Ricardo Salles declarou que o Fundo poderia realmente acabar.

Em teoria, sim [o fundo pode acabar]. Mas o que nós estamos falando aqui é de continuidade, diálogo, com mas afinco, mais dedicação e maior sinergia entre os diversos envolvidos.
Ricardo Salles, em entrevista após reunião com representantes da Noruega e Alemanha.

O fim do Fundo Amazônia põe em xeque políticas comprovadamente benéficas para a manutenção e preservação da floresta, como os investimentos em projetos do Ibama para monitoramento e combate aos focos de desmatamento na Amazônia e o Cadastro Ambiental Rural, que registrou 746 mil propriedades rurais no país e depende do Fundo Amazônia para isso.

4 – Queimadas na Amazônia

Segundo dados divulgados pelo INPE em julho de 2019, a região amazônica apresentou um aumento de 88% nos focos de queimadas em comparação ao mesmo período de 2018. Arte: Sandro Schutt.

No dia 19 de agosto, a região metropolitana de São Paulo presenciou uma cena inusitada. Por volta das 15h, o céu escureceu completamente, causando a sensação de noite durante o dia. A convergência da fumaça gerada pelas queimadas no Centro-Oeste e na Amazônia foi a primeira hipótese a ganhar força para explicar o fenômeno.

Passados alguns dias, o tema tornaria a dominar os noticiários, promovendo o Brasil a vilão ambiental definitivo de 2019, o que levou algumas lideranças internacionais a acusar o país de inaptidão na gestão da Amazônia, afirmando que o Brasil trilha um caminho suicida. As imagens das queimadas na Amazônia correram o mundo e incendiaram as redações de jornais e redes sociais, levantando a tardia #PrayForAmazonia.

Em meio à polêmica, o governo buscou culpar o trabalho de gestões anteriores pela situação. A demissão de Ricardo Galvão, então diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi a resposta do governo aos alarmantes dados divulgados em julho e agosto de 2019. Segundo o Inpe, o período compreendido entre janeiro e agosto de 2019 apresentou um aumento de 88% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Apenas no dia 24 de agosto, 44 dias após a divulgação dos dados do Inpe, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, autorizou o envio da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) para os estados do Pará e Rondônia, locais que concentravam o maior número de focos de incêndio. Atualmente, o governo estuda a criação e a operação do Conselho da Amazônia, capitaneado pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, para evitar que o avanço da destruição vista em 2019 se repita e comprometa ainda mais a economia e as relações internacionais brasileiras.

5 – Aumento da violência na Amazônia

Indígenas do Pará e Amapá marcharam pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília até o Ministério da Justiça, denunciando as invasões a seus territórios e os recentes assassinatos de lideranças no Brasil. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Em setembro, dois relatórios sobre a violência na Amazônia foram publicados. O primeiro, da Human Rights Watch (HRW), discorre sobre como a violência e a impunidade catapultam o desmatamento na região. Por sua vez, a compilação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) esmiúça o quadro de violência contra povos indígenas.

No relatório Máfias do Ipê: Violência e Desmatamento na Amazônia, a HRW examinou 28 assassinatos, a maioria a partir de 2015 – além de 4 tentativas de assassinato e mais de 40 ameaças de morte. A análise constatou que, na maioria dos casos, os crimes estavam diretamente ligados a atividades ilegais de madeireiros, garimpeiros e posseiros da região. Dentre as vítimas, estão indígenas e membros de outras comunidades tradicionais que denunciaram os criminosos, assim como agentes públicos atuantes na fiscalização e combate a essas atividades.

O cenário de omissão do Estado se expressa na impunidade dos criminosos implicados nos assassinatos, ameaças e extorsões. Segundo o relatório da HRW, entre os mais de 300 assassinatos analisados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), organização não governamental que registra denúncias não processadas pelos órgãos oficiais competentes, apenas 14 foram julgados; dos 28 assassinatos analisados pela HRW, dois foram aos tribunais. Nenhuma das 40 ameaças examinadas foi a julgamento.

Até o lançamento do relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil: Dados de 2018, o Cimi observou 941 casos de violência contra o patrimônio dos povos indígenas. São ataques relativos a omissão e a morosidade na regularização de terras, conflitos relativos a direitos territoriais, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio. Nesse contexto, o órgão dá especial atenção para o caso da terra indígena Munduruku, na qual estima-se que cerca de 500 garimpos já estejam instalados.

Extra – Governo libera exploração mineral em território indígenas

Em comemoração aos 400 dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro assinou, em 5 de fevereiro, um projeto de lei que prevê a exploração econômica de territórios indígenas. A PL 191/2020 permite a construção de hidrelétricas e exploração de petróleo em território indígena, concedendo uma pequena participação nos lucros para os povos da floresta. Nesse caso, os indígenas não teriam poder de veto. Já nos casos de mineração, as tribos podem decidir pela exploração ou não, assim como podem realizar a exploração dos recursos minerais por si mesmos. Além disso, libera a exploração do potencial econômico das terras para agricultura, pecuária e turismo.

As atividades descritas no projeto de lei enviado ao Congresso estão previstas na Constituição, mas nunca foram regulamentadas. Segundo o documento, recursos naturais em terras indígenas podem ser explorados com permissão do Congresso e após consulta às comunidades envolvidas. De acordo com a proposta, as comunidades receberão 0,7% do valor da energia produzida, no caso da exploração hídrica, e de 0,5% a 1% do valor produzido no caso da exploração de derivados de petróleo. Quanto aos garimpos, o pagamento seria de 50% do valor da compensação financeira pela exploração de recursos minerais.

De acordo com o jornal Nexo, o interesse nas riquezas contidas em reservas indígenas não é novidade na política nacional. O levantamento feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) em 2018 contabilizou a existência de 6.871 pedidos de exploração mineral em terras indígenas. Se aprovados, resultariam em uma área de mineração com cerca de 29,8 milhões de hectares, o equivalente à soma do território de São Paulo e Rio de Janeiro juntos. A maioria dos pedidos foram feitos por três grandes empresas do setor minerário: Santa Elina, Anglo e Vale.

Em novembro de 2019, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, afirmava que devolveria qualquer proposta relacionada à exploração de terras indígenas ao executivo. No entanto, com a chegada do projeto à Câmara, Maia disse que não poderia devolvê-lo porque o documento não apresenta inconstitucionalidades. Na tentativa de amenizar os ânimos de setores que se opõem ao projeto, Maia declarou que não terá pressa em analisar o caso, ainda que a Constituição preveja a possibilidade de regulamentação da atividade em terras indígenas.

Ele (o projeto) não terá, por parte da Câmara, a urgência que alguns gostariam. Nós vamos guardar, nós vamos deixar ele aqui, ali do lado da mesa, para que no momento adequado a gente trate esse debate com todo o cuidado do mundo.
Rodrigo Maia, sobre o projeto de lei que regulamenta a exploração econômica de terras indígenas.

Segundo o site ((O)) Eco, movimentos socioambientais e defensores dos direitos humanos se manifestaram contra a PL 191/2020, classificando-a como um “projeto da morte”. Entidades como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) emitiram notas repudiando a medida e a recente declaração de que “Cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós”, feita por Bolsonaro durante o anúncio do envio da PL ao Congresso. As organizações consideram a medida como um “projeto da morte” e alegaram que a maioria das comunidades e povos indígenas do Brasil não compactuam com os anseios de uma minoria de indivíduos indígenas que “se iludem e dobram às camufladas más intenções deste governo”.

 

 

 

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