Entenda o novo relatório do IPCC sobre a crise climática

Colagem sobre a crise climática. Um fundo vermelho, sobreposto com um relógio, com cientistas na frente e um gráfico escrito 'climate change'
Perguntamos a Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas prevê para a Amazônia

Amazônia Latitude: O que é o IPCC?
Carlos Nobre: O IPCC é o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1998. Seu objetivo é reunir centenas de cientistas para produzir avaliações da ciência dos mais diversos temas relacionados às mudanças climáticas. As avaliações se concentram no que são mudanças climáticas e como elas envolvem o planeta, alertando para seus riscos e o que deve ser feito para mitigá-las.

AL: Como a avaliação da ciência sobre as mudanças climáticas é feita?
CN: Por meio de relatórios elaborados por mais de duzentos cientistas a cada seis ou sete anos. Na semana passada, houve o lançamento do sexto relatório de avaliação. Além desse tipo de relatório, o IPCC produz documentos específicos, como mudanças climáticas e os usos da terra, mudanças climáticas e o oceano e geleiras.

AL: O novo relatório do IPCC trata sobre o que?
CN: O relatório trata da base física do que está ocorrendo com o clima e quem é o responsável por essas mudanças. A resposta: são as atividades humanas, como emissões de gás de efeito de estufa. Nesta sexta avaliação foram revisados 14 mil artigos científicos publicados desde 2013 até hoje. Em 2022, serão lançados mais relatórios avaliando como mitigar os riscos das mudanças climáticas.

AL: Quais são as principais observações deste novo relatório?
CN: O relatório deixou muito claro a urgência da redução das emissões de gases de efeito estufa, que são responsáveis (em grande parte) pelo aquecimento de 1,1ºC no planeta desde o final do século 19. Não fossem poluentes como sulfatos, o aquecimento seria de 1,5 ou 1,6ºC. É inequívoco o risco que o planeta enfrenta se não conseguirmos zerar as emissões até a primeira metade do século 21 e se não pararmos com as emissões na segunda metade.

Carlos Nobre de terno falando. Ele é calvo, de cabelo branco, e usa bigode.

Carlos Nobre durante apresentação do projeto “Opções de Mitigação das Emissões de Gases de Efeito Estufa em Setores-Chave do Brasil”, quando era secretário de Políticas e Programas do MCTI (foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

AL: Quais observações o relatório faz sobre a Amazônia?
CN: Ele diz que há risco para a permanência da Amazônia. Diferente dos trópicos na Ásia e na África onde as mudanças climáticas indicam aumento das chuvas, na Amazônia, mesmo mantendo o aquecimento do planeta a 1,5ºC, há diminuição da média das chuvas e aumento da intensidade de secas extremas e de ondas de calor. Se continuarmos com o ritmo de desmatamentos e incêndios, há um risco acentuado de uma degradação da floresta.

AL: Por qual razão devemos nos importar com o aumento da temperatura na Amazônia?
CN: A Floresta Amazônica evoluiu em milhões e milhões de anos em condições de temperaturas máximas em torno de 30ºC. Com o aquecimento do mundo, as temperaturas máximas da Amazônia podem ficar acima de 35ºC. Já vimos esse aumento em regiões desmatadas. Se não conseguirmos controlar o aumento da temperatura no máximo a 1,5ºC e excedermos esse limite, há um risco para o desaparecimento da Floresta Amazônica.

AL: O que precisa ser feito para impedir essas mudanças?
CN: O desafio é não permitir que a temperatura global aumente mais do que 1,5 ºC. Não dá para ser menos porque, com os gases que já lançamos na atmosfera, a temperatura continuará a aumentar até os próximos 20 ou 30 anos. O novo relatório do IPCC mostra que, para diminuir o risco de um descontrole que colocará o futuro da vida do planeta em risco até mesmo para humanos, é preciso reduzir as emissões líquidas a zero até meados deste século.

AL: Será muito difícil fazer essa redução de forma rápida?
CN: É, talvez, o maior desafio que a humanidade já enfrentou. Para seguirmos uma trajetória de redução das emissões líquidas a zero até meados deste século, temos que, imediatamente, reduzir as emissões de óxido nitroso, metano e outros gases até 2030. Infelizmente vimos que as emissões aumentaram em 2021, estando mais altas do que em 2019. A pandemia da COVID fez as emissões reduzirem 5%, mas, no início dos primeiros meses de 2021, já tínhamos voltado aos níveis de emissão anteriores.

AL: O que impede essa redução imediata?
CN: O planejamento e a construção de termelétricas que queimam combustíveis fósseis, o aumento da frota de veículos que queimam gasolina e diesel. Nos países tropicais como o Brasil, parte das emissões vem dos desmatamentos; então, teremos que zerá-los nos próximos anos. As emissões vão aumentar até pelo menos 2024; por isso, mudar rapidamente o padrão global de uso de energia é um enorme desafio.

Carlos Afonso Nobre é pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e considerado um dos maiores especialistas no país na área de mudanças ambientais globais. Foi coordenador-geral do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC/INPE)

 

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