Resenha: Horizontes amazônicos para repensar o Brasil e o mundo

Foto de um indígena usando um cocar no lado esquerdo. Do lado direito, imagem da capa do livro Horizontes Amazônicos

Capa do livro Horizontes Amazônicos

Horizontes amazônicos para repensar o Brasil e o mundo
Autores: Bruno Malheiro, Carlos Walter Porto-Gonçalves e Fernando Michelotti
Editora: Expressão Popular
Ano: 2021

Uma possível saída de Bolsonaro da presidência em 2023 poria fim à destruição da Amazônia? No livro Horizontes amazônicos: para repensar o Brasil e o mundo (Expressão Popular, 2021), os pesquisadores Bruno Malheiro, Carlos Walter Porto-Gonçalves e Fernando Michelotti dizem que a resposta não é tão simples.

Para os autores, a destruição da Amazônia vem de um projeto de poder de forças coloniais e capitalistas de longuíssimo prazo, que não começa nem termina com Bolsonaro. Apenas reconstruir políticas ambientais — que ajudaram a diminuir o desmatamento em governos anteriores — não seria suficiente para terminar uma crise que mexe com os interesses de grandes empresas/empresários e outras nações.

Com o intuito de interpretar a complexidade da destruição da Amazônia, o livro discute o presente e o futuro da região, sublinhando o percurso de ações que geraram os modelos de exploração amazônica de hoje.

Os autores trazem o ponto de vista dos povos que sofreram com esses diferentes projetos de poder, como indígenas, ribeirinhos, quilombolas e outras comunidades de territórios tradicionalmente ocupados. As experiências dos amazônidas, durante diferentes períodos da formação do Brasil, não só descrevem os horrores e abusos cometidos na região, mas mostram uma outra Amazônia possível, que “oferece outros horizontes de sentido a essas histórias de destruição e geografias de colapso”.

Do campo das ciências humanas e com raízes teóricas à esquerda, os cinco capítulos do livro focam tanto na descrição e explicação da crise ambiental, por meio de uma robusta bibliografia, quanto na apresentação dos paradigmas do ambientalismo, culminando na alternativa de cuidado oferecida pelos povos tradicionais.

Ruínas e modelos de exploração

Os contornos históricos ganham destaque em Horizontes amazônicos — feito a partir das “ruínas” deixadas pelos projetos de exploração na região — de como a crise ambiental chegou até aqui. Não é possível entender porque a pecuária e a monocultura avançam hoje na Amazônia, devastando milhares de hectares de floresta, sem entender a lógica econômica que moldou o país desde a colonização.

Os autores mostram uma similaridade entre o racional violento que escravizou indígenas e o de outros momentos na história do país, como o “ocupar para não perder” dos militares, que, sob uma justificativa de “segurança nacional”, fomentou a privatização da região pela retórica de Inferno Verde, que conduz à exploração imaginativa e política da região como um espaço liso e vazio, uma terra nula, que é a justificativa da violência: a forma de se impor como civilização.

Todos esses momentos têm em comum a violência. Da expropriação de produtos da natureza à expulsão de territórios. Da abertura de estradas à construção de hidroelétricas. Ou seja, cada projeto/escolhas que tentou usar as riquezas da região em busca de “desenvolvimento” fez estragos.

E não se trata apenas de impactos à biodiversidade e à regulação climática: as florestas milenares da Amazônia englobam um emaranhado de práticas culturais e ancestrais. Perder floresta significa perder artefatos culturais, linguísticos e medicinais.

Trata-se de uma guerra travada contra os povos amazônidas, alertam os pesquisadores.

Vale destacar no livro a discussão sobre os diferentes paradigmas ambientais, isto é, os modos de se conceber a Amazônia. Os autores mencionam o paradigma fordista fossilista, o mais conhecido quando se fala em desmatamento, que tem origem na mercantilização da natureza e na exploração intensiva e em grande escala de recursos naturais, como monocultura e mineração.

Um outro paradigma mais recente na região é o que os autores chamam de biotecnológico flexível, que corresponde às novas iniciativas de sustentabilidade na Amazônia, a exemplo dos mercados de carbono, potencial genético da biodiversidade e outros projetos de economia do conhecimento da floresta.

Na argumentação do livro, se os primeiros atores são o capitalismo cru, as novas iniciativas seriam um simulacro de capitalismo, só que mais verde, usando tecnologia e ciência para dominação do território. Ambos paradigmas representam arranjos de poder que querem lucrar com a vida, alcunhados de “agro-mínero-hidro-bio-carbono-negócios”.

Equiparar esses dois paradigmas demanda atenção e deixa em alerta os leitores. Os autores criticam no modelo biotecnológico flexível a intenção de se lucrar com a riqueza genética da biodiversidade da região, que seria o mesmo objetivo do modelo fordista fossilista. A palavra lucro parece manchar qualquer iniciativa na região. Talvez a ojeriza dos autores venha de uma coerência ideológica da crítica ao capitalismo ou do ceticismo do histórico de projetos que fracassaram e devastaram a Amazônia.

Na mesma linha, os autores discordam de propostas de acadêmicos como Carlos Nobre a Ricardo Abramovay, como “propostas de capitalismo verde com base na tecnociência e suas novas tecnologias”. Segundo o livro, construir uma economia do conhecimento da floresta prolonga a exploração da região.

Torna-se difícil imaginar, porém, que o mal causado por madeireiras e mineradoras seja igual aos projetos que querem manter a floresta de pé. Uma economia do conhecimento da Amazônia, alinhada às comunidades da região, como alguns especialistas defendem, seria parte da solução para a crise, e não um novo problema ou reflexo dele.

Rejeitar todo e qualquer projeto que tenha possibilidade de gerar inclusão social, via soluções de uma economia do conhecimento, por ser “capitalista” ignora possíveis soluções. Não dá para esperar a derrubada do capitalismo para proteger a Amazônia.

Os autores também criticam o modelo biotecnológico flexível por ignorar as comunidades amazônidas na concepção de seus projetos. “O protagonismo deixa de ser dos povos e de seu conhecimento milenar que habita a floresta”, argumentam, passando o protagonismo do desenvolvimento econômico para as grandes empresas.

Uma crítica totalmente válida. Um exemplo recente dessa invisibilidade aparece na entrevista ao jornal Estado de S. Paulo do ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que descreveu propostas e possibilidades do mercado de carbono no Brasil, mas não mencionou os povos amazônidas em nenhum momento.

Mas propostas como as de Carlos Nobre e Ricardo Abramovay pedem uma referendação dos povos da floresta, dizendo explicitamente que não pode haver uma economia do conhecimento na Amazônia sem o protagonismo e aceitação das comunidades que vivem lá.

Não haveria, portanto, um “abandono dos conceitos de justiça social e ambiental”, como dizem os autores, porque essas novas iniciativas partem de um ideário diferente do fordismo fossilista. São parte da solução e não do problema.

Não quer dizer, porém, que tais iniciativas estejam livres de qualquer crítica. Livros como Horizontes amazônicos não deixam esquecer que a solução da crise ambiental precisa passar pelos povos tradicionais da região.

Futuro

Os autores ocupam os últimos capítulos do livro com o argumento de que a epistemologia dos povos da região é chave para as saídas da crise ambiental. Para os pesquisadores, o fato dos povos indígenas terem ocupado a Amazônia há mais de dez mil anos, convivendo em plena harmonia com rios, árvores e animais, mostra um ideário saudável a ser seguido. O cuidado da floresta seria o resultado de uma bio/cultura intrincada entre seres humanos e território.

Almejar esse tipo de sentir/pensar a Amazônia importa na preservação da região. Os autores acabam atribuindo aos povos da floresta a “única experiência que pode se reivindicar como verdadeiramente sustentável na Amazônia”.

Essa epistemologia “coloca no centro das preocupações sociais a reprodução da vida e não do capital”. Já que a grande maioria dos projetos na Amazônia ignorou esses povos e espoliou sua cultura e território, é compreensível que os autores os coloquem como inspiração para encontrar soluções sustentáveis.

Mas pode parecer também uma certa resistência dos autores em reconhecer a importância de iniciativas tecnológicas, não tão milenares, que também ajudam a floresta a se manter de pé. Os desafios que os povos da floresta enfrentam hoje são diferentes dos que enfrentavam há dez mil anos. É preciso ter cuidado para não se criar um misticismo em relação ao cuidado da floresta.

Os povos tradicionais da região devem ter poder decisório em questões de preservação ambiental. Mas fechar a porta para outras formas de conhecimento acaba dificultando a criação de coalizões pela preservação da Amazônia. É preciso aliar as tecnologias sociais e ancestrais desses povos à produção científica contemporânea. A experiência dos indígenas, porém, não consegue, sozinha, lidar com os desafios modernos das ameaças.

Horizontes amazônicos: para repensar o Brasil e o mundo é um livro que entende a crise ambiental. Quem lê não só conhece a história da região, mas encontra uma esperança na epistemologia dos povos tradicionais. E encontra um caminho longo a ser percorrido para salvar a Amazônia e o mundo.

 
 

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