Violência entra em campo na Amazônia
Torcidas viram facções enquanto agressões e mortes contaminam rivalidade no futebol no Pará
28 de setembro de 2011. A seleção brasileira enfrenta a Argentina no estádio do Mangueirão, em Belém do Pará. Antes da bola rolar, uma multidão de 40 mil vozes converteu torcedores em um coro que arrepiou o país ao cantar à capela todo o hino nacional.
Isso porque mesmo quando a melodia parou de ressoar no estádio a torcida continuou a cantar a letra até o fim no que é tido como um dos mais belos momentos do esporte brasileiro.
Treze anos depois, o esporte no Pará é lembrado por outros motivos. No dia 28 de setembro de 2024, 239 pessoas foram presas e 32 adolescentes apreendidos no que se tornou o maior caso de violência ligada ao futebol na história do Pará.
O tumulto e quebra-quebra entre torcedores do Clube do Remo e do Paysandu, que dividem o favoritismo entre os paraenses, e os torcedores do Sport Recife tomou conta da avenida Almirante Barroso, um dos principais corredores de tráfego da capital, Belém.
A mesma torcida apaixonada por futebol saltou de demonstrações públicas de afeto dentro de campo para cenas cinematográficas de agressão e medo no entorno de estádios e, assim, a violência ligada aos esportes se tornou um desafio para as forças de segurança.
No centro deste embate estão as torcidas organizadas e a polarização quase religiosa que os torcedores de Remo e Paysandu alimentam. Apenas em 2024, a Polícia Civil paraense investiga três mortes ligadas ao futebol no que parece ser um agravamento da crise instalada fora de campo.
Agravamento da violência entre torcedores
4 de fevereiro de 2024. Após uma partida entre os times do Remo e Paysandu torcedores do “Papão” que estavam em dois ônibus ainda nos arredores do principal estádio paraense descem em plena Avenida Independência após avistarem torcedores rivais. Thiago Aryan da Silva, membro de uma torcida organizada do “Leão Azul”, é espancado até a morte.
7 de fevereiro de 2024. José Carlos da Silva, 37 anos, integrante de uma torcida organizada do Paysandu é encontrado morto após vídeos da execução dele circularem nas redes sociais.
O assassinato ocorreu após áudios e textos atribuídos a uma facção criminosa proibindo que torcidas organizadas usassem qualquer elemento de identificação circularem em Belém, após as brigas que acabaram na morte de Thiago Silva. José estaria com uma camisa de torcida do “alviceleste” quando foi morto na Estrada do Abacatal, em Ananindeua, a cerca de 20 Km do centro de Belém.
7 de abril de 2024. Paulo Alexandre Dias, de 29 anos, é atingido por tiros no estacionamento do Mangueirão após uma partida entre Remo e Paysandu. O policial militar da reserva Cristóvão Alcântara Evangelista foi preso acusado de ter disparado contra a vítima. Em julho, a prisão foi convertida em medidas cautelares. O advogado dele, afirma que no momento do tumulto, para dispersar a multidão, o cliente teria feito quatro disparos para cima que teriam atingido Paulo Alexandre.
Três dias depois, a Operação Cartão Vermelho da Polícia Civil cumpre 25 mandados de prisão preventiva de pessoas ligadas às mortes de Thiago Aryan e José Carlos.
Mas a violência estava ainda longe do fim.
31 de agosto de 2024. O clube do Remo venceu o Botafogo da Paraíba no Mangueirão numa partida com recorde de público pela Série C do Campeonato Brasileiro. Porém, o que marcou a data foi o momento em que, após apedrejar um ônibus cheio de torcedores do time paraibano, um extintor é arremessado do anel superior do estádio em direção a pessoas que estavam assistindo ao jogo e contra policiais da Ronda Ostensiva Tática Metropolitana (ROTAM). Dez pessoas foram presas, uma delas no estado da Paraíba, três foram acusadas de “Homicídio Qualificado Tentado por Motivo Fútil”, entre outros crimes.
23 de setembro de 2024. Tumulto e vandalismo tomam conta da Avenida Almirante Barroso em Belém. Cenas que aterrorizaram quem circulava a pé ou de ônibus em um dos principais corredores de tráfego da capital paraenses. No centro da confusão, torcedores do Remo, do Paysandu e do Sport Recife. Ao todo, 239 adultos foram presos e 32 adolescentes apreendidos no que se tornou o maior caso de violência ligada aos esportes no Pará.
Guerra declarada contra torcidas organizadas
Uálame Machado (Coletiva)
Paixão inflama violência
Pesquisador
Identidades regionais X vínculo esportivo