Financiadores de campanhas políticas são infratores ambientais, revela relatório
Apoio financeiro pode ser um dos fatores que incentivaram políticos a legislarem contra a Amazônia Legal
Cerca de 550 pessoas com histórico de infrações ambientais cometidas na Amazônia Legal apoiaram financeiramente campanhas de políticos nas eleições de 2018, segundo o relatório “Dinheiro, poder e leis: financiamento de campanha por infratores ambientais na Amazônia Legal e proposições legislativas no Congresso Nacional”, lançado no dia 5 de setembro.
O relatório foi criado com os objetivos de identificar os financiadores de campanhas políticas autores de crimes ambientais e de entender como esse apoio influenciou ou não as decisões tomadas entre 2019 e 2022 pelos políticos eleitos com essas campanhas.
O levantamento serve como uma ferramenta para que os eleitores estejam cientes dos candidatos aos cargos de deputado(a) federal e senador(a) que receberam apoio ou foram influenciados pelos infratores, além de listar os políticos eleitos que possuem projetos de lei (PLs) com potencial impacto socioambiental positivo ou negativo.
Produzido pela Plataforma CIPÓ, um instituto de pesquisas independentes liderado por mulheres e dedicado aos temas relacionados ao clima e meio ambiente na América Latina e no Caribe, o relatório tem autoria de Gabrielle Alves, cientista política pela Universidade de Brasília, e de Renata Albuquerque Ribeiro, doutora e mestre em Ciência Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Segundo as autoras, 413 pessoas físicas penalizadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por infrações ambientais e 132 sócios de empresas infratoras foram doadores para campanhas de candidatos nas eleições de 2018. Entre eles, 38 também eram candidatos, o que significa que, nesses casos, o próprio infrator ambiental concorreu à eleição.
O Mato Grosso é o estado da Amazônia Legal que concentra a maior quantidade de doadores penalizados com embargos de terras (medida que exige a regeneração de áreas degradadas), sendo que a maior parte dos hectares (ha) de terras embargadas pertencem a três doadores: Zaercio Fagundes Gouveia (penalizado por desmatamento em área de floresta legal), Ricardo Eugenio Palmeira (por infração da flora) e José Carlos Ramos Rodrigues (por infração de licenciamento).
“Os dois primeiros fizeram doações à campanha do governador Ronaldo Caiado (UNIÃO), de Goiás. O terceiro, com a maior extensão de terras embargadas, doou para a campanha de Patrícia Bueno Netto, candidata a deputada federal em São Paulo pelo Partido Social Liberal (PSL)”, revela o relatório.
No total de todos os estados da Amazônia Legal, 422 candidatos receberam doações de infratores nas eleições de 2018, dos quais 156 foram eleitos. O relatório faz um recorte com informações mais completas sobre os políticos eleitos como deputados(as) federais (50 eleitos – quase 10% da Câmara dos Deputados) e como senadores(as) (nove eleitos) e os projetos de leis (PLs) com potencial impacto socioambiental de sua autoria ou coautoria.
A análise dos PLs foi feita para identificar a influência ou não dos doadores infratores nos governos dos candidatos eleitos.
Um dos deputados federais que mais chamam a atenção no relatório é Nelson Ned Previdente, também conhecido como Nelson Barbudo (PL/MT), deputado federal mais votado do MT em 2018. Dos políticos que receberam financiamento de infratores ambientais, ele é o que mais propôs PLs com potencial de impacto socioambiental negativo (9 no total), e das 24 votações de PLs ou medidas com caráter socioambiental que participou, votou de forma contrária à proteção ambiental em 19 delas.
Entre os senadores presentes no relatório, está Francisco de Assis Rodrigues (do antigo DEM, que se fundiu com o PSL para formar o atual União Brasil/RR), também conhecido como Chico Rodrigues, que foi multado pelo Ibama por infração administrativa ambiental por impedir a regeneração natural de 629 hectares de floresta convertida em pastagem. Rodrigues também é o senador que foi encontrado com R$ 33 mil na cueca em 2020, na operação da Polícia Federal para investigar supostos desvios na área da saúde durante a pandemia.
O relatório cita, ainda, outro levantamento, feito pelo site O Eco, que analisou as votações das propostas que flexibilizam a legislação socioambiental brasileira. Esse levantamento concluiu que, na atual legislatura, a média de votos contrários ao meio ambiente é maior do que o dobro dos votos a favor da pauta ambiental.
“Ou seja, a Câmara possui duas vezes mais parlamentares que votam contra o meio ambiente do que a favor”, enfatizam as autoras, depois de citar a ferramenta d’O Eco.
O relatório da Plataforma CIPÓ também chama a atenção para a face “institucionalizada” do lobby do setor agropecuário no Congresso Nacional, por meio da bancada ruralista, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
“Atualmente, ela é composta por 280 parlamentares – 241 deputados e 39 senadores – e é responsável por impulsionar diversas agendas com potencial impacto socioambiental negativo, como, por exemplo, medidas que buscam o favorecimento da grilagem de terras, o garimpo em terras indígenas, a anistia dos crimes ambientais, o perdão sistemático de dívidas dos produtores rurais, dentre outras atualizações legislativas favoráveis aos seus interesses”.
Alves e Ribeiro explicam, ainda, que os PLs levantados no relatório podem não ser os únicos com impacto socioambiental negativo, visto que existem, no arcabouço legal brasileiro, as chamadas “legislações simbólicas,” que são criadas para atender a objetivos políticos sem que haja a real intenção de que o PL seja aprovado ou implementado na prática.
Após análise dos doadores, dos políticos eleitos e dos PLs, o relatório conclui que “embora não se possa estabelecer uma relação direta de causalidade, o recebimento de doações de campanha por infratores ambientais constitui um dos fatores que influenciam o comportamento parlamentar, inclusive a proposição de PLs com potencial de impacto socioambiental negativo”.
Uma das evidências dessa influência é o aumento dos PLs relacionados ao meio ambiente criados e votados desde 2019, durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Entre os elencados no relatório, estão o PL 6.299/2002, conhecido como o “PL do Veneno”, que pretende flexibilizar as regras para aprovação de agrotóxicos; e os PLs conhecidos como “Combo da Morte”, que visam, entre outros objetivos, incentivar o desmatamento, liberar a mineração em terras indígenas e liberar a caça de animais selvagens.
“Nos últimos anos, as tentativas de flexibilização das legislações ambientais brasileiras no âmbito do Congresso Nacional têm servido como um dos incentivos para a expansão de crimes ambientais, que, por sua vez, provocam graves danos não apenas ao meio ambiente, mas a todas comunidades que dele dependem”, alertam as autoras.
Por último, o relatório salienta a importância de que a sociedade civil possua ferramentas adequadas para exercer um acompanhamento efetivo dos processos legislativos em andamento, fiscalizando a influência de atores externos, como financiadores de campanhas.
A partir dos resultados do relatório, a Plataforma CIPÓ produziu uma série de gráficos interativos e o Radar Legislativo Socioambiental, uma base de dados sobre a atuação dos parlamentares eleitos pelos estados da Amazônia Legal.
O relatório “Dinheiro, poder e leis: financiamento de campanha por infratores ambientais na Amazônia Legal e proposições legislativas no Congresso Nacional” pode ser acessado aqui.
Os gráficos interativos e o Radar Legislativo Socioambiental podem ser acessados aqui.