Podcast: José Quintero Weir fala sobre cultura Añuu e ontologia
“Aqui estou, sou José Ángel Quintero Weir, mas porque sou filho de Julia Weir. E ela é filha de Isabel Weir, minha avó, que por sua vez era filha de Berta Weir, que era minha bisavó, filha de Victoria Epinayu, nossa tataravó. Estou aqui porque elas são pegadas de nós todos”, diz o professor.
As mulheres são as pegadas no mundo que possibilitam a existência hoje. É um jeito antigo de apresentar-se a pessoas entre os Añuu, povo indígena do qual o pesquisador faz parte.
“Elas deixam suas pegadas para que nós caminhemos. Como se, ao caminhar sobre elas, caminhássemos sobre o passado. Mas estamos seguindo adiante em nossa própria vida”, conta Quintero sobre as mulheres que o antecederam. E são pegadas deixadas exclusivamente pelas mulheres, já que na cultura os homens são considerados parte do vento.
Entrevistado neste episódio do podcast, José Ángel é professor da Universidade de Zulia, na Venezuela. Aprendeu sobre a tradição Añuu aos 22 anos, porque sua mãe e sua avó viviam na cidade, onde o racismo perseguia as pessoas e os costumes. Foi quando sua mãe contou as histórias dos tios e avós que Quintero nunca havia conhecido. Então começou a descobrir a própria memória e língua, o que mudou toda a sua trajetória.
Sua jornada já soma décadas de trabalho na educação básica e na pós-graduação. O professor se dedica à organização de coletivos indígenas e não indígenas. Para que escutemos uns aos outros, em nossas comunidades, mas que façamos uma escuta ativa e presente.
E, ao escutar o professor, é possível conhecer as histórias de outros povos e de outros modos de estar no mundo.
Entender o tempo
Não existe, na língua Añuu, uma conjugação verbal de futuro no longo prazo. Há uma partícula que significa ‘algo está’. “Se vou amanhã, significa que vou estar. O futuro está à nossa frente, podemos vê-lo, não é algo que está a distância, que não podemos ver — isso é o passado”, explica o professor.
Não existe a possibilidade de ser, senão a de estar. Um sujeito está vivo porque faz, porque tem um fazer. E tem um fazer porque está. Se estamos no mundo, temos um fazer. E não apenas os humanos: as plantas, animais, insetos, o sol, a chuva, os rios. E este fazer sempre precisa do fazer de outros elementos e dos antepassados para existir e ser completo.
“Não há esse futuro, há sempre uma pegada — o passado que te guia no presente. E você vai caminhando como caminha o mundo, dando voltas no espaço”, diz Quintero.
Diálogos
O professor falou sobre o artigo “Da ‘virada ontológica’ ao Tempo de Volta do Nós”, escrito em resposta ao texto “Quem tem medo do lobo ontológico?”, do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. A conversa em texto propõe uma volta ao tempo do Nós, para que se perceba onde erramos e nos perdemos do caminho para podermos retomá-lo. Para os povos indígenas, diz Quintero, a virada ontológica pode não fazer sentido, já que o passo de morte chegou e segue há séculos.
“Neste artigo, Viveiros de Castro diz que estamos rumando para uma catástrofe, e que os povos indígenas, que já enfrentam a morte e o fim do mundo há 500 anos, têm conhecimentos que podem ajudar na sobrevivência da humanidade. Isso me chamou a atenção porque temos vivido essa experiência de como estamos enfrentando a destruição dos nossos territórios, o aquecimento global e, agora, a pandemia”.
A carta diz que ontologia é Eirare, o lugar de onde se vê e se vive, se sente, o lugar-tempo onde se está, que é produto de uma outra palavra, Aryuu, a energia vital que a Terra dá a todos os seres vivos.
O princípio do Eirare orienta as relações sociais, políticas, com a natureza e com o mundo. E isso precisa ser compartilhado com o ocidente, mas que o ocidente precisará aprender para mudar. Porque precisa mudar.
‘Fazertopias’
Quando jovem, Quintero e seus companheiros sempre ouviam falar nas utopias, inalcançáveis e muito além do horizonte. Aos povos originários, parece tolice pensar em um futuro que não se pode ver. Para isso, os esforços devem ser dedicados a construir no espaço e tempo em que se vive. Construir o espaço e o lugar por meio do fazer. Compartilhado com as outras pessoas nas comunidades.
“Isso é fazertopia. Não é construir projetos mentais, mas construir no fazer cotidiano e da vida da comunidade. Uma oposição ao não-lugar, é um fazer-lugar onde estamos habitando. É isso que defendemos. O território não é mais do que o nosso próprio corpo e nosso próprio fazer. Por isso fazemos oposição à ideia da utopia”, afirma.
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