‘Somos produtos de uma sociedade em desarmonia com o ambiente’, diz Zélia Bora

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Especializada em estudos de literatura e ambiente, professora explica o uso da ecocrítica como método e fala sobre os próximos lançamentos da ASLE Brasil

Zélia Monteiro Bora acha que o pós-pandemia aumentará a preocupação com as questões ambientais, mas só se o vírus for entendido como um alerta sobre a devastação. Professora titular da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e colaboradora da Pós-graduação em Letras da universidade, Zélia é doutora em Estudos Portugueses e Brasileiros pela Brown University (EUA).

Em entrevista à Amazônia Latitude, fala sobre ecocrítica, área que estuda a representação da natureza em obras literárias, sobre a qual se debruça e que define como método.

É presidente fundadora da Associação para o Estudo da Literatura e Meio Ambiente do Brasil (ASLE Brasil), um ramo internacional e independente filiado à Association for the Study of Literature and Environment (ASLE).

“Quando Mário de Andrade fala sobre a poluição do rio Tietê em poema do começo do século XX, sugere que nosso processo de desenvolvimento já estava comprometido pela destruição”, afirma Zélia.

A pesquisadora destaca a perspectiva do Sul Global diante da devastação ambiental, as tensões que se verificam entre seres humanos e seu espaço-tempo na literatura, questões filosóficas da contemporaneidade e o grande paradigma deste século: a sobrevivência diante da iminente aniquilação do planeta.

Por meio da atividade docente na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e da CAPES, você organizou o primeiro Congresso Internacional de Literatura e Ecocrítica (CILE) em 2012. O que a motivou a mergulhar nesse tema?

O principal motivador da organização de nosso Congresso em 2012 foi a correlação entre minhas pesquisas sobre a alteridade, desde 1998, e minha experiência com o trabalho voluntário no resgate de animais abandonados nos centros urbanos da cidade de João Pessoa, onde nasci.

Esse trabalho centralizou-se no campus I da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa, onde me tornei vice-presidente e, depois, presidente da Comissão para o Bem-Estar Animal. A iniciativa surgiu graças aos esforços de um pequeno grupo de pessoas da comunidade — Izilda de Fátima, Talden Farias, Eduardo Robenhorst e eu — devido ao contínuo abandono de animais domésticos no Campus, principalmente de gatos e cachorros.

O objetivo da Comissão era promover a adoção desses animais e educar a comunidade sobre a posse responsável. Estabelecemos, anteriormente, a Associação Fórum Estadual de Proteção e Defesa Animal, por meio da qual foi ampliado o diálogo entre nós, a Universidade e órgãos públicos como a Câmara Municipal e a Assembleia Legislativa.

Desse modo, mobilizamos a classe política, na época, para organizar sessões conjuntas e debater sobre o abandono e os maus-tratos contra os animais na capital e no estado como um todo. Como dá para perceber, passei a exercer minha compreensão intelectual sobre o conceito de alteridade, aliado a meu amor, quando criança, pelos animais.

Juntos, foram transformados em ação política e educativa. Transformei esses conhecimentos em cursos de extensão nas escolas municipais e cursos de pós-graduação e orientações de teses e dissertações. Ao mesmo tempo, a destruição da natureza nos levou a observar que diferentes grupos sociais sofriam mais do que outros os impactos da destruição ambiental.

Baseados nesses princípios, começamos a organizar nossos Congressos Internacionais, objetivando reunir o maior número possível de pesquisadores de diversas áreas das humanidades que pesquisassem sobre o mesmo tema. No terceiro ano de realização do evento, o projeto já estava consolidado internacionalmente, por meio da fundação da ASLE Brasil. Foi um avanço significativo, em termos de comunicação com colegas de outras universidades fora do Brasil, especialmente com o professor Scott Slovic, um dos principais expoentes da Ecocrítica norte-americana.

Em 2020, o Congresso Internacional de Literatura e Ecocrítica (CILE) caminhava para a sua 5ª edição, focado no tema da Ética Animal, quando foi interrompido pela pandemia de Covid-19. De que forma esse tema se relaciona com o que o professor Enrique Leff chama de crise sistêmica — crises econômica, climática, epidemiológica, moral e existencial?

A sociologia e a história ambiental, na América Latina, assim como a história ambiental nos continentes africano e asiático, são instrumentos fundamentais para entendermos os diversos fatores ligados à devastação ambiental.

Como sabemos, esses continentes passaram para a história da economia mundial como grandes produtores de matérias-primas empregadas para o desenvolvimento nos países do Hemisfério Norte. Porém, a maior ironia do fato é que, ao contrário desses países, os efeitos da devastação ambiental contribuíram ainda mais para acentuar a pobreza endêmica e grande parte da desigualdade social nesses continentes.

Embora se discuta sobre o grau de responsabilidade dos diversos agentes na destruição do planeta, chegou-se à conclusão de que a destruição do mesmo está atingindo patamares irreversíveis.

Daí, podemos constatar que, embora as responsabilidades sobre a destruição sejam diferentes, uma pequena ou grande alteração sobre o ecossistema produz um efeito catastrófico no planeta como um todo, pois todos os seres que nele habitam têm uma função diferente e complementar no seu equilíbrio.

A noção de crise sistêmica é real e deve ocupar o contexto social por muito tempo ainda. Ela está ligada à 5ª edição do CILE, pois “sistêmica” é um termo preciso para descrever as relações entre o humano e o meio ambiente. É uma palavra muito importante para entendermos que é inadmissível manter o essencialismo humano sobre as demais existências.

Enrique Leff, Fritoj Capra, Jane Goodall e outros concebem a relação entre nós e os demais seres viventes como sistêmica. Ou aceitamos essa prerrogativa como uma condição existencial de nossa vida presente e da sobrevivência do planeta, ou experimentaremos mais e mais os efeitos de sua destruição.

Em outras palavras, ou mudamos a forma de nos relacionarmos com a natureza, ou estamos destruindo a nós mesmos. A maior prova disso é o Sars Cov 2 e o fabuloso salto zoonótico que tem vitimado a humanidade.

Quando Mário de Andrade fala sobre a poluição do rio Tietê em poema do começo do século XX, sugere que nosso processo de desenvolvimento já estava comprometido pela destruição.
Professora, você poderia explicar qual a relação entre a ecocrítica, os estudos pós-coloniais e o ecofeminismo, considerando seu atravessamento pela literatura?

Entendo o pós-colonialismo e o ecofeminismo, assim como os estudos animais humanísticos, como instrumentos essenciais na elucidação do fenômeno literário ou da construção de uma ecocrítica da perspectiva do Sul Global. Estão em jogo o local de onde emitimos o nosso discurso e as especificidades sobre nossa identidade, seja individual ou coletiva. Esses motivadores nos ajudarão a entender melhor como construímos nossa experiência de nação e o papel de cada indivíduo dentro dos grupos sociais e suas relações com o ecossistema.

De que forma a literatura brasileira representa a tensão existente entre os humanos e seu espaço-tempo?

Bem, a literatura é uma representação da realidade e como ela é interpretada por cada escritor. É também caracterizada pela experiência social e temporal vivida pelo mesmo. A tensão entre tempo e espaço é muito importante porque, além de especificar a experiência do sujeito em determinado tempo histórico ou psicológico, representa o espaço geográfico ou psicológico.

A tensão é, digamos, um ponto de equilíbrio narrativo na vivência das personagens e protagonistas. Ela se transforma em diferença enquanto esses agentes se digladiam por suas ideias. No caso dos temas ambientais, esses espaços e temporalidades são muito importantes porque elas podem nos dizer muito sobre o estabelecimento dessa memória ambiental.

Por exemplo, quando Mário de Andrade fala sobre a poluição do rio Tietê, em seu poema, Meditações sobre o Tietê, no começo do século XX, ele sugere que o processo de industrialização e desenvolvimento brasileiro no início do século passado, já estava irremediavelmente comprometido pela destruição da natureza. O mesmo acontece com a escrita do amazonense Dalcídio Jurandir, quando ele escreve sobre os incêndios da Amazônia e os agentes causadores da destruição da floresta. Por incrível que pareça, não mudou muito a diferença entre os agentes ficcionais e os agentes reais causadores do problema.

A literatura está cheia dessas inseguranças e de gente que se parece com a gente e que, afinal, não são heróis de nada.
O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han fala que a erosão do ‘outro’ está na origem de uma crise do amor, mas também da literatura e das artes em geral. Com a crescente narcisificação de si mesmo, em uma sociedade que cultua o desempenho individual, a percepção de alteridade se dilui: o outro não existe. A senhora concorda com o filósofo? A literatura brasileira contemporânea demonstra algo nesse sentido?

Parece bastante lógica a proposta do filósofo se entendi bem os seus ensaios. Em termos de continuidade temática, ele dá prosseguimento à discussão canônica sobre o tema “capitalismo e fragmentação humana”, que foi amplamente debatido pelo materialismo histórico da Escola de Frankfurt.

No entanto, essa discussão adquire perfis muito mais abrangentes quando se avalia essa “perda da humanidade” em função dos contextos históricos e existenciais, se considerarmos a perspectiva de Walter Benjamin e Hannah Arendt, que me parecem ser pontos intertextuais entre os filósofos e os temas desenvolvidos por ele.

Vejo ecos da obra de Benjamin e o seu conceito de fim de história que ele via com o advento do nazismo. No caso de Hannah Arendt, concepções semelhantes são tematizadas em Origens do Totalitarismo. Parece-me que ambos prenunciaram o caos em que estamos vivendo, em termos de uma apreciação e compreensão da história humana sobre o temor cada dia maior da dissolução das sociedades cada vez menos democráticas.

Para mim, há também, em seu pensamento, ecos do conceito de sociedade líquida de Zygmunt Bauman e, obviamente, um diálogo com filósofos como Nietzsche, Deleuze e Giorgio Agamben. Imagino que nunca a concepção de fim da história esteve tão presente nesse novo milênio com o ressurgimento de anseios totalitários por parte de muitos líderes mundiais.

Essa desesperança evidencia-se ainda mais com a degradação da natureza e o perigo de extinção do planeta. Juntos, acrescentam o sentimento de aniquilação individual e coletiva e, consequentemente, o aumento do desamor. No presente, em geral, não se consegue visualizar nenhuma utopia pela qual valha a pena lutar a não ser pela sobrevivência do planeta, que é a nossa própria vida e nossa casa comum. Enquanto uns compartilham dessa ideia, verificamos a predominância cada vez maior de um “novo mal” do século, caracterizado pela depressão e um interminável cansaço mental, que o filósofo transformou em um dos temas de sua discussão.

A representação dessa “perda de sentido do mundo” em literatura se dá de forma bastante sofisticada. No entanto, esse esvaziamento não se encontra simplesmente identificado como um mal ou como uma doença orgânica facilmente identificável com uma situação clínica, mas aparece por meio de protagonistas e personagens que esboçam certa concepção de mundo angustiante. Esses personagens emergiram com muita frequência na literatura brasileira a partir de 1945. Por meio deles, boa parte dessas atitudes foram identificadas pelos críticos como “posturas existencialistas”, muitas vezes, associadas a concepções expressas por Jean Paul Sartre, bastante popular no Brasil durante décadas.

Podemos identificar uma série de personagens desse tipo, por exemplo, em Graciliano Ramos, em seu clássico romance Angústia, passando pela imensa complexidade das personagens de Clarice Lispector e vários outros romancistas e poetas, até chegar a um mundo completamente distópico e ecologicamente destruído de Ignácio de Loyola Brandão.

Poderia mencionar tantos e tantos outros romances canônicos da Literatura Brasileira em que esses personagens vivem situações absurdas e suas vidas perdem completamente o sentido. Desde a segunda guerra, passando pelos anos 60, a literatura está cheia dessas inseguranças e de gente que se parece com a gente e que, afinal, não são heróis de nada. Afinal, somos todos produtos de uma sociedade em desarmonia com o meio ambiente e, portanto, as personagens como nós são carentes dessa segurança há muito perdida.

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Para Zélia, a literatura de cordel está à frente da literatura tradicional no tema do ambiente, pelo preço, pela divulgação e pelo acesso. Foto: Diego Dacal/Wikipédia.

Qual a importância da ecocrítica e quais são seus expoentes hoje no Brasil? Você nota alguma evolução nesse estudo desde que o tema chegou ao país?

Em primeiro lugar, gostaria de definir o que a ecocrítica significa para nós que estamos fora do Hemisfério Norte. Entendemos o termo como um método, um conjunto de pressupostos, um “movimento” dentro da literatura, um pensamento e uma prática. Não gostaria de definir os escritores A ou B como ecocríticos, porque iniciaram suas produções antes do aparecimento do termo. No entanto, sua obra pode adequar-se muito bem à utilização do método para interpretá-la.

Porém é preciso ter muito cuidado, porque o método pode ser utilizado muito bem para interpretar determinada obra, mas não outra. Nós brasileiros não gostamos de rótulos, especialmente dentro da literatura. Isso é perigoso com escritores vivos, que ainda estão escrevendo, sob o risco de dar rótulos.

No momento, a ecocrítica tem sido utilizada como método de forma bem sucedida para a leitura de obras de Vicente Franz Cecim, Vera do Val, Dalcídio Jurandir e outros. Creio que o que temos no Brasil são narrativas com maior ou menor ênfase sobre a relação entre o ser humano e o meio ambiente. É uma forma mais segura de continuar as pesquisas dentro da literatura brasileira.

No que se refere à evolução da ecocrítica nas pesquisas sobre nossa literatura, o número de pesquisadores ainda é tímido, porém há uma evolução, especialmente no grupo de pesquisadores da ASLE Brasil, que tentam ver a pertinência da utilização do método para o estudo de alguns escritores em suas pesquisas.

Embora a natureza sempre tenha estado presente na literatura, apenas no fim dos anos 1970 foi que passou a ser analisada cientificamente nas obras. Apesar disso, ainda hoje esse tema é muito restrito ao ambiente acadêmico. Como popularizar a ecocrítica?

Esperamos que nossos congressos interregionais nos ajudem nesse sentido. Creio que a vida pós-pandemia trará naturalmente uma preocupação maior com as questões ambientais. Isso se o vírus for entendido como um alerta sobre a devastação. Espero que os escritores e pesquisadores não esperem aumentar a devastação ambiental para privilegiar esse tema. Não escrevemos só para o presente, mas também para o futuro. Precisamos continuar a educar as pessoas a terem mais amor e compaixão pela natureza como um ato contínuo. Mas há muita perversidade e um grande número de psicopatas com o poder nas mãos.

Outros continuam torturando animais e matando árvores sem punição. Você tem razão, no que se refere à correlação entre o vírus e a devastação da natureza, mas não vejo essa ênfase no Brasil. Vejamos os trabalhos que aparecerão depois que a mortandade pelo vírus for controlada com a vacinação.

Que dificuldades você identifica no processo de despertar uma consciência sobre o problema da destruição da natureza e suas consequências para a vida no planeta? Que caminhos você enxerga para a criação de uma nova ética sobre o meio ambiente?

Só posso dizer que precisamos do empenho de todas as áreas acadêmicas e todos os setores da sociedade, sobretudo a religião e a educação. Ser cristão, para mim, é defender os pequeninos. Nesse contexto, significa amar e cuidar dos animais e da natureza. É ter compaixão ou implementar o exercício da compaixão. Mas isso não tem sido enfatizado, a não ser pelo esforço do Papa Francisco e a encíclica Laudato Si, divulgada pela Igreja Católica.

Porém, outras denominações cristãs preferem falar do “reino dos céus” do que da nossa terra, nossa casa. Essa é a maior dificuldade que temos atualmente – alcançar o público comum, que enche as igrejas e os campos de futebol e não é ensinado a preservar a natureza.

É possível restaurar nossas sociedades e fazer predominarem valores nobres, entre eles, a defesa da natureza como um discurso de maior alcance capaz de abafar a perversidade de muitos. Mas isso é uma luta contínua e diária. Ela começa em casa, na escola, e dissemina-se pelo resto da sociedade em busca de agentes judiciais ávidos por cumprir seu dever junto à sobrevivência da natureza. Essa é uma luta entre o bem e o mal.

É possível interromper os ciclos de autoaniquilação da humanidade, quando urgências ainda mais imediatas, como a fome, se abatem sobre a maior parte da população mundial? Mesmo que o avanço da degradação ambiental esteja associado ao recrudescimento da crise climática e da produção de alimentos, como transformar esse assunto na ordem do dia de todos, incluindo as populações mais miseráveis?

Isso é uma luta que sempre esteve presente em certos programas de governos. Porém, a política não consegue sair de sua própria retórica, porque colide com interesses pessoais dos políticos, que tratam imoralmente o cuidado da sociedade, motivados pela corrupção de suas mentes e por ações que neutralizam as aspirações direcionadas à sobrevivência dos mais fracos.

Nos países do Sul Global, a fome e a miséria econômica são lembradas apenas pela eloquência dos governos populistas, mas a realidade se mantém inalterada e, hoje, mais grave em todo o mundo.

Como interromper esses “ciclos de autoaniquilação”? Creio que não podemos mudar a sociedade por meio de revoluções sangrentas que substituem a opressão vigente por outra. A verdadeira modificação social pode ser implementada pela modificação interior de cada indivíduo.

Enquanto isso não acontecer, a humanidade viverá essa luta entre o bem e o mal. Assim, podemos escolher entre um lado ou outro, mas é bom saber também que as escolhas produzem reações que atingem milhares. Quero acreditar que, de algum modo, o mal não passará impune no universo. Porém, ele deve ser combatido na sociedade com o exercício da compaixão e da sabedoria e do correto agir da Justiça em benefício da ordem social.

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Trabalho voluntário de resgate de animais abandonados foi um dos motivos para Zélia direcionar seus estudos para o campo ambiental. Montagem de Fabrício Vinhas em foto de Zélia Bora. Arquivo/Amazônia Latitude

O Modernismo foi o último movimento literário categorizado no Brasil. A quase um século completo da Semana de Arte Moderna, nossas criações sofreram inúmeras modificações. Você consegue identificar, na produção atual, um novo tipo de construção literária? Se sim, como é sua relação com as problemáticas socioambientais do país?

A literatura é contínua e modifica-se de acordo com as exigências da sociedade. Há muita coisa escrita espalhada pelo país sobre o problema da degradação ambiental. Novos escritores surgem a todo momento, mas o acesso aos meios de produção e, principalmente, divulgação é o mais difícil. Nesse caso, a literatura de cordel está à frente da literatura tradicional, pelo preço, pela divulgação e pelo acesso. Há uma grande quantidade de escritores de vários perfis intelectuais produzindo o cordel. Publicamos uma antologia do meio ambiente e estávamos planejando um segundo volume quando a pandemia eclodiu. Mas voltaremos a fazer isso tão logo a segurança de viagem permita um deslocamento mais bem protegido.

Acredito que a indústria literária nunca passou por um momento mais difícil do que esse. Embora a internet seja uma forma fácil de divulgação, ela é compartimentalizada. Ela separa e confunde o navegador menos informado, uniformizando sua opinião e, geralmente, direcionando para atitudes violentas e reacionárias. Porém, muitos navegadores têm “inclinação” para seguir certas orientações nefastas. Com a internet, eles se fortaleceram e passaram a integrar um grupo em que encontrou pertencimento. Há no Brasil uma ojeriza generalizada relacionada ao conceito de bom e útil em benefício do execrável, violento e desrespeitoso.

Creio que Baudrillard estava correto quando chamou a atenção de que estávamos entrando na era do simulacro, das simulações. Da tensão entre o real e o falso, afastou-se o conceito de verdade, ética e moral. Nesse caso, a internet, do jeito que está, é culpada por “naturalizar” o simulacro.

Essas questões tomaram corpo recentemente nos Estados Unidos e no Brasil, sob o tema da liberdade de expressão. Ora, a liberdade de expressão passa pelo o que é ético e moralmente aceito. Sem esses parâmetros a sociedade transforma-se em um caos generalizado. Nesse caso, a literatura tem uma responsabilidade imensa, se for lida e se voltar a ocupar um lugar privilegiado na sociedade.

Entendo que a Ecocrítica pode fazer a literatura recuperar esse status e, ao mesmo tempo, cumprir o seu dever como arte participativa e social. Esse esforço tem sido posto em prática, por exemplo, pelo Instituto de Advocacia Pública, por professores de direito ambiental, graças aos esforços de Guilherme Purvin, e por nós, que fazemos a ASLE Brasil.

Juntos, estamos promovendo um concurso literário sobre narrativas ambientais (já é o terceiro que o Instituto promove). Creio que um dos objetivos do concurso é incentivar o aparecimento de novos escritores dedicados a problemas contemporâneos, especialmente ligados a essas questões.

Sobre o que está pesquisando no momento?

Bem, estou organizando, junto com os professores Animesh Roy, da Índia, e Ricardo de la Fuente Ballesteros, da Espanha, dois volumes sobre Literatura, Cultura, Meio Ambiente e Pandemia. O projeto foi aceito pela Lexington Books.

Para quem ainda não conhece o seu trabalho, por onde começar?

O meu trabalho começou com a questão da identidade nacional e os sujeitos periféricos, que foi tema de doutorado. Depois, foi publicado um livro em espanhol, sob o título Naciones (Re) construidas, Politica Cultural e Imaginación, pela Universidad de Valladolid, Espanha. Esse foi o começo.

Imagem em destaque: montagem de Fabrício Vinhas sobre foto de Zélia Bora. Arquivo pessoal.

 

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