Medo do coronavírus enfraquece proteção da Amazônia pouco antes da temporada de queimadas

Proteção da Amazônia
Área de desflorestamento ilegal descoberta pelos Uru-Eu-Wau-Wau em 15 de dezembro de 2019 pode ser vista à esquerda. À direita, uma área de desflorestamento ilegal para criação de gado. Foto: Marizilda Cruppe/WWF.
Redução da presença do Estado em campo abre caminho para invasões de terra, alertam ONGs e comunidades indígenas

A pandemia do coronavírus está enfraquecendo a proteção estatal brasileira para a Amazônia e seus povos logo antes da temporada de queimadas deste ano, segundo comunidades indígenas e ONGs.

Um menor número de agentes oficiais está em campo e missões de monitoramento estão sendo adiadas, abrindo caminho para mais invasões de terra e desmatamento, alertam.

Grupos indígenas – os principais defensores da floresta – estão se isolando para se proteger da doença, enquanto pedem ajuda para conseguir alimentos e medicamentos. Eles relatam que há uma escalada da invasão de garimpeiros em algumas áreas, movida em parte pela alta no preço do ouro desde o começo da crise. Nesta semana, o Brasil anunciou o primeiro caso de Covid-19 em sua população indígena. Enquanto a pandemia se espalha pelo país, a violência e as ameaças de morte continuam: recentemente houve a quinta morte entre os “Guardiões da Floresta” Guajajara em cinco meses.

No ano passado, o desmatamento e as queimadas atingiram seus mais altos níveis em mais de uma década, seguindo a ideologia de extrema direita de Jair Bolsonaro, que prega o enfraquecimento da proteção ambiental, o encorajamento de madeireiros e garimpeiros, e faz críticas a comunidades indígenas e organizações voltadas para a conservação.

Proteção da Amazônia

Awapy Uru Eu Wau Wau e sua esposa, Juwi Eu Wau Wau, na Kanandé – Associação de Defesa Etnoambienal, nos arredores de Porto Velho-RO. Eles integram o grupo de monitoramento que vigia a terra indígena para registrar invasões de madeireiros e desmatamento ilegais, Foto: Marizilda Cruppe/WWF.

 

O oficial afirmou que a Amazônia não seria afetada, mas ativistas do estado de Rondônia disseram já ter notado uma redução nas atividades pelo Ibama e ICMBio (órgão estatal responsável pela manutenção de reservas naturais) e o ressurgimento da ameaça de posseiros.

O grupo ambiental WWF e seu parceiro local, Kanindé, dizem que uma grande invasão está sendo planejada para os próximos dias perto da aldeia Alto Jamari, na terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau.

Os posseiros pretendem reunir um grande grupo e começar um tumulto como pretexto para entrar na área e dividir a terra. “Vai começar na próxima semana, então eles querem juntar uma equipe e ir até lá” revela um áudio de WhatsApp passado ao The Guardian.

Essa não é a primeira ameaça à comunidade originária, que já expulsou invasores e enfrentou ameaças de morte anteriormente. Mas os indígenas afirmam que a pandemia fortaleceu os criminosos contra a já reduzida presença de autoridades.

“Os invasores sabem que a doença está enfraquecendo ainda mais os órgãos de inspeção”, disse Awapy Uru-Eu-Wau-Wau ao grupo ambiental.

A WWF Brasil planeja doar 14 drones para comunidades indígenas e governos locais, para que possam conduzir seu próprio monitoramento em tempo real. “Isso nunca foi tão importante quanto durante a atual crise na saúde global, com o monitoramento oficial sendo reduzido, trazendo a ameaça de uma escalada de invasões de terras indígenas”, disse Mike Barret, diretor de ciência e conservação na WWF UK.

No primeiro voo sobre o território Uru-Eu-Wau-Wau, habitantes locais descobriram que 1,4 hectares de floresta foram derrubados sem seu conhecimento no ano passado. Recentemente eles avistaram aviões despejando sementes de pasto na área para que a terra possa ser usada para criação de gado.

O território Yanomami, em Roraima, tem visto um influxo de garimpeiros ilegais. Mesmo que a invasão tenha começado antes da pandemia, grupos ambientais temem que essa tendência se acelere porque a crise impulsionou o preço do ouro e a desaceleração econômica que se seguirá vai pressionar mais pessoas a buscar outras fontes de renda.

Tensões quanto à terra e os recursos naturais têm crescido há algum tempo, em alguns casos levando à violência e assassinatos. Na terça-feira, a imprensa brasileira informou o assassinato de um Guardião da Floresta no Maranhão. Zezico Rodrigues Guajajara, um professor e líder local, foi o quinto membro da etnia Guajajara morto desde novembro. As circunstâncias do crime estão sob investigação.

“Eu sou o líder mais procurado pelos invasores e pistoleiros”, disse previamente a Scott Wallace, jornalista e acadêmico.

Alertas de satélites governamentais mostram que, em geral, o desmatamento é reduzido durante a temporada de chuvas, entre novembro e março, começa a crescer entre abril e junho e alcança seu ápice nos meses seguintes.

Se a atual situação levará a mais desmatamento e queimadas, também irá depender de outros fatores. Uma desaceleração na economia global poderá suprimir a demanda por carne, madeira, minerais, soja e outras produções da Amazônia, o que pode aliviar a pressão sobre a floresta.

Mas isso será contrariado pela provável recessão doméstica no Brasil, que poderia levar mais pessoas pobres a “limpar” a terra para o cultivo de subsistência.

Os riscos à saúde provocados por essas invasões também são enormes. Bolsonaro foi além de Donald Trump em termos de rejeição de conselhos da comunidade científica sobre a necessidade de medidas de isolamento e quarentena para frear a disseminação da doença.

Ele vem encorajando a população a desprezar a restrição adotada pelos governadores, estimulou massivas manifestações de apoiadores e divulgou informações não comprovadas sobre remédios, além de uma suposta resistência imunológica do povo brasileiro.

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Névoa encobre aldeia Jamari, na terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em 16 de dezembro de 2019. Foto: Marizilda Cruppe/WWF.

Suas posições foram recebidas com o repúdio internacional e uma particular preocupação com os povos indígenas no Brasil, que se mostraram terrivelmente vulneráveis a epidemias anteriores. Mais de 90% das populações pré-colombianas das Américas podem ter sido exterminadas pelo sarampo, varíola e outras doenças trazidas por invasores europeus nos séculos XVI e XVII, segundo estudos recentes.

Muitos grupos indígenas estão agora se retirando para suas aldeias na floresta e bloqueando o tráfego externo. Eles têm feito um apelo por mais comida e auxílio médico e condenado a forma com a qual o governo tem lidado com a crise, dizendo ter piorado uma situação que já era ruim.

“Mesmo que o governo tenha imposto restrições a visitantes nos territórios indígenas, por conta de preocupações com a saúde, a medida pode beneficiar criminosos, segundo Antonio Oviedo, coordenador de monitoramento do Instituto Socioambiental, maior organização não governamental de meio ambiente do Brasil.

“Existem regras proibindo a entrada em terras indígenas e áreas de conservação”, disse. “Mas posseiros, madeireiros ilegais e garimpeiros não seguem as regras”.

 

Jonathan Watts é editor global de meio ambiente no The Guardian, onde também exerceu a função de correspondente na América Latina e no Leste Asiático.

 

Imagem em destaque – Área de desflorestamento ilegal desciberta pelos Uru-Eu-Wau-Wau em 15 de dezembro de 2019 pode ser vista à esquerda. À direita, uma área de desflorestamento ilegal para criação de gado. Foto: Marizilda Cruppe/WWF.

 

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