“Não tinha diálogo, os indígenas não eram bem vistos na Funai”

Mestra em antropologia social lembra protagonismo Tikuna na atividade política

No início de junho, a Amazônia Latitude teve a oportunidade de conversar com Mislene Metchacuna Mendes, representante da Funai e pesquisadora na região do Alto Solimões, durante o Seminário Internacional de Ecologia Política. Na entrevista, Mislene falou sobre o histórico de resistência do povo Tikuna frente à fazendeiros e madeireiros; o papel da Funai na organização política dos povos indígenas; e o processo de demarcação de terras tradicionais.

Para Mislene, a violência sofrida pelo seu povo chegou ao cúmulo no dia 28 de março de 1988, quando um grupo de Tikunas foi atacado a tiros nas proximidades da Boca do Capacete, localizada no município de Benjamin Constant, a 1.116km de Manaus, no Amazonas.

O grupo de crianças, jovens homens e mulheres reunia-se no local para o que seria uma assembleia, chamada com o objetivo de encontrar soluções sobre a demarcação de terras, determinada naquele ano pela Funai, que encontrava resistência dos proprietários locais.

Conhecido como Massacre do Capacete, o episódio deixou 14 pessoas mortas e outras 23 feridas após o ataque de homens encapuzados comandados por Oscar Castelo Branco, proprietário que se opunha à demarcação. Condenado em 2001 a 24 anos de prisão pelo mando do crime, foi absolvido em segunda instância três anos depois.

O massacre ecoa na fala de Mislene, que revisita o papel político de sua etnia na região do Alto Solimões.

“É uma data que é bastante triste para nós, Tikunas, mas também foi o momento em que o povo Tikuna resolveu se juntar, se mobilizar, porque não iam aceitar que mais um massacre acontecesse. Como se não bastassem as expulsões, os não-indígenas da região resolveram matar os Tikunas.”, diz Mendes.

Para a pesquisadora, os Tikuna mantêm fortes as tradições de língua, pensamento, relações familiares, sociais e ambientais. E servem de referência para outras etnias em relação à manutenção tradições e ao trato com o governo para a garantia de direitos.

A pesquisadora, que atua na coordenação regional do Alto Solimões, área dos Tikuna, faz uma ressalva: a demarcação é um instrumento jurídico do Estado brasileiro, mas o direito de uso sempre foi dos povos.

E a Funai, que considerava os indígenas fonte de problemas e limitava o diálogo, hoje desempenha melhor o papel de articulação entre os povos e o governo, cujas instituições ainda apresentam certo desconhecimento sobre o tema.

“Acham que tudo que diz respeito em relação aos indígenas é com a Funai. A Funai não executa nenhuma política pública, a não ser a demarcação dos territórios e a fiscalização desses territórios, a proteção territorial. Então existem várias contradições nas instituições públicas, que elas acham que não tem dever nenhum para com os povos indígenas”, afirma Mendes.

A pesquisadora relembra uma antiga política de integração para a supressão da cultura indígena, para que se deixasse de ser índio, que ganhou fôlego com os novos rumos anunciados para a política indigenista no Brasil. É neste cenário que os Tikuna resistem.

 

 

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