Grupo de pesquisadores publica análise da vulnerabilidade de indígenas ao coronavírus

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Segundo documento, 85 Terras Indígenas se encontram em estado intenso de vulnerabilidade à pandemia

 

Um grupo de pesquisa composto por cientistas de diversas universidades brasileiras publica hoje a “Análise de Vulnerabilidade Demográfica e Infraestrutural das Terras Indígenas à Covid-19”. Segundo os autores, o objetivo do documento é contribuir para os programas de prevenção do coronavírus entre os povos indígenas a partir de avaliação de informações demográficas, infraestruturais e geográficas sobre as terras indígenas.

“A ideia é que o material ofereça subsídios para as ações das próprias comunidades e organizações indígenas e do governo para o atendimento à saúde indígena nesse período de pandemia que estamos vivendo no Brasil”, afirmam no documento Marta Azevedo (UNICAMP), Fernando Damasco (UFF), Marta Antunes (UFRJ), Marcos Henrique Martins (USP) e Matheus Pinto Rebouças (UFF).

Apresentada através de cartogramas e gráficos, a análise parte de fontes já publicadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) dos dados do Censo Demográfico 2010 e desagregáveis por Terras Indígenas (TI) por Estado. Os autores analisaram os dados públicos desse censo e colocaram os mesmos em diálogo com estudos sobre fecundidade e registros administrativos disponíveis, gerando tabulações e cartogramas para apoiar um a análise da vulnerabilidade à pandemia dos povos e comunidades residentes em Terras Indígenas do ponto de vista demográfico e infraestrutural.

Por conta da ausência do Censo Demográfico da década, que teve sua publicação postergada para 2021 em decorrência da pandemia, 29 das 471 TIs reconhecidas pelo Estado foram deixadas de lado por terem sido regularizadas após a publicação do último Censo. Além disso, a análise não conta com o processamento de dados epidemiológicos do avanço da Covid-19 no país, o que demandaria outras fontes de informação ainda não registradas pelo Ministério da Saúde, que começou um estudo em parceria com a Universidade Federal de pelotas baseado no teste de 100 mil pessoas para municiar as autoridades com dados mais precisos sobre o avanço da doença no país.

Confira o documento na íntegra:

Variáveis metodológicas

Para traçar um perfil de vulnerabilidade da população indígena, os pesquisadores adotaram seis variáveis que dialogam com fatores como o comportamento da transmissão do vírus, riscos associados à letalidade, capacidade de manter o isolamento social e rotinas de prevenção, e segurança da situação de regularização das TIs. Essas variáveis são:

  • Percentual de pessoas idosas na TI (PI);
  • Média de moradores por domicílio da TI (MEDMOR);
  • Existência de banheiro de uso exclusivo ou sanitário nos domicílios da TI (SEBX);
  • Rede de abastecimento de água nos domicílios da TI (SRED);
  • Localização da TI em relação aos municípios com disponibilidade de leitos em UTI (MUTI);
  • Estado da situação de regularização da TI (SITTI);

As categorias são quantificadas a partir de dados oficiais do IBGE e informações complementares, como os registros censitários produzidos pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), o que permitiu que os pesquisadores estabelecessem um índice para medir o grau de vulnerabilidade das TIs contempladas no estudo. Através do índice, que pode variar em uma escala de 0 a 1, onde os valores mais próximos de 1 indicam maior vulnerabilidade da TI, o grupo de pesquisadores pôde classificar a situação das TIs em quatro categorias específicas de vulnerabilidade: Crítica (superior a 0,5); Intensa (entre 0,4 e 0,499); Alta (entre 0,3 e 0,399); e Moderada (abaixo de 0,3).

Usando essa metodologia, foram registradas 13 TIs com vulnerabilidade crítica ao Covid-19, sendo a Terra Indígena Enawenê-Nawê (MT) a mais vulnerável de todas, tendo registrado um índice de 0,611. No caso de vulnerabilidade intensa, foram registradas 85 TIs, seguidas por 247 com alta vulnerabilidade e apenas 120 em estado moderado.

Vulnerabilidade

De acordo com Marta Peixoto Azevedo, demógrafa, antropóloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó da Universidade Estadual de Campinas (NEPO/UNICAMP), a falta de estrutura dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIS), responsáveis pelo atendimento aos povos indígenas, é um fator agravante para a alta vulnerabilidade de seus territórios. Além disso, a demógrafa ressalta a baixa imunidade de populações indígenas à infecções respiratórias agudas como fator preocupante.

“Eles moram em lugares onde o atendimento à saúde é específico e feito pelo Ministério da Saúde, que são os DSEIS. Essas equipes que ficam nos polos base, que são postos de saúde nas comunidades, não estão muito bem estruturadas, precisam de EPIs, meios de transporte como barco, voadeira, caminhonete, carro (na TI Yanomami, por exemplo, são aviões). E esse serviço de saúde não tem esses meios de transporte, tem poucos, e nesse momento vão precisar de muito mais”, considera a pesquisadora, que também foi presidente da Funai entre 2012 e 2013, durante o governo Dilma Roussef.

A pesquisa também nota que a situação é mais grave na Região Norte do país, sobretudo no estado do Amazonas, onde as terras Acapuri de Cima e Balaio se encontram em situação crítica e 38 TIs em situação de vulnerabilidade intensa. Quando somadas às TIs com risco alto (70), o estado totaliza 110 TIs em estado de perigo. Rondônia (15), Acre (26), Roraima (30), Pará (40), Amapá (4) e Tocantins (8) apresentam valores muito inferiores ao Amazonas, onde a soma de todas as suas categorias se iguala aos números do Estado em questão.

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Para um efeito comparativo, podemos citar a situação das outras regiões da federação que registraram TIs em estado crítico ou alto: Nordeste (43); Sudeste (14); Sul (27); Centro-Oeste (70), sendo que neste último caso o estado do Mato Grosso responde sozinho por 50 dos registros.

Sobre o caso do Amazonas, a demógrafa Marta Peixoto afirma que a concentração dos leitos de UTI em Manaus, é “um absurdo”, pois a centralização da infraestrutura de saúde em um estado de grandes dimensões como o Amazonas é um dos motivos principais por tornar suas comunidades indígenas mais vulneráveis.

“O Amazonas é o estado que possui a maior vulnerabilidade por conta da inexistência de leitos de UTI, a não ser em Manaus. É um estado enorme e nas cidades grandes do Amazonas não têm esse tipo de atendimento, os hospitais regionais, digamos assim, São Gabriel da Cachoeira tem um hospital regional cuidado pelo exército, em parceria com o SUS, mas que não tem esse tipo de infraestrutura. Então, o que eu penso, é que a gente tem que se precaver logo, pra ontem. Primeiro, meios de transportes das Terras Indígenas até as cidades regionais mais próximas e a instalação de leitos de UTI nessas cidades regionais do estado do Amazonas, e não deixar tudo em Manaus, que é um absurdo. Tem cidades grandes como Tefé, Tabatinga, Benjamin Constant, São Gabriel da Cachoeira, enfim, muitas cidades nesse estado que podem receber essa infraestrutura, assim como o treinamento dos profissionais de saúde pra manusear essa infraestrutura”, diz Marta Peixoto.

A pesquisadora também defende a importância da participação das organizações indígenas no planejamento e execução de ações de prevenção contra o coronavírus.

“São as organizações indígenas que estão fazendo a prevenção do seu território, eles são atores principais, não apenas sujeitos de programas de prevenção. São as pessoas que estão fazendo todo tipo de prevenção que eles acham adequadas depois de eles terem todas as informações a respeito do Covid-19. Então qualquer providência que se pensar para melhorar a possibilidade, para mitigar a vulnerabilidade das Terras Indígenas ao Covid, tem que ser feita e pensada em conjunto com as organizações indígenas”, conclui Marta Peixoto.

 

A imagem em destaque foi feita durante as filmagens de “Amazônia: a Nova Minamata?”, dirigido por Jorge Bodanzky e gentilmente cedida pelo diretor.

 

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