O futuro é ancestral: Como pisar suavemente na Terra
No 10º Fórum social Pan-Amazônico (X FOSPA), uma exibição especial do documentário “Pisar Suavemente na Terra” enfatiza que a “Sociedade Ideal” deve nascer da relação homem-natureza, passando de antropocêntrica para biocêntrica
Neste sábado (30), no Auditório Benedito Nunes da Universidade Federal do Pará (UFPA), a amplitude da diversidade de povos da Pan-Amazônia estava representada na casa cheia e assentos lotados por pessoas de todos os lugares. O título da discussão do dia – e também do futuro documentário “Pisar Suavemente na Terra” – nasce de uma fala do ativista e escritor Ailton Krenak:
“O futuro é ancestral e a humanidade precisa aprender com ele a pisar suavemente na terra.”
A exibição especial do documentário “Pisar Suavemente na Terra” arrecadou sorrisos, comentários, aplausos e, acima de tudo, identificação. O evento contou com a presença ilustre dos protagonistas das histórias contadas, além do diretor do filme, Marcos Colón e, Bruno Malheiros, geógrafo da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa).
O processo de produção durou três anos, devido à interrupção da pandemia de coronavírus. Mas, mesmo com imprevistos, o filme transmite com uma linguagem universal o sentimento da resistência.
Resistência Indígena: histórias entrelaçadas pela luta
No contexto de séculos de atividades predatórias, desmatamento, garimpo e projetos de desenvolvimento econômico que visam a ocupação de terras, encontra-se a cacica Katia Akrãntikatêgê, de Marabá, no Pará, que luta num território tomado pela exploração de minérios e empreendimentos.
Katia e seu povo vieram das montanhas de Tucuruí, expulsos por fazendeiros. Segundo ela, por conta disso, traz resistência consigo – assim como seu pai, Payaré.
“Contamos histórias de países e cidades diferentes. Mas elas são muito parecidas e, portanto, têm o mesmo impacto. Espero que esse filme venha rodar o mundo inteiro e impactar as pessoas, para que consigam entender a nossa história, a história com “H” maiúsculo, história de realidade do que vivemos”, afirma.
José Manuyama, indígena Kukama da Amazônia peruana, lida com a contaminação dos rios. Pepe, como é carinhosamente chamado, fala emocionado sobre sua história de luta.
“Não podemos nos sentir tristes, porque somos parte de algo grande que une a todos. Por isso, somos uma pedra no sapato”, afirma.
A terra não precisa de mais desenvolvimento ainda, desenvolvimento este que progride com a destruição, produz guerras e mata gente. O documentário nasce diante deste contexto como um alerta: “Pisar suavemente na Terra é uma poética que veio de um lugar onde rios e paisagens estão assoladas pela fome e miséria, projetadas pelo capitalismo”, diz Krenak. “Aquilo ali não é onde não deu certo, é onde deu certo. Dá errado quando é preciso nos encontrar no meio do caminho”, completa.
Ele declara: “Somos boas pedras no caminho das grandes corporações”.
A narrativa é um despertar de vozes anoitecidas pela barbárie do capitalismo. “O sistema monetário na Amazônia sempre foi uma guerra. Com a pandemia, se intensificou”, diz Malheiros, professor da Unifesspa. Em 2021, no ápice da pandemia, a mineradora Vale reportou um lucro recorde de R$ 121,2 bilhões.
Essas vozes sugerem que a floresta tem relação direta com a diversidade étnica e ideológica, semeada por inúmeros povos. Se existe alguma tecnologia viável, não são os aparatos tecnológicos. São justamente esses povos que construíram a tecnologia, e ainda conseguem manter a Amazônia de pé.
“O que fazemos com o cinema ou com uma câmera, é só despertar essa técnica ancestral que talvez indique algum caminho”, destaca Bruno. A segurança está no futuro ancestral – e é tudo que temos agora.
A “Sociedade Ideal” está distante. Sem dúvidas, não é antropocêntrica. Deve nascer da relação da relação homem-natureza – portanto, seria biocêntrica.
A cultura predatória das corporações, que comem a Terra, traz riscos para o todo: o planeta não precisa de mais desenvolvimento e progresso. O amplifica a voz dos povos originários, que ensinam a enxergar – e voltar – ao futuro ancestral com aquilo que deu certo.
“O que leva esse povo a resistir, após 500 anos, é a alegria”, conclui o produtor e diretor Marcos Colón. Hoje, se faz necessário saudar a ancestralidade e pisar suavemente na Terra.