Poemas do Coletivo de Poetas Marginais de Altamira

grupo de indígenas marchando em protesto

DOI: 10.33009/amazonia2021.11.15

Filha das águas
Uma mulher carrega uma bacia com roupas em direção ao rio

Aldeia Muratu, do povo Juruna Yudja, na região da Volta Grande do Xingu, região mais impactada pelas obras de Belo Monte. (Anderson Barbosa/Amazônia Latitude).

Chore aqui
no meu ombro, Xingu
Deságua tuas dores em mim
Assim, devastado
teu verde esmeralda, anda tão desbotado quanto eu.

Deságua em mim Xingu
sou eu teu oceano
Tão injustos eles são, todos eles
mania de patrão
Se enganam ao pensar serem donos de ti

Devastaram-me também
Eu daqui, vi tudo
da margem esquerda do rio
tua direita sucumbiu

Eu filha tua
Meus olhos
inverno amazônico
ultrapassando a cota 100

Eu te pertenço
Filha das águas
Banha-me
Amazoniza-me

Havemos de curar nossas feridas
Me deixei encantar pela cobra grande
mãe minha
mãe tua.

Aline Pereira, do Coletivo de Poetas Marginais

 
 

Uma mulher rema em um barco. No rio, há lixo ao redor

Antigo bairro Invasão dos Padres, na região central de Altamira. (Anderson Barbosa/ Amazônia Latitude)

Acordei no vazio do nosso lar
Uma dor latente marejou meus olhos
Entrei e avistei na imensidão de seu quarto
A fria saudade sorrindo pra mim

Que tempo louco nós estamos vivendo
As camisetas molhadas de suor
Mas é na frieza que estamos morrendo
Nas lágrimas da noite estamos sozinhos

Há tempestades no nosso coração
É tanto sangue irrigando o nosso chão
Que dessa terra só brota solidão
Mas queria outro futuro para o seu irmão

Não tivemos tempo de nos despedir
Mesmo assim ainda sinto teu abraço em mim
Pra não haver mais dor em outro coração
Sou tua voz, só segure minha mão

Me vesti com a armadura da esperança
Tempos de justiça iremos alcançar
Onde a juventude possa navegar
No nosso rio sem ter medo de amar.

Vitoriano Bill, do Coletivo de Poetas Marginais

 
 
Disseram que o progresso ia nos salvar
Mas na verdade ele é um capitão-do- mato
A nos castigar

Na volta – grande barraram o rio
Na cidade
Explodiram um barril
De dor, sem dó nem piedade

Todo dia uma mãe enterrando um filho
Todos os sonhos saindo do trilho
Na cidade onde a maior música
É o fatal som do gatilho

Quantos jovens teremos que ver assassinados?
E quantos teremos que ver encarcerados?
O que mais ferra por aqui é a exclusão
Pra nós da periferia
Só preconceito e condenação

De loge escuto
O discurso torto
De que bandido bom
É bandido morto

Mas se o bandido vestir um paletó
Tem segurança pra lhe proteger
Carros – blindados, auxílio – moradia e até porta – voz
E tudo isso quem paga somos nós.

Por isso é tempo de amar e resistir
Da luta pela vida não vamos fugir
No céu da Amazônia
É a esperança que vai florir.

Vitoriano Bill, do Coletivo de Poetas Marginais

 
 

Amarelo Piau
O sol ilumina o rio, com cores douradas. O céu também está na mesma cor.

Amanhecer na região da Volta Grande do Xingu.(Anderson Barbosa/Amazônia Latitude)

Longe do teu verde
Que guia e envolve
Venho descobrir
O quanto me custa
A distância de ti

Por vezes turvas
No tempo de cheia
Tuas águas
Abastecem memórias,
Paixões e loucuras

Me faz tremer
A corrente fria
Dos igarapés
Abrigo do puraquê,
Da traíra, do jacaré.

E no pôr do sol
Amarelo Piau
Me pergunto o por quê
De ti, cuidam tão mal.

Soll, do Coletivo de Poetas Marginais
 
 

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