Em Oxford, lideranças pedem respeito e fim de ciclos predatórios na Amazônia

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Evento aproximou vozes indígenas, academia e países em defesa da floresta

Terminaram ontem (02) as apresentações e debates do Colóquio Internacional “Amazônia: Violência Crescente e Tendências Preocupantes”, realizado na Universidade de Oxford, no Reino Unido.

O evento, que se propôs a aproximar as questões ambientais das tarefas políticas e acadêmicas para interrogar e superar os ciclos socioeconômicos impostos à região, reuniu lideranças indígenas, sociais e representantes da academia para trocar conhecimento e experiências sobre a Amazônia.

Organizado pela rede AgroCultures, em parceria com Amazônia Latitude, Universidade de Cardiff e Universidade Estadual da Flórida, o Colóquio buscou refletir, em seus três dias de duração, passado, presente e futuro da região amazônica.

Para Antonio Ioris, professor da Universidade de Cardiff e representante da rede Agrocultures, a ocasião reuniu simbolismos para o Reino Unido, que deixou a União Europeia na sexta-feira (31), e para a floresta.

“Após dois anos de intenso debate e ricas conversas estimuladas pela iniciativa Agrocultures, está claro para nós: este é o momento de dizer ‘não!’, ‘chega!’, ‘parem!’. As coisas precisam mudar significativamente porque a Amazônia é muito maior, mais complexa, mais bonita e mais importante do que nossos governantes políticos e econômicos parecem acreditar””, disse o pesquisador.

Vozes indígenas
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Em conversa com diferentes gerações de lideranças amazônicas, indígenas pedem pedem por paz e respeito aos direitos e territórios indígenas. Foto: Amazônia Latitude.

Para compreender as atuais dimensões dos problemas enfrentados pelos povos da floresta, o evento contou com a presença de importantes lideranças indígenas, com Raoni Metuktire Yanomami, Davi Koepenawa e Joênia Wapichana. Reunidos na sexta-feira (31), os representantes indígenas expuseram suas preocupações quanto ao rumo das políticas ambientais e indígenas adotadas em 2019 e pediram pela paz entre os povos.

“No Brasil, está acontecendo invasão de madeireiro, garimpeiro e estão matando lideranças que defendem seu povo, a floresta e não estou aceitando, não estou gostando. Todos têm que viver em paz, ficar amigo um do outro, parente um do outro. Eu quero respeito. Assim como respeitamos vocês, vocês têm que nos respeitar. No Brasil, tem que respeitar que a gente viva do nosso jeito. Eles têm a vida deles e nós tem a nossa vida de índio. Queremos continuar com nossa tradição, costume, dentro da nossa terra”, afirmou o cacique Raoni, após a abertura do Colóquio.

Davi Kopenawa, também líder yanomami, falou brevemente sobre a história do livro A Queda do Céu (2013), escrito em parceria com o antropólogo francês Bruce Albert. Kopenawa disse que escreveu o livro para o homem branco, pois essa é a forma de comunicação que respeitam e entendem, ao contrário dos indígenas, que passam seus saberes e tradições oralmente.

A intenção do xamã com o livro é relatar o contato de seu povo com a cultura ocidental a partir de suas experiências, para que o homem branco se conscientize e procure a paz junto aos indígenas.

“O primeiro branco que chegou na minha comunidade, e eu não conhecia, fazia medo na gente. Os colegas correram pro mato, e eu também me escondi num lugar escondido. Os guerreiros dos yanomami pegaram suas flechas para defender a comunidade. A Queda do Céu conta tudo o que aconteceu. Depois, veio a doença: gripe, malária, que nunca teve lá. Eles levaram doença da Europa e do Brasil para as comunidades. O livro conta tudo, para você ler e pensar”, disse Kopenawa

Os representantes indígenas também aproveitaram a oportunidade para pedir apoio à causa indígena no Brasil. Raoni destacou a importância do apoio internacional frente a governos que se posicionam contra os povos indígenas e a demarcação de suas terras.

Segundo o cacique, a ajuda estrangeira é necessária para que a luta indígena ganhe visibilidade em meio à opinião pública, e que isso pode possibilitar uma melhor organização do movimento e a entrega do Manifesto do Piaraçu, ao poder legislativo brasileiro.

Joênia Wapichana, única deputada federal indígena na Câmara dos Deputados, afirmou que o apoio internacional é efetivo porque exerce maior pressão sobre o governo brasileiro quanto à questão indígena.

A parlamentar defende que o peso econômico europeu, que permite a gerência de fundos internacionais importantes, possibilita a cobrança de maior responsabilidade do governo brasileiro em relação à preservação da Amazônia.

“Eu acho que aqui na Europa, aqui na Inglaterra, qualquer acordo internacional que venha para o Brasil deve ter como premissa um pré-requisito de não violação dos direitos dos povos indígenas, aos direitos humanos e socioambientais, e que isso é uma responsabilidade que pode ser exigida dos governos”, afirmou a Joênia.

Assim como outros movimentos, o colóquio também buscou sensibilizar as futuras gerações de pesquisadores e lideranças sobre a importância da articulação e dos contatos para preservação da floresta.

“Meu nome é Bepró Metuktire, sou da etnia Kayapó. Tenho acompanhado, como faço com meu avô [Raoni], com meu tio Megaron e meu tio Davi. Porque temos defendido as terras indígenas e rios. E foi importante fazer o encontro com as lideranças jovens, porque eles precisam aprender com os antigos”, afirmou o jovem líder. Bepró criticou a situação de jovens que perdem o contato com as lideranças e com a cultura e crescem sem referências.

Dario Kopenawa, dos Yanomami, disse que é preciso, em primeiro lugar, que acadêmicos e parlamentares europeus ajudem a pressionar o governo brasileiro pela retirada dos garimpeiros das terras Yanomami.

“Nós somos um povo que sabe da nossa história, conhecemos nossas especialidades, sabemos tratar nossas doenças, falamos nossas línguas. 100% dos Yanomami falam a língua por isso. A nossa parte já fazemos. Mas a sociedade não-indígena não está contribuindo”, disse Dario. “É preciso mudar o modelo de educação não-indígena para melhorar a compreensão e a relação entre os povos”, afirmou.

Desenvolvimento para quem?
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À direita, Charles Trocate falou sobre as arbitrariedades das empresas de mineração na região Norte. Foto: Amazônia Latitude.

A mesa “Development for whom?”, que discutiu o conflito entre a floresta e o capital perpétuo na modernidade, trouxe Charles Trocate, escritor, filósofo e ativista membro do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), para falar sobre o cenário contemporâneo do embate natureza versus economia.

“Há uma rolagem perpétua do capital. Tristemente, é preciso reconhecer isso: natureza – objeto industrial – consumo – objeto industrial – natureza”, disse Charles Trocante É impossível controlar partes dessa rolagem perpétua. Não existe a retirada da natureza sem o poder de comunicação. O Estado brasileiro nasceu sem a Amazônia e contra a Amazônia, assim como nasceu sem os índios e contra os índios. Essa é a guerra que estamos vivendo”, afirmou Trocate.

Sobre o cenário da mineração e a explosão de garimpos ilegais no ano de 2019, o escritor afirma que o incentivo ao consumo e as facilidades oferecidas à empresas entre o período de 2002 a 2012 é uma das principais causas para o atual estado em que se encontra a mineração no país – segundo Trocate, a atividade de mineradoras no país se expandiu em 400% nesse período, chegando a lugares até então livres de garimpos e complexos minerários.

“O Estado brasileiro não define quantas pessoas vão morar no campo e na cidade: não faz a reforma urbana nem agrária. O Estado não delimita quais estados pode minerar, tampouco a renda dessa mineração. Nessa indefinição, quer se minerar em todos os lugares. Por isso, a bandeira de luta crescente é: territórios livres de mineração”, afirmou o representante do Movimento pela Soberania popular na Mineração (MAM).

Charles Trocate finalizou sua participação dizendo acreditar que a sociedade civil está impotente frente às mineradoras, pois a legislação favorece seus interesses em detrimento da população. Para o líder social, a única maneira de lidar com a situação é através das “lutas jurídico-institucionais, pela perspectiva de construir um modelo de mineração alternativa e alternativas à mineração”.

Tragédia que se repete

O cineasta Jorge Bodanzky apresentou, no segundo dia de colóquio, uma prévia exclusiva do seu novo documentário “Amazônia, uma nova Minamata?”. O filme, ainda sem previsão de estreia, conta como a contaminação por mercúrio proveniente do garimpo na Amazônia emula o desastre de Minamata.

Nos anos 1920, uma empresa lançou na água da baía efluentes repletos de metil mercúrio, que contaminaram os peixes e envenenaram silenciosamente a população da região de Minamata. Os os sintomas e as doenças físicas, neurológicas e sociais são contadas pelo veterano Bodanzky.

Perguntado por um produtor sobre a solução para a contaminação, o cineasta respondeu que “a resposta está no filme. São eles [a população afetada] que vão mostrar os caminhos a que chegaram.”

“Não que os outros filmes do Jorge tenham sido menores, mas pela urgência que vivemos hoje, esse vai ser um dos mais importantes dele. Por isso convidamos o Jorge para estar aqui”, disse o fundador da Amazônia Latitude e professor da Florida State University, Marcos Colón.

“A preocupação, que divido com ele, é que a floresta amazônica está em perigo, mas o homem amazônico corre mais perigo do que fauna e flora. E o filme mostra isso. É o que meu orientador Rob Nixon chama de slow violence: uma violência lenta, gradual e contínua. Ninguém vê, mas está acontecendo.”

 

Imagem em destaque – Bepró Metuktire, Raoni Metuktire, Megaron Txucarramãe, Davi Kopenawa Yanomami e seu filho, Dário Kopenawa. Foto: Amazônia Latitude.

 

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