“A doença vai a qualquer lugar do mundo”, disse Davi Kopenawa em fevereiro

Davi Kopenawa

Xamã antecipou perigos do coronavírus e fez críticas sobre a continuidade de violências estruturais no Brasil

Crédito: Victor Pennington / Amazônia Latitude

No começo do ano, Davi Kopenawa Yanomami, xamã e liderança do povo que anuncia no sobrenome, participou do Colóquio Internacional “Amazônia: Violência Crescente e Tendências Preocupantes”, realizado na Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Organizado em parceria entre Amazônia Latitude, Universidade de Cardiff e Universidade Estadual da Flórida, o Colóquio propôs uma reflexão, de 31 de janeiro a 2 de fevereiro, sobre passado, presente e futuro da região amazônica. O evento contou com a presença de importantes lideranças indígenas, com Raoni Metuktire, Davi Kopenawa, Dario Kopenawa e Joênia Wapichana, além de cineastas, professores, artistas e pesquisadores dedicados aos problemas socioambientais da Região Amazônica.

Durante as atividades do colóquio, representantes indígenas expuseram suas preocupações quanto ao rumo das políticas ambientais e indígenas adotadas em 2019 e pediram pela paz entre os povos.

O novo coronavírus já era notícia na época por causa da propagação em algumas partes da Ásia e tornava-se uma preocupação das lideranças indígenas, que passariam a buscar meios para mitigar a contaminação e o impacto entre os povos originários no Brasil.

No último dia do evento, a organização decidiu levar a comitiva indígena para uma visita à construção rochosa Rollright Stones, considerada mais antiga que Stonehenge e a 50 minutos de carro de Oxford. Na van, seguiam Bepró Metuktire, Raoni Metuktire, Megaron Txucarramãe, Davi Kopenawa e seu filho, Dário Kopenawa, o cineasta Jorge Bodanzky, o jornalista Victor Pannington e o professor Marcos Colón.

Durante a visita ao sítio arqueológico Rollright Stones, Pannington perguntou para Davi Kopenawa: “Quais os perigos para o seu povo na Amazônia agora?”

Respondeu o líder:

O perigo está acontecendo faz é tempo. Faz tempo que nós avisamos o governo, a Funai — não, a Funai não, o governo que é responsável. Hoje, agora, em 2020, está acontecendo. E acontecendo, continuam desmatando. Ele não acontece sozinho não. Só vai acontecer, o homem, o homem da cidade derruba a floresta, faz desmatamento e toca fogo. O fogo está queimando milhares de árvores pequenas, grandes, as caças, [tem] biopirataria, remédio natural, caça, estão estragando tudo.

E a doença está aumentando. A doença vai a qualquer lugar, qualquer mundo. Isso aí que é mais preocupante para nós.

Então isso aí é mensagem, mensageiro de que já ‘tá chegando, já ‘tá aproximando, tá aproximando. E outra coisa. O governo, governo nosso, do nosso planeta, ele tá deixando acabar nosso mundo. O nosso mundo da floresta.
E o governo, [do] mundo inteiro, ele só ‘tá prestando pra tirar mais, pra ele enriquecer, pra melhorar o bolso dele, melhorar a luz, tirar madeira, e no Brasil já ‘tá aumentando desmatamento pra plantar soja. A soja quer mais um roçado grande. É isso que acontece.

E outra, água. Água é prioridade. Água é principal [pra] fazer a saúde da gente. Então a água ‘tá contaminada por causa da barragem que eles fecham e fazem uma grande cachoeira, botar uma turbina pra fazer uma ligação na cidade pra iluminar a cidade pra ele. Pra benefício do povo brasileiro e pro mundo inteiro que está deixando acontecer.

E a doença está aumentando. A doença vai a qualquer lugar, qualquer mundo. Isso aí que é mais preocupante para nós. O homem capitalista, moderno, que não trabalha, só trabalha pra assinar papel, ele não tá preocupado, ele só quer se preocupar em arrancar ouro, madeira, soja e outras coisas pra valorizar os bancos. Banco é prioridade pra ele. O papel, aquele de dinheiro, árvore, não serve pra nada, então ele ‘tá pegando ouro, pra fazer força pra trazer energia forte para valorizar os bancos.

Então esse aí é o pensamento das autoridades, que está crescendo.

Situação atual

A Terra Yanomami, com mais de 9 mil hectares distribuídos entre os estados de Roraima e Amazonas, é a maior do Brasil e abriga 26.780 indígenas. A estimativa é que cerca de 20 mil garimpeiros estejam infiltrados no território.

Desde março, com os primeiros casos do novo coronavírus, o acesso às comunidades indígenas está limitado, inclusive para agentes do governo e profissionais de atividades essenciais. Mas a medida não intimidou os garimpeiros.

Segundo especialistas, além da invasão destes garimpeiros, falhas no sistema de saúde e a falta de políticas públicas específicas agravam a pandemia nas comunidades e deixam os Yanomamis sob ameaça de um genocídio.

No final dos anos 60, os Yanomami enfrentaram um surto de sarampo e estima-se que quase 80% da população da etnia foi dizimada. No final da década 1980, com a abertura da Perimetral Norte, o contato com não-indígenas causou a infecção de milhares de Yanomamis por sarampo, varíola, febre amarela e outras doenças.

Um monitoramento da Covid-19 na Terra Indígena Yanomami feito pela Rede Pró-Yanomami Ye’kwana, que utiliza dados de colaboradores e organizações indígenas aponta que, até 21 de junho, há 5 mortes e 168 casos confirmados do novo coronavírus entre as comunidades da etnia.

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