Seminário promove diálogo entre representantes indígenas e acadêmicos em Letícia

Lugar de fala, equidade de gênero e articulação social foram temas do primeiro “conversatório”

O segundo dia do Seminário Internacional de Ecologia Política, no Hotel Anaconda, em Letícia, contou com uma programação extensa onde incluía estudiosos focados na realidade socioambiental da região Amazônica, especificamente, da Tríplice Fronteira, e líderes indígenas. Com forma de dar visibilidade às questões de quem vive as complexidades fronteiriças, a organização preparou o chamado “Conversatório com Líderes Políticos, Sociais e Investigadores: Perspectivas, Cenários, Mobilização Sócio-política” que foi moderado por Reginaldo Conceição da Silva (UEA).

A mesa, que contou com cinco representantes de diferentes associações e comunidades, recebeu a presença de Mislene Metchacuna Mendes Tikuna (FUNAI), e Bety Souza da Associação de Mulheres Deslocadas por Conflitos Armados, que trouxeram os empasses históricos que os povos indígenas brasileiros e colombianos enfrentam. Além delas, outros nomes também compuseram o Conversatório, como, Adelina Ramos Tikuna (Associação das Mulheres Indígenas de Belém do Solimões), Tumi Manque Matis (Associação de Matis do Vale do Javaris), e Jesus Seabra (Organização dos Kambebas do Alto Solimões).

A mesa levou aos não-indígenas uma perspectiva capaz de abarcar a realidade de pessoas forçadas a abandonar seus territórios e culturas devido aos interesses dos centros econômicos mundiais. A Tríplice Fronteira Amazônica corresponde a uma área em que diferentes países disputam política e economicamente, o que acaba por danificar os modos de vida tradicional dos ameríndios.

Adelina Ramos Tikuna iniciou revelando o processo de construção da Associação de Mulheres Indígenas do Belém do Solimões que há 10 anos está sob a administração da indígena. Ela reformou a importância da associação para a comunidade em que está inserida, visto que, através da organização podem ofertar oportunidades de cursos aos mais jovens em parceria com as instituições locais. A associação também abastece, através da agricultura familiar, 40 escolas regionais, o que confere às mulheres Tikuna um papel central na soberania alimentar de seu povo.

Os Kambebas do Alto Solimões são referências enquanto movimento e se mostram com grande vontade de desenvolver uma articulação política visando efeitos nas relações familiares, na política nacional e internacional.  A criação de uma cartografia socioeconômica contribuiu para que a Organização dos Kambebas do Alto Solimões pontuasse as regiões de maiores conflitos, possibilitando, assim, a revitalização da língua, da cultura, da história e dos direitos civis.

“Aqui a gente vive na Tríplice fronteira, onde cada governo tem suas visões diferentes. Os indígenas tem uma visão mais ampla que é de cuidar daquilo que a mãe natureza sempre deu para eles”, comenta Jesus Seabra no Seminário.

Já Mislene Metchacuna, representante da FUNAI, explica que a fundação não possui mais um viés tutelar e que, hoje, ela exerce maior atuação na articulação na criação de visibilidade às vozes indígenas. A antropóloga alerta que as demarcações de terras indígenas continuam sendo, sobretudo no governo atual, a principal luta dos povos ameríndios, mas que o acesso à saúde e a educação adaptada e de qualidade abarca também a lista de prioridades.

Mulheres indígenas e a Tríplice Fronteira

Da esquerda para a direita: Mislene Metchacuna Mendes Tikuna (FUNAI), e Bety Souza (Associação de Mulheres Deslocadas por Conflito Armado). Foto: Amazônia Latitude.

A vida das mulheres indígenas da Tríplice Fronteira foi exposta ao público pelas participantes da mesa. Bety Souza, presidenta da Associação de mulheres deslocadas por conflitos armados, falou profundamente dos perigos que as indígenas colombianas encontram quando são condicionadas a buscar oportunidades nas cidades do próprio país ou vizinhos. O foco discursivo de Bety foi à situação ancestral das mulheres colombianas vítimas de conflitos armados. A presidenta considera que as fases da borracha e do narcotráfico marcaram períodos de forte violência para os povos fronteiriços.

Além disso, as mulheres da mesa concordaram que há dificuldade de executar trabalhos que reúne mulheres indígenas em prol de uma vida mais autônoma e resistente às práticas patriarcais. Séculos de subordinação aos homens dificultam, ainda, hoje, a aderência em movimentos que colocam a igualdade entre os gêneros como prioridade. As mulheres indígenas buscam estar juntas com os homens em espaços de articulação política.

“A partir dos anos 90, as mulheres Tikunas passam a se mobilizar para pensar política dentro do território. Elas não estão ali disputando o mesmo espaço com os homens, mas estão para construírem um espaço em conjunto”, explica Mislene Metchacuna.

 

 Imagem em destaque (da esquerda para a direita): Adelina Ramos Tikuna (MAPANA), Juses Seabra (OKAS), e Mislene Metchacuna Mendes Tikuna (FUNAI).
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