Amazônia em 20 minutos: retrospectiva da Amazônia em 2023

Amazônia em 20 minutos
Foto: Tânia Rego/Agência Brasil e Marcos Cólon. Arte: Fabrício Vinhas/Amazônia Latitude
Amazônia em 20 minutos

Foto: Tânia Rego/Agência Brasil e Marcos Cólon. Arte: Fabrício Vinhas/Amazônia Latitude

Em 2023, a Amazônia brasileira viu novas perspectivas em um novo governo federal, sediou uma conferência que reuniu líderes de outros países da região amazônica e vivenciou uma das piores secas da última década, consequência das mudanças climáticas.

Em meio às ações efetivas de combate ao desmatamento e à criminalidade, discussões sobre o marco temporal das terras indígenas e sobre a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas causaram preocupação.

Ao longo do ano, a Amazônia Latitude se dedicou a compartilhar todas essas notícias e, ainda assim, continuar com a cobertura científica da Floresta Amazônica. Desde junho, estamos realizando o especial “Pensando a Amazônia pela Literatura”. Nele, pesquisadores, escritores e críticos literários escreveram artigos, resenhas e deram entrevistas sobre a importância de pensar a Amazônia por meio da poesia e da prosa, relembrando obras clássicas e dando visibilidade para as novas produções.

Esses são os destaques do “Amazônia em 20 minutos”, uma versão extendida do podcast semanal “Amazônia em 5 minutos”. Este episódio traz uma retrospectiva do que aconteceu na maior floresta tropical do planeta em 2023.

Ouça o episódio completo:

Governo Lula

O ano de 2023 começou com a promessa de uma nova realidade para a Amazônia. Os quatro anos de governo de Jair Bolsonaro chegaram ao fim. E a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometia o fim de práticas como o garimpo ilegal e o desmatamento, que assolaram a região no mandato anterior.

“Nossa meta é alcançar desmatamento zero na Amazônia e emissão zero de gases do efeito estufa na matriz elétrica, além de estimular o reaproveitamento de pastagens degradadas”, disse o presidente durante a posse. “O Brasil não precisa desmatar para manter e ampliar sua estratégica fronteira agrícola. Não é preciso derrubar nenhuma árvore. É só replantar os 30 milhões de hectares de terras degradadas, que a gente vai poder viver sem derrubar madeira, sem fazer queimada e sem precisar invadir os nossos biomas.”

Ao longo do ano, o presidente colocou em ação diversas medidas para reverter parte dos danos causados durante o governo anterior. Entre as principais medidas tomadas por Lula para a Amazônia estão: a retomada do Fundo Amazônia e do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm); a criação de operações contra a criminalidade na região; e a demarcação de novas terras indígenas.

Fundo Amazônia e PPCDAm

No dia 1° de janeiro, dois dos primeiros decretos assinados por Lula retomavam o Fundo Amazônia e o PPCDAm. O Fundo Amazônia foi criado em 2008, com o objetivo de arrecadar recursos para o combate ao desmatamento e a preservação da Amazônia Legal. O fundo estava parado desde abril de 2019, quando o governo de Jair Bolsonaro extinguiu dois dos comitês de gestão.

Desde sua retomada, em janeiro de 2023, pelo governo de Lula, o fundo já recebeu cerca de R$4 bilhões em doações de diversos países e blocos econômicos, sendo eles: Estados Unidos, Reino Unido, Noruega, União Europeia e Suíça.

Já o PPCDAm, é um plano criado em 2004 com o objetivo de combater o desmatamento na Amazônia Legal. Entre 2004 e 2012, o PPCDAm foi o responsável pela redução do desmatamento na região em mais de 80%.

O Plano também foi paralisado no governo de Jair Bolsonaro, o que resultou num aumento de 59% do desmatamento da Amazônia. Com sua retomada pelo presidente Lula, em conjunto com outras ações implementadas pelo governo atual, a redução do desmatamento na Amazônia foi de 22% entre agosto de 2022 e julho de 2023, se comparada ao mesmo período do ano anterior.

A notícia foi anunciada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, como uma vitória. “Eu dizia que se nós conseguíssemos uma redução no âmbito geral de 10%, nós já estaríamos alcançando um grande sucesso. Mas o que nós alcançamos foi uma redução de 22% do desmatamento, mesmo já tendo uma contratação de 6 mil km² deixados pelo governo Bolsonaro”, afirmou a ministra.

Outro exemplo de ações de combate ao desmatamento foram as operações Retomada, implementadas pela Polícia Federal. Na Operação Retomada I, a Polícia Federal prendeu o empresário Bruno Heller, considerado o maior devastador do bioma amazônico. Heller é suspeito de desmatar um território equivalente a quatro vezes a ilha de Fernando de Noronha. Na Operação Retomada II, a Polícia Federal investigou uma organização responsável pelo desmatamento de cerca de 22 mil hectares de floresta no município de Santarém, no oeste do Pará.

Desde janeiro, ainda foram implementadas ações para o fortalecimento da segurança pública. A primeira delas foi a operação Libertação de retirada de garimpeiros da terra indígena Yanomami, em Roraima e no Amazonas. A ação foi criada quando os Yanomami passavam por uma tragédia humanitária de doenças, desnutrição e contaminação por mercúrio. Outra operação com o mesmo objetivo foi deflagrada na terra indígena Apyterewa, no Pará.

Em julho, Lula também assinou o decreto nº 11.614/2023, que instituiu o “Plano Amazônia: Segurança e Soberania”, abreviado como Plano Amas. O principal objetivo do Plano é o combate a crimes ambientais e de outros tipos com ações de segurança pública. Desde novembro, os estados da Amazônia Legal já podem aderir ao Plano Amas.

Criminalidade

Por outro lado, o governo federal criou contradições e precisou lidar com resquício da gestão anterior. Ao mesmo tempo em que operações para o aumento da segurança pública foram criadas, o aumento da criminalidade na região causa preocupação.

De acordo com um estudo publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no fim de novembro, a taxa de mortes violentas na Amazônia Legal foi 45% superior à média nacional em 2022. A taxa de feminicídios foi 30,8% superior à média nacional.

O estudo ainda revelou que ao menos 22 facções criminosas brasileiras e estrangeiras atuam em 178 municípios da Amazônia Legal, e que as apreensões de cocaína triplicaram em quatro anos.

Esses dados revelam a presença do narcogarimpo na região amazônica, uma atividade que funciona a partir da aliança entre o crime organizado para o tráfico de drogas e o garimpo.

Ministério dos Povos Indígenas e marco temporal

Com relação aos povos indígenas, Lula confirmou uma de suas principais promessas no mesmo dia em que tomou posse da presidência. Ele criou o Ministério dos Povos Indígenas, pasta que seria comandada por Sonia Guajajara.

Em abril, o presidente assinou a demarcação de seis terras indígenas. Essa foi a primeira vez em que novos territórios foram demarcados desde 2018. Mais dois foram demarcados em setembro, no Dia da Amazônia. Das oito novas áreas demarcadas, quatro ficam na Amazônia. São elas: as terras indígenas Arara do Rio Amônia e Rio Gregório, no Acre; e as terras Uneiuxi e Acapuri de Cima, no Amazonas.

Mas enquanto novos territórios foram demarcados, uma discussão importante tomou conta do governo, gerando manifestações de indígenas e indigenistas por todo o Brasil. Os projetos de lei do marco temporal das terras indígenas voltaram a passar por votações nas instâncias do poder público. Um dos principais tópicos do marco temporal define que os povos indígenas têm direito apenas às terras que ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988.

De acordo com uma análise feita pela Folha de São Paulo, com dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, a Funai, a tese do marco temporal pode inviabilizar a posse de indígenas em 275 terras pelo país.

Após meses de votações, o presidente Lula vetou parcialmente o marco temporal em outubro. O veto foi um alívio, só que no dia 14 de dezembro, o Congresso Nacional reverteu a decisão.

Como o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia declarado o marco temporal como inconstitucional, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, divulgou que vai entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF para tentar barrar a decisão do congresso.

Além do marco temporal, outro assunto ganhou destaque nas disputas do poder público: a exploração de petróleo na margem equatorial do país. Essa região fica localizada na foz do Rio Amazonas e abrange manguezais e uma área onde foram descobertos recifes com mais de 1.000 km de extensão.

As discussões se intensificaram em maio, quando a Petrobras pediu o aval do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a exploração petrolífera na costa da Amazônia. O Ibama negou a licença, afirmando que é necessária uma Avaliação Ambiental e que a exploração de petróleo poderia ter impactos ambientais negativos.

Após inúmeros debates entre ministérios e um parecer da Advocacia-Geral da União a favor da exploração petrolífera na margem equatorial, o Ibama emitiu a primeira licença ambiental. Essa autorização permite que a Petrobras inicie pesquisas na margem equatorial.

Mudanças climáticas

No segundo semestre de 2023, uma seca severa atingiu a região Norte do Brasil. As principais causas dessa estiagem foram os eventos climáticos de aumento da temperatura da água do oceano Atlântico e do oceano Pacífico. Este último é o evento conhecido como El Niño, que acontece com certa periodicidade (a cada dois a sete anos) e geralmente é associado ao aumento das temperaturas ao redor do planeta.

Esses dois eventos climáticos se intensificaram em maio e fizeram com que o período de estiagem na Amazônia recebesse uma quantidade ainda menor de chuvas.

O estado mais afetado pela seca é o Amazonas, que decretou situação de emergência em quase todos os municípios em setembro. A situação bateu alguns dos recordes históricos da seca que afetou a região em 2010.

No dia 17 de dezembro, por exemplo, o Rio Negro atingiu 13,59 m de profundidade, o menor nível de volume de água desde o início de sua medição. Como o transporte na Amazônia acontece quase completamente por vias fluviais, o baixo nível dos rios prejudica comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas, com a suspensão da entrega de água potável e de mantimentos.

Mais de 600 mil pessoas são afetadas de alguma forma pela estiagem na Amazônia.

Além de prejudicar as comunidades humanas, a seca afeta a biodiversidade da floresta. O principal exemplo noticiado ao longo dos meses foi a morte de botos e tucuxis em diferentes partes do estado. Nos lagos de Tefé e Coari, no interior do Amazonas, 178 desses animais foram encontrados mortos devido à seca e ao aumento da temperatura da água.

Como se não bastasse a estiagem, o Amazonas viu um aumento significativo das queimadas no segundo semestre do ano. A região de Manaus ficou coberta por nuvens de fumaça duas vezes, no início de outubro e no início de novembro. Na segunda vez, a capital amazonense registrou a segunda pior qualidade do ar do planeta. O estado também decretou emergência ambiental por causa das queimadas.

Segundo o “Programa Queimadas”, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram registrados quase 7 mil focos de calor no Amazonas apenas em setembro, o pior mês para o estado em relação ao fogo.

O Pará ainda registrou um número alto de queimadas. De acordo com o Inpe, o Pará teve o maior número de queimadas no Brasil entre janeiro e outubro de 2023. Foram mais de 31 mil focos de calor registrados. O estado teve o segundo pior mês de outubro em 25 anos.

Para enfrentar as situações de emergência, o governo federal criou programas, encaminhou dinheiro e sugeriu ações como a dragagem de rios para que a navegação pudesse voltar a acontecer. A dragagem consiste em remover sedimentos do fundo do rio para aumentar sua profundidade e permitir a navegação de embarcações.

Cúpulas do clima

O impacto das mudanças climáticas na maior floresta tropical do mundo revelou a importância da preparação prévia para eventos climáticos extremos. Enquanto todos esses assuntos eram debatidos e implementados pelo governo federal, eventos nacionais e internacionais importantes sobre o meio ambiente aconteceram.

Nos dias 8 e 9 de agosto, o presidente Lula promoveu a Cúpula da Amazônia, realizada em Belém, no Pará. O evento reuniu chefes de Estado dos oito países integrantes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), sendo eles: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Representantes de outros países também foram convidados.

O principal objetivo do evento foi a criação da Declaração de Belém, para estabelecer uma nova agenda comum de cooperação regional em favor do desenvolvimento sustentável da Amazônia. A Declaração final possui mais de cem objetivos definidos pelos países, que incluem, por exemplo, o fomento à ciência, a garantia dos direitos dos povos indígenas e tradicionais, e a proteção das florestas.

Outro evento importante sobre o meio ambiente foi a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP28), que aconteceu em Dubai, nos Emirados Árabes, entre novembro e dezembro. Ao longo da conferência, muito se discutiu sobre o fim ou abandono do uso de combustíveis fósseis, como o petróleo.

No evento, o Brasil foi convidado a se tornar membro da Opep+, o grupo expandido da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, e aceitou o convite. O grupo é conhecido como o maior cartel de petróleo do mundo.

Como o evento foi realizado em um país cuja economia é baseada na extração de petróleo, e como foram feitos convites como o direcionado ao Brasil, o documento final da COP28 foi considerado inédito: os quase 200 países participantes se comprometeram a reverter o desmatamento e a degradação de florestas até 2030, e a fazer uma “transição” para o fim do uso de combustíveis fósseis até 2050.

Em relação ao primeiro tópico, o Brasil avançou no combate ao desmatamento, prometendo zerar a derrubada ilegal das florestas até 2030 e registrando a redução de 22% no desmatamento da Amazônia.

Mas em relação ao segundo tópico, o Brasil deixou dúvidas. Além de ingressar na Opep+, o país realizou um leilão de novas áreas para exploração de petróleo e gás natural no mesmo dia em que o documento final da COP28 foi publicado. Quatro áreas leiloadas ficam na Amazônia e sua exploração pode impactar cinco terras indígenas e três unidades de conservação.

A COP28 ainda terminou com uma confirmação que o presidente Lula esperava desde o início do ano: o Brasil será a sede da COP30, que deve ser realizada entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025 em Belém, no Pará. Agora, a capital paraense precisa se preparar para receber o público numeroso das conferências da ONU.

Povos indígenas

Em 2023, dois eventos tradicionais dos povos indígenas brasileiros continuaram acontecendo. O Acampamento Terra Livre é a maior mobilização indígena do Brasil. Neste ano, ele aconteceu entre os dias 24 e 28 de abril, em Brasília.

Durante esses dias, cerca de seis mil indígenas ocuparam a capital sob o tema “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação, não há democracia!”. A carta de encerramento do evento ressaltou a importância da demarcação de terras como ação prioritária para a garantia dos direitos originários no país.

O documento foi publicado antes da retomada das votações do marco temporal pelo governo, mas, ainda assim, deixa uma mensagem clara sobre o perigo que o projeto de lei significa para os indígenas.

No evento, o coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Kleber Karipuna, explicou que a demarcação das terras vai além da garantia dos direitos dos indígenas.

“A pauta de demarcação das terras indígenas, para além de ser a garantia dos direitos originários dos povos, é, também, a garantia da sobrevivência física e cultural dos povos indígenas e da humanidade para as futuras gerações. Então, não é à toa que é uma bandeira de luta histórica dos povos e que está inserida dentro da pauta e do tema do Acampamento Terra Livre deste ano, por essa importância toda que tem a demarcação dos nossos territórios indígenas”, ressaltou Karipuna.

A Marcha das Mulheres Indígenas também foi realizada em 2023, completando sua terceira edição. O evento reuniu cerca de oito mil participantes brasileiras e estrangeiras entre os dias 11 e 13 de setembro em Brasília.

O principal tema da marcha foi “Mulheres Biomas em Defesa da Biodiversidade Pelas Raízes Ancestrais”. As integrantes discutiram temas como igualdade de gênero, defesa dos direitos das mulheres indígenas e o marco temporal das terras indígenas.

Amazônia Latitude

Neste ano, a equipe da Revista Amazônia Latitude se dedicou ainda mais para seguir com um conteúdo que informasse sobre as notícias factuais, mas, ainda assim, com a tradicional cobertura científica da região amazônica. Continuamos publicando notícias, artigos e fotogalerias sobre os mais variados temas, além de retomarmos a publicação semanal do podcast “Amazônia em 5 minutos”.

Para melhorar ainda mais nossa programação e enriquecer o consumo do nosso público, demos início ao especial “Pensando a Amazônia pela Literatura”. Especialistas, pesquisadores, escritores e críticos literários nos contaram qual é a importância de pensar a Floresta Amazônica pela poesia e pela prosa.

Em resenhas, artigos e em uma série especial de entrevistas do LatitudeCast, pudemos relembrar escritores e obras clássicas sobre a Amazônia, como o Clube da Madrugada e Mário de Andrade. E pudemos dar o devido reconhecimento às novas vozes da Amazônia e até a autores cujas obras demoraram décadas para serem descobertas, como a jornalista Verenilde Pereira e seu livro “Um rio sem fim”.

Neste episódio, utilizamos informações e áudios de: Agência Brasil, Agência Câmara de Notícias, Amazônia Real, Band, Brasil de Fato, CNN Brasil, Estadão, Folha de São Paulo, G1, Governo Federal, Greenpeace e O Globo.

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