Leila Borari luta por ‘Amazônia de Pé’ e mais próxima do resto do Brasil

Leila Borari em ato contra o marco temporal - Foto: Paulo Galvão

Lançada em maio de 2022, a campanha Amazônia de Pé busca por meio da iniciativa popular aprovar uma lei de destinação das terras públicas na Amazônia para quem sempre a protegeu: indígenas, quilombolas e pequenos extrativistas. Mobilizadores de todo o país estão envolvidos no projeto, entre eles Leila Borari, musicista e ativista de Alter do Chão (PA).

A região de Alter do Chão, como toda a Amazônia, é alvo de mineradoras e pecuaristas. Foi num momento especialmente exposto da região, durante o avanço da fronteira dos produtores de soja no início dos anos 2000, que Borari tornou-se ativista voluntária do Greenpeace. Essa atenção internacional, para ela, foi um importante passo para o combate de políticas de desmatamento e para o estabelecimento de uma nova Amazônia.

“Alter [do Chão] é realmente um espaço único, mágico. A vegetação de lá é única no mundo, a savana amazônica, então fazer parte de uma equipe como a do Greenpeace, que está olhando para o espaço, foi uma experiência incrível. Abriu meus olhos para essa intitulação de militante, mas também me ajudou muito a desenvolver um trabalho em prol da minha comunidade”, diz.

Indígena da etnia Borari – um dos treze povos que Alter do Chão – Leila também é fundadora do coletivo indígena “Suraras do Tapajós”. Pelo carimbó, as Suraras cantam histórias de suas vidas e no âmbito social, funcionam como um espaço de acolhimento para mulheres indígenas de toda região do Tapajós.

“A partir daí a gente tem mostrado a outras mulheres indígenas para usarem a arte. Estamos mostrando que a poesia é uma maneira de luta, de mostrar a voz”, diz a ativista.

Borari atribui seu envolvimento com a militância a uma herança do pai. “Tudo começou de uma maneira bem orgânica. Meu pai sempre incentivou a gente a estar ali discutindo política, mesmo quando a maioria das pessoas dizia que aquele espaço não era muito apropriado”, explica.

Veja a seguir a entrevista completa.

Amazônia Latitude: Como você se envolveu com a Amazônia de Pé? E qual o papel que está exercendo lá agora?

Leila Borari: O meu ingresso foi através de um edital lançado mais ou menos um mês antes da campanha [Amazônia no Pé]. Como eu tenho essa raiz muito na política e no ativismo, achei muito legal a ideia de ser um projeto de lei por iniciativa popular. Lembrei muito de todas as vezes que meu pai falou para nos envolvermos e nos engajarmos com a política, nesse movimento contra sistêmico. E daí eu me encantei com a campanha, porque era um momento que a gente (povos indígenas e tradicionais) estava discutindo a questão da demarcação das terras indígenas.

Foi um momento de muita esperança, porque o Amazônia de Pé é um projeto que envolve todo o país, não só a região Norte/Amazônia. Quando eu iniciei, trabalhava como articuladora regional, fazendo essa movimentação dentro da região Norte. Agora, o meu papel é de mobilizadora num âmbito nacional. Estou diretamente ligada à articulação com outras ONGs, apoio financeiro etc.

Como é que esse projeto se desenvolve? Qual o objetivo?

O projeto de lei da Amazônia de Pé tem como objetivo destinar cerca de 57 milhões de hectares dentro da Amazônia que não têm destinação. É transformar [essas áreas] em unidades de conservação, em terras indígenas e quilombolas.

A gente se classifica como uma campanha nacional para a promoção de direitos pela iniciativa popular, envolvendo diversas organizações e setores, não só do ramo socioambiental, mas cultural e antropológico também.

O Pará e a Amazônia são campeões brasileiros de morte de trabalhadores agrários, defensores dos direitos humanos e da natureza. E durante o governo do Bolsonaro, a principal política em relação à Amazônia era não demarcar nenhum centímetro a mais, além de ameaçar direitos já consolidados. Então, como ativista ambiental e mulher indígena, enxergo a campanha e toda a movimentação em relação a ela não só uma maneira da gente não lutar pelos direitos dos povos originários, mas também manter o que a gente já tinha conquistado até hoje.

E qual a importância de outras regiões do país estarem envolvidas nesta luta?

É necessária e fundamental. Porque a gente só consegue que o projeto chegue lá no Congresso Nacional e seja válido se ele tiver 3% de assinaturas de cada região.* Então, é importante que a gente não tenha só assinaturas da região Norte. A campanha precisa ter o engajamento de outras regiões, para que a gente consiga levar a Amazônia para outras regiões do Brasil.

*NOTA DA EDIÇÃO: Para a proposição de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, a Constituição exige a assinatura de 1% dos eleitores, distribuídos em pelo menos cinco estados da Federação, com pelo menos 0,3% do eleitorado de cada um desses estados.

Essa mobilização nacional está tendo algum retorno? Vocês já atingiram alguma meta de assinaturas?

A gente conseguiu se tornar a maior campanha nacional pela Amazônia que já existiu no Brasil. No ano passado, tivemos presentes em diversas cidades com a Semana da Amazônia e a virada cultural. Foram mais de seiscentas ações cadastradas.

Então a gente conseguiu mapear todas as regiões do Brasil. E aí nenhum outro momento teve um Dia da Amazônia tão forte. A campanha foi no programa do Luciano Huck, no domingo, um horário super nobre. Ele falou da campanha, da coleta de assinaturas, teve muitos voluntários no Rock in Rio, então em grandes eventos estávamos presentes.

É nesse sentido que eu falo sobre a aproximação da Amazônia de outras regiões do Brasil. Com a campanha eu nos vejo chegando mais próximo de pessoas que não falavam da Amazônia e hoje estão falando.

Um dos pontos mais debatidos pelo ativismo indígena foi o marco temporal. Como foi essa mobilização da tua parte?

Essa questão do marco temporal, para nós indígenas foi, um momento muito forte, porque colocou em risco a luta de todos os povos que estão hoje ainda lutando pela demarcação do seu território. Fala-se que quem não estava até 1988 no seu território não tem direito à sua terra. Agora, imagina o quanto isso fere? Eles não estavam lá no território deles não porque não queriam, mas porque foram retirados, expulsos.

Quando teve a votação eu estava grávida de sete meses e fui para a Marcha Nacional das Mulheres Indígenas. Eu vivo essa mobilização o tempo todo, a gente sente na pele. A mobilização acontece em duas frentes, a regional e a nacional, porque é muito importante que a gente esteja lá para mostrar que nós somos contra esse marco temporário.

Outra questão em pauta é a exploração mineradora. No ano passado tivemos aquele incidente de quando as águas do Rio Tapajós ficaram negras. Como é que os povos da região estão enxergando essa disputa?

Essa é uma questão que afeta diretamente o direito dos povos. Nos últimos anos, aumentou muito a exploração de ouro que já existia nas terras indígenas. E agora é perceptível o quanto o nosso rio Tapajós está contaminado por essa atividade.

Várias crianças indígenas estão sofrendo com doenças por conta desse contato com o mercúrio, e isso é resultado de quão confortáveis essas pessoas se sentiram nesse governo do Bolsonaro. Aí, quando começaram as chuvas, a água do Tapajós desceu tão escura de sedimento de exploração de garimpo que chegou em Alter do Chão.

A gente faz avaliação de que se não tivesse chegado em Alter do Chão, que é um lugar turístico, dificilmente as pessoas iriam olhar para o Alto Tapajós. Então, quando isso aconteceu, para a gente foi muito forte. É uma questão de saúde pública, porque toda a população se alimenta do rio. É uma situação realmente muito maior e mais ampla do que a gente possa enxergar, né?

Como é que tu estás encarando essa mudança de governo? Como tu estás sentindo esse 2023 para o ativismo indígena?

A gente vem para 2023 – e isso eu falo hoje como mulher ativista, como mulher de uma associação e também como parte de uma campanha – com um pouco mais de esperança. Sem dúvida. Hoje a gente tem a Sônia Guajajara [ministra dos Povos Indígenas]. Infelizmente não reelegemos a Joênia Wapichana [para deputada Federal], mas já temos alguma representatividade. Também vem muito um grande olhar para o Ministério do Meio Ambiente porque tem a Marina Silva e já é um alívio saber que a gente não vai ter um Ricardo Sales novamente.

Então acho que ao longo desse ano de 2023 a gente tem tudo para poder reconstruir um Brasil melhor. Um Brasil meu, nosso. Um Brasil com mais respeito por aqueles que estão aqui desde sempre. É o que todo mundo quer. Quer dizer, é o que todo mundo deveria querer, né?

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