Memórias e influências espanholas em Manaus
Pesquisa explora a presença espanhola na capital do Amazonas, dimensionando a diversidade étnica da comunidade e as atividades empreendidas pelo grupo na cidade
Entre os séculos XIX e XX, Manaus atraiu brasileiros e estrangeiros em razão da exploração da borracha. Os espanhóis estavam entre esses imigrantes que imprimiram sua identidade na região. Em artigo publicado na revista Estudos Ibero-Americanos em julho, a pesquisadora Maria Luiza Ugarte Pinheiro, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), analisou as transformações da sociedade manauara frente à presença espanhola na cidade.
Em “A presença espanhola na cidade da borracha”, Ugarte joga luzes sobre a expansão econômica que transformou Manaus na ‘Paris dos Trópicos’, com a chegada de populações estrangeiras e de brasileiros de outras partes do país. A autora explica os dilemas vividos por espanhóis em meio à busca da reconstrução de sua identidade.
Para reconstruir essa história, a pesquisadora analisou periódicos da imprensa étnica no Amazonas entre 1901 e 1922, organizados por manauaras e membros da comunidade espanhola em Manaus. São arquivos do Jornal do Comércio (1908), El Hispano-Amazonense (1901), La Voz da Espana (1901-1907), Centro Espanol (1903) e El Hispano-Amazonense (1918-1922). Juntos, os jornais formam uma base documental da presença espanhola na cidade.
Diante da crescente demanda econômica ligada à inserção da borracha amazônica no mercado mundial, coube às elites da cidade a preparação da infraestrutura da capital, o que incluía atrair mão de obra.
A substituição do escravismo, que na época já passava por crise, aconteceria por meio da imigração, convocada por meio de forte campanha em busca de novos contingentes populacionais. Embora a imigração espanhola não tenha sido expressiva em termos quantitativos, quando comparada com a de São Paulo, Ugarte argumenta que:
A condição social das mulheres espanholas na terra dos barés também é mencionado pela imprensa amazonense no início do século XX. Os escritos desnudam a estrutura da sociedade e o papel legado às mulheres como o de “amas de leite, camareiras, copeiras, cozinheiras e lavadeiras, sendo empregadas tanto por famílias de maior posse, quanto por hotéis, pensões e restaurantes”.
Dentre os fatores elencados por Ugarte para a criação de periódicos e o surgimento de organizações para estreitar afinidades entre espanhóis, está o ambiente hostil a estrangeiros em Manaus. O novo ambiente era “social e culturalmente estranho”, impondo aos espanhóis o aprendizado da língua portuguesa e dos costumes e valores locais.
O desemprego, a falta de garantias e de abrigo foram determinantes para os espanhóis impulsionarem o surgimento de organizações que criassem uma unidade interna. Neste processo, segundo Ugarte, foram criadas “as primeiras agremiações e associações diaspóricas” e os jornais “passaram a constituir uma imprensa comunitária importante que, atuando como verdadeiras redes sociais, propiciada o diálogo, orientava a ação coletiva e fortalecia identidades étnicas no interior da comunidade”.
O legado da imprensa étnica desses imigrantes se encontra em “festas, saraus, conferências e soirées que ganhavam as salas dos teatros, cinemas e cafés, animando frívolas discussões sobre o vestuário feminino as tensões e os conflitos que permeavam a capital e a sociedade amazonense”.
“A presença espanhola na cidade da borracha”, de Maria Luiza Ugarte Pinheiro (Ufam), foi publicado em julho de 2021 na revista Estudos Ibero-Americanos. Leia o artigo completo aqui