Cortes na educação comprometem desenvolvimento da região Norte

Medidas do Governo Federal relativas ao ensino superior colocam em risco conquistas socioeconômicas e culturais

“Acredita-se que a relação entre ciência e projeto nacional traga benefícios mais imediatos aos ecossistemas, às culturas, à preservação ambiental e, especialmente a riqueza nacional. Não como riqueza privada, mas como riqueza que tem uma representação coletiva na segurança social do povo. Acredita-se numa relação direta entre a expansão do ensino superior público e a consciência social dos cidadãos para uma sociedade mais livre, mais plural e mais humanitária”. – Marilene Corrêa da Silva Freitas, pesquisadora e professora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

Nos últimos dias, o caso das Universidades Públicas brasileiras se espalhou por toda a sociedade civil e virou assunto, não apenas no meio acadêmico, mas em todo território brasileiro que acompanha as decisões do governo federal em relação às instituições de ensino. A primeira notícia que recebeu atenção foi o aviso do Ministério da Educação (MEC) sobre a intenção de destinar dinheiro público somente para cursos que, na visão do governo, geram retorno imediato ao contribuinte e, nesta linha de raciocínio, as ciências humanas estariam excluídas dos investimentos.  No dia 30 de abril, Abraham Weintraub, Ministro da Educação, declarou que as Universidades sofrerão contingenciamento de despesas discricionárias. Em seguida, reitores de instituições de ensino se mostraram preocupados em relação à ausência de bolsas de pós-graduação que deveriam estar disponíveis no sistema para aquisição de novos pesquisadores no mês de maio. O MEC explicitou que o plano de governo prioriza cursos como medicina, engenharia e veterinária e a educação básica, mas os cortes também afetam o que é considerado prioritário para a gestão.

O Ministro da Educação veio, através de vídeos didáticos, esclarecer que o contingenciamento do orçamento seria de 3,4%, em desacordo com os 30% explicitados anteriormente por uma nota do MEC.  Tal pronunciamento confundiu parte da sociedade civil que não compreendeu que o ministro se referia aos 3,4% quando considerava as despesas totais do MEC com o ensino superior. O corte nas despesas discricionárias – que corresponde a 20% do total – será de 30%. O déficit será no pagamento da conta de luz, telefone, água, terceirizados e nos investimentos – incluindo pesquisas. Os outros 80% das despesas totais, que inclui os salários de funcionários e pagamentos de aposentadoria, não serão atingidos com tal medida. As Instituições se pronunciaram sobre o que pode ser o maior corte de verbas da educação na história da república brasileira, e, assim, como todas as outras, a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) relatou que sofrerá impactos significativos.  Em nota, a assessoria disse que a UFAM sofreu um contingenciamento de 38 milhões de reais – 30% de todas as despesas da Universidade- e que “as dotações de custeio e investimentos previstos para o segundo semestre de 2019” serão afetados.

As Universidades Federais brasileiras realizam as atividades de ensino, pesquisa e extensão, o que significa que elas são responsáveis pelo desenvolvimento socioeconômico do país, ao oferecer oportunidade de ascensão e levar à população diversos serviços, como o acesso aos atendimentos gratuitos de saúde realizados por Hospitais Universitários – que trabalham pelo SUS.  Serviços de extensão são realizados pelas instituições referentes às chamadas ciências da Natureza e Humanas, que são elaborados através de estudos que visam atender as demandas de acesso a serviços, atividades culturais e busca suprir a falta de aquisição material da população que habita seus entornos. Além disso, as ciências se complementam e realizam trabalhos em conjunto para atender a sociedade brasileira. O momento mundial exige que as sociedades estejam cada vez mais inseridas no conhecimento amplificado e, para isso, várias áreas precisam se interligar com o objetivo de reconhecer mulheres e homens como agentes sociais e históricos.

O ampliamento da educação, sobretudo nas áreas norte e nordeste e a busca por uma educação que não se concentre apenas no eixo Rio- São Paulo, possibilitou a inclusão de outras localidades e, com isso, outros saberes na produção de conhecimento e a inserção política de outros povos e territórios. Hoje a região Norte se insere nos patamares do desenvolvimento econômico, social e cultural, o que provoca/provocou mudança na relação do Brasil com outros países. O contingenciamento orçamentário estabelecido pelo MEC vai afetar as atividades de custeio da UFAM, significando ameaça na continuação de projetos de pesquisa e extensão, atividades que contribuem para a autonomia regional, além de exercerem a conexão entre população e universidade.

A Capes havia cortado as bolsas que estavam ociosas do mês de maio, o acontecimento impedia que os candidatos previstos para receber bolsa esse ano não tivessem tal oportunidade. Mas, no dia 13 de maio, segunda-feira, destravou o dinheiro para 1224 bolsas. Desde o início, o governo teria informado que mestrandos e doutorandos que ganham bolsas mensais de 1,5 mil e 2,2 mil, respectivamente, não seriam prejudicados com a medida. Quando procurada pelo G1, diante da notícia sobre o corte de bolsas ociosas, a Capes informou também sobre mudanças futuras que serão atribuídas aos programas de pós-graduação. A intenção é reduzir gradativamente a concessão de novas bolsas para os cursos que se mantém com a nota três – conceito mínimo de permanência no sistema de pós-graduação da CAPES – no período de 10 anos. Além disso, as novas bolsas do programa Idiomas Sem Fronteiras serão suspensas. O Ministro da Educação pretende estreitar as relações com os segmentos empresariais para a realização de pesquisas.  

O relatório Research in Brazil realizado em 2017 pela Clarivate Analytics, empresa norte-americana de análise de dados, comprovou que 95% das pesquisas realizadas no Brasil foram feitas por universidades públicas. No ensino público o debate se amplia perpassando por diversos fatores, como, por exemplo, a adesão a recursos, distribuição de renda, possibilidade de ampliação do ensino superior, formação especializada de mão de obra junto à exigência de melhor forma de pagamento, maiores exigências entre os direitos públicos, entre outros.  Para Marilene Corrêa da Silva Freitas, uma elite conservadora e “reacionária” teme um enfrentamento com uma parte mais “esclarecida” da população e considera que, a democratização da educação através do ensino público, possibilita que outros agentes sociais adquire um “patamar de sociabilidade diferenciada e mais positiva”.

Contra os cortes na educação, população se manifesta em frente à Universidade Federal do Amazonas, em 15 de maio de 2019. Fonte: G1.

O vídeo que esclarece os cortes nas universidades públicas pode ser encontrado na página do Abraham Weintraub no Twitter. Nele, o atual ministro da educação relembra a sociedade que a campanha de Bolsonaro levantou a importância de valorizar o ensino básico e que, hoje, o MEC atua para que as promessas sejam cumpridas. “No programa de governo que elegeu Bolsonaro estava muito claro, estava explícito que a nossa prioridade era a educação básica, a pré-escola. Agora criou-se uma polêmica enorme porque a gente está apresentando o nosso plano de governo. […] um aluno na graduação custa  30 mil reais por ano, um aluno numa creche custa 3 mil reais por ano. Para cada aluno na graduação que eu coloco na faculdade eu poderia trazer dez crianças para um creche que geralmente são mais humildes, mais pobres e mais carentes. O que você faria no meu lugar?”, questiona Abraham Weintraub no vídeo.

Luan de Castro, estudante do sétimo período do curso de Engenharia Mecânica, em entrevista ao jornal A Crítica, concorda com o ministro quando diz que o contingenciamento do orçamento é justificável se a verba for redirecionada para o ensino fundamental.  Mas, as condutas tomadas pelo governo contradizem o que foi dito na campanha, e o que é reforçado pelo ministro, visto que parte do que era previsto para a educação infantil ao ensino médio foi bloqueado. O valor interrompido corresponde 2,4 bilhões a menos no investimento. Além disso, o MEC retirou mais da metade dos recursos que seriam para obras em unidades do ensino básico, o que poderia custear, por exemplo, novas construções de creches. O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico (Pronatec) também sofreu interferência e todo recurso que era esperado se encontra bloqueado. A aprovação da Reforma da Previdência é central na gestão de Bolsonaro. Para barrar a oposição, o ministro da educação foi ao senado para dizer que o retorno dos investimentos ao ensino poderia acontecer caso a reforma fosse aprovada.

A Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e a Estadual do Amazonas (UEA) – com polos em cidades mais afastadas e carentes- e outras exercem um papel significativo na expansão da relevância econômica e cultural da região Norte para o resto do país. “Mas a questão fundamental é a igualdade ou minimizar a desigualdade de acesso à educação superior. Essa preocupação em inserir todas as regiões na agenda educacional brasileira, de alguma forma, traz uma relação direta entre a educação superior, a democracia, o combate à desigualdade regional, o combate à pobreza e a exclusão social. E, de alguma forma, produz impacto positivo no que se chama de agenda mais colaborativa entre a sociedade, o estado e as universidades brasileiras”, opina a socióloga Marilene Corrêa da Silva Freitas.

Ciências Humanas

As Ciências Humanas não são vistas como ferramenta educativa de importância para a gestão de Jair Bolsonaro. No dia 26 de abril, logo depois da posse de Abraham Weintraub, sucessor de Ricardo Vélez Rodríguez, no Ministério da Educação, o presidente publicou no Twitter que o plano de governo conta com a descentralização de investimentos em faculdades de filosofia e sociologia – humanas. A publicação advertia que os alunos já matriculados não seriam atingidos, mas que o governo atual passaria a focar os investimentos em áreas que trazem retorno ao contribuinte com a justificativa de que é importante respeitá-lo.

“O impacto da área das humanidades na região Norte não tem preço. É imensurável. Se você pensar, por exemplo, em toda reconstrução das nossas histórias e cidades, naquilo que representou um avanço na história pós-colonial, uma reconhecimento da alteridade dos povos indígenas, o crescimento da importância dos biomas e ecossistemas amazônicos para a inteligência social e para estratégias políticas, mas, especialmente a identificação do lugar da região norte no desenvolvimento brasileiro contemporâneo.”, conta Marilene.

A publicação de Jair Bolsonaro diz o que, na visão do governo, seria mais adequado à educação no que diz respeito ao uso ideal do dinheiro público. “A função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta”, publicou o presidente.

 

As reações dos profissionais de ciências humanas no Brasil e no mundo acabaram por produzir alguns manifestos contra a declaração. A Universidade de Harvard, em carta aberta de sociólogos, com o apoio de centenas de instituições ao redor do mundo, argumenta “Como sociólogos históricos e contemporâneos, nós entendemos que as décadas de mercantilização do ensino superior convenceu muitos políticos – no Brasil, nos Estados Unidos e no mundo – de que uma educação universitária é valorosa apenas se imediatamente lucrativa. Nós rejeitamos essa premissa”. Para eles, a educação adequada é aquela que produz uma sociedade letrada, bem formada e que se beneficie do esforço coletivo para a criação de conhecimento humano. O manifesto conta também com a assinatura do presidente da Associação Internacional de Sociologia. Para Jocelyn Viterna, professora de sociologia em Harvard, a carta é um documento para demonstrar ao governo federal que o resto do mundo está ciente do que está acontecendo no território brasileiro.

Outro manifesto publicado pelo jornal francês Le Monde, que conta com apoio de outros profissionais das ciências humanas, alerta ao presidente do Brasil que as economias modernas precisam de cidadãs e cidadãos que tenham “conhecimento amplo e geral”. Além disso, o texto também aponta que “as ciências sociais não são um luxo” e que políticos não devem decidir qual ciência é boa e qual é má.

A desqualificação dos saberes das ciências humanas é uma característica de alguns setores governamentais atuais e futuros. Marilene Corrêa da Silva Freitas comenta “é uma visão precária, eu diria grotesca e até certo ponto inferior à ideologia praticada pelo regime militar em 1964. Porque, nesse regime, o debate de ideias se configurava no plano político mesmo com reverberação na dimensão ideológica, na dimensão de privação de direitos, na dimensão da ausência da democracia. Hoje o que se vê é uma vulgarização desses debates”.

Ensino superior e básico no início dos anos 2000

Gráfico sobre investimentos na educação. Fonte: Jornal NEXO.

A história da universidade pública brasileira ganha destaque no início do século XXI, quando o Ministério da Educação passa a investir de maneira expressiva no ensino superior. Tal aplicação pode ser considerada vultosa se comparado apenas à valorização que era dado a elas em governos anteriores. A expansão das universidades foi uma característica do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, ex – presidente do Brasil, que intencionalmente ampliou o acesso à educação pública através da criação de polos de instituições de ensino em lugares mais distantes dos grandes centros urbanos.  De acordo com o jornal Nexo, “Entre 2002 e 2014, o número de cursos de graduação passou de  2.047 para 4.867. O número de alunos matriculados na graduação subiu de 500.459 para 932.263; na pós-graduação, saltou de 48.925 para 203.717.De 2004 a 2014, o número de alunos matriculados na graduação nas universidades federais aumentou 89%.

“É evidente que a expansão do ensino superior brasileiro significou muito no território nacional, em especial para a região norte. No caso da região norte, nós somos a região que tínhamos o menor percentual de matrículas no ensino superior brasileiro em torno de 6% / 6,5% e, isso, de alguma forma, mostra uma desigualdade enorme das regiões no território nacional, uma vez que o sudeste concentra um pouco mais de 45% de todas as matrículas no ensino superior brasileiro. O que denota também uma desigualdade no financiamento das instituições públicas da região norte.”explica Marilena Corrêa da Silva Freitas.

Os impactos do investimento educacional oferece a presença significativa da região Norte no sistema nacional brasileiro. O Norte passou a estar inserido na agenda científica brasileira através da presença em editais, programas de pesquisa e eventos que apresentavam problemas da região no quesito cultura, meio – ambiente, diversidade racial e diversidade linguística.

O jornal Nexo mostrou que o investimento por aluno na educação básica em relação ao PIB cresceu também no período de 2004 a 2014, enquanto que no ensino superior houve queda, contradizendo a gestão de Bolsonaro quando afirma que os governos anteriores a ele prestigiava as universidades públicas em detrimento da educação de base.

Até a aprovação da emenda 95 que estabelece um teto de gastos públicos, havia uma relação da arrecadação com a educação. No início dos anos 2000, a economia se encontrava em expansão o que proporcionou maior investimento no ensino.  Para Paulo Roberto Corbucci, mestre em Educação e doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (Unb), em entrevista ao Nexo, o Brasil precisa gastar mais com a educação de base, mas isso não significa que o país gaste muito com o ensino superior. “Não se trata de escolher ou a educação básica ou a educação superior, mas de encontrar um ponto de equilíbrio e investir nas duas áreas”, opina Corbucci.

As universidades públicas vêm sendo afetadas desde 2014, quando o montante das despesas discricionárias começa a sofrer quedas. No último ano, apenas R$ 5,8 bilhões foram destinados para as universidades, sendo que mais de R$ 10 bilhões já foram reservados para o ensino.  Em julho de 2016, a Universidade do Estado do Amazonas chegou a reduzir o número de vagas e cursos oferecidos no vestibular devido à falta de verba.

 

A imagem em destaque é foto: Divulgação.
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