Justiça alimentar e situação socioambiental de povos indígenas são temas do terceiro dia de Seminário
Último dia do evento foi marcado pela presença de lideranças indígenas e conferencia do diretor do Museu Nacional
Fechando a programação do Seminário Internacional de Ecologia Política: Justiça Socioambiental e Alimentar na Tríplice Fronteira, o último dia de evento teve início com a Sessão IV: Justiça Alimentar, que contou com a moderação de Máximo Alfonso Bilacres (UEA), e a participação de Alfonso Alem, Consultor da FAO na Bolívia; Tatiana Schor, docente da UFAM e integrante da Secretaria do Estado de Planejamento, Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia do Amazonas; Olga Lúcia Chaparro (UNAL); Arturo Goméz (UNAL); Ivanilce Castro (UFAM); e Quintina Valero e Simone Mattar do coletivo artístico Comida de Guerra (Food of War).
Sessões finais
Um dos destaques da Sessão IV foi à professora Tatiana Schor (UFAM), com a apresentação de seu paper “Soberania alimentar e urbanização na Amazônia” que tratou sobre as mudanças de hábitos alimentares na metrópole e nas regiões do Baixo, Médio e Alto Solimões através dos processos de urbanização. A economista pôde perceber, com a coleta de unhas, que a população amazonense acaba por consumir mais alimentos não originários da floresta do que o contrário, e que a monetização iniciada a partir do ano 2000 gerou a retirada de certos produtos naturais da mesa da população para serem vendidos nos mercados. Outras observações importantes foram feitas pela pesquisa, como a diferença significativa da alimentação dos jovens para as dos idosos. Tatiana Schor ressaltou que a mudança de hábito alimentar deve ser encarada como uma das mais importantes ferramentas no processo de exploração da floresta e concluiu dizendo que é preciso captar quais as categorias analíticas disponíveis ou a serem criadas que podem permitir uma reflexão sobre a Amazônia que permita perceber as mudanças subjetivas que estão acontecendo.
Também digno de nota foi “Agroecossistemas e segurança alimentar no Alto Solimões”, da professora Ivanilce de Castro (UFAM), que falou a respeito de formas de produção adotadas em Nova Aliança que permite viabilizar a manutenção familiar. A pesquisa tem como foco a soberania alimentar das comunidades rurais. No período de um ano, 12 unidades familiares responderam, através de questionário, quais eram os meios que permitiam o alimento chegar até os membros da casa o que permitiu averiguar a relação de reciprocidade existente no meio. Outro ponto citado por Ivanilce foi a autonomia dos agricultores na composição das refeições diárias, evidenciando o café da manhã com a menor quantidade de produção local.
“A importância da produção que não vai para o mercado, mas está disponível para a comunidade. Eu perguntei para as crianças, na escola, se elas comem determinadas frutas. Não tem uma criança que não consome fruta. No geral, as frutas que estão disponíveis são consumidas. A comida é obtida e disponível porque tem um saber envolvido que está presente a relação de reciprocidade.”, explica Ivanilce.
Já a Sessão V: Populações e Territórios Indígenas, última mesa de trabalhos acadêmicos do evento, moderada pelo professor Antonio Ioris (Cardiff University), trouxe o professor Camilo Guío (UNAL); Taciana de Coutinho Carvalho (UFAM); e Rodrigo Reis (UFAM). Grande conhecedora da região do Alto Solimões, principalmente nos arredores de Tabatinga, cidade onde reside, Taciana Carvalho apresentou a pesquisa “História ambiental frente às terras indígenas no Alto Solimões”, com foco nas terras indígenas da comunidade Umariaçu 2. A comunidade em questão lida com questões socioambientais derivadas de sua proximidade da pista de pouso do Aeroporto Internacional de Tabatinga, que corta a terra indígena e está sujeita a realocação por conta da erosão do solo local. Dentre os conflitos, podemos listar os problemas de locomoção por conta da pista de pousos, que impedem que os Tikunas residentes de Umariaçu 2 acessem suas roças e igarapés, e o conflito de interesses entre o estado, manifesto na presença das forças armadas, que coordenam os processos de remoção e redirecionamento de fluxo na área.
O pesquisador Rodrigo Reis abordou o processo de territorialização no Vale do Javari – segunda maior terra indígena brasileira – e dos processos econômicos que configuram a região da fronteira. A área que possui, aproximadamente, oito milhões e meio de hectares, situada no limite internacional entre Brasil e Peru, possui um histórico de violência relacionado à extração de madeira, borracha e petróleo. De acordo com a palestra, a demarcação de terra é resultado de uma profunda articulação entre lideranças políticas que durou 20 anos e, hoje, configura uma conquista a ser protegida pelos indígenas contra a apropriação do capital internacional.
Vozes indígenas
Com a presença de diversos representantes indígenas, o “Conversatório de Vozes Fronteiriças Indígenas” reuniu cinco representantes indígenas que expressaram a problemática história atual de suas comunidades. Sem perspectivas positivas em relação ao governo federal, os ameríndios esclareceram que o momento atual designa a continuidade da resistência que acontece há anos e que não está longe do fim.
Aldir Chota Santos (coordenação Indígena dos Kaixana do Solimões), Thoda Varney Kanamari (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), Josimar Lopes de Oliveira (Conselho dos Povos Indígenas de Jutaí), Nelly Kuiru Moniya (Comisíon Nacional de Comunicación Indígenas de La Macro-Amazonia), e José Benhur Teteye Botyay (Gorbenanza Ambiental com Pueblos Indígenas, Programa Visíon Amazonia) compuseram a mesa final do evento.
Alguns dos conflitos expostos durante o “conversatório” foram as ameaças de morte contra líderes Kaixana vindas de fazendeiros, garimpeiros e narcotraficantes interessados na exploração ilegal da floresta, o que compromete diretamente a organização política desse povo frente às adversidades que enfrentam; o representante dos Kanamari falou sobre a precariedade da educação voltada para povos indígenas, que necessita de melhor estruturação para atender à demandas específicas dessas populações; Josimar de Oliveira falou sobre a independência e resultados da COPIJU, conselho independente da FUNAI desde 2010, que vê na atuação local uma alternativa mais eficiente e presente do que as articulações a nível estadual e federal; e por fim, Nelly Kuiru falou sobre a relação indígena com a terra, que extrapola a simples noção de delimitação geográfica, pois representa uma fonte direta de vida e cultura para seus povos.
Conferência
A conferência de encerramento ficou por conta de Joao Pacheco de Oliveira. O atual diretor do Museu Nacional-UFRJ é conhecido em Tabatinga por seu papel central no processo de demarcação das terras indígenas referentes ao povo Tikuna. Em sua apresentação, cujo título é Memórias Diferentes, Horizontes compartilhados: A Fronteira como Experiência de Futuro, Oliveira concentrou seu olhar na maneira de fazer pesquisa e na necessidade de repensar antropologia para a produção de trabalhos mais concretos que fogem de influências colonizadoras. De início, alertou que o trabalho científico precisa ser liberto da literatura estrangeira que analisa a realidade da Amazônia brasileira de fora e fez uma recomendação aos pesquisadores para que eles encarem o conhecimento como processo de revisar e se afastar dos erros.
As comunidades indígenas possuem diferentes maneiras de atuação nos territórios que precisam ser encaradas pelos antropólogos. Para Oliveira, a unificação e o purismo reforçam o interesse colonizador que extrai a autonomia dos indígenas, ou seja, tiram do senso comum a possibilidade de enxergar esses povos como humanos. Sobre esse ponto, explicou a ideia de “territorialidade”, “alteridade” e “outridade”, conceitos que, se não usados com cuidado, podem reforçar interesses de poder. Dentro do discurso do colonizador, a construção do outro é essencial para que seja possível justificar práticas ilegais. A criação das diferenças existe para a produção do “falso-outro” que legitima determinadas práticas.
João Pacheco fala sobre a diferença gritante entre a ideia de “terra” e “território”. A primeira é uma construção privada definida através de um contrato, podendo ser entendida como mercadoria. Já a segunda é uma cria coletiva que não possui definição, pois depende do que o espaço permite para a elaboração da vida. O território implica controle político e, assim, social – indispensável para a construção do “nosso lugar no mundo”.
Pacheco procura, em o seu trabalho, repensar o que se entende de “fronteira” nos dias de hoje e finaliza dizendo que é um espaço onde há realizações, desejos e busca por respeito. Centrando o olhar em Tabatinga, cidade em que 97% das terras rurais pertencem aos Tikunas, ele considera a educação, a relação com o meio-ambiente e a preocupação com a saúde formas atuais desses povos no processo de inclusão política e social.
Seminário Internacional de Ecologia Política
As conclusões e recomendações do encontro aconteceram às 19h, para dar oportunidade aos organizadores de fazer o balanço dos três dias de evento divididos entre Tabatinga e Letícia.
O Seminário Internacional de Ecologia Política: Justiça Socioambiental e Alimentar na Tríplice Fronteira Amazônica, foi o terceiro evento realizado pela rede Agrocultures, da qual o professor Antonio Ioris, um dos principais organizadores do evento, é fundador. A rede ainda pretende realizar mais dois eventos – em Rondônia, durante o mês de agosto, e na cidade de Oxford, em janeiro de 2020.
Para saber mais sobre este e futuros eventos, acompanhe o site Agrocultures.