Literatura: uma flecha do tempo apontada para a colonização

Editorial da edição 'Pensando a Amazônia pela Literatura' da Amazônia Latitude Review

Capa da Edição Especial: Pensando a Amazônia pela Literatura. Arte: Fabrício Vinhas.
Capa da Edição Especial: Pensando a Amazônia pela Literatura. Arte: Fabrício Vinhas.
Capa da Edição Especial: Pensando a Amazônia pela Literatura. Arte: Fabrício Vinhas.

Capa da Edição Especial: Pensando a Amazônia pela Literatura. Arte: Fabrício Vinhas.

As primeiras impressões da Amazônia na literatura, feitas por viajantes e exploradores estrangeiros, carregavam a imagem que se tem até hoje da região: um inferno verde. Essas imagéticas produzidas, que se ampliaram com a ideia da Amazônia como um lugar desabitado, feito apenas de floresta, rios e animais, atravessaram o tempo e esconderam as complexidades desse território por conta da limitada visão do eurocentrismo, que não consegue ver além das copas das árvores.

No clássico A Invenção da Amazônia (1994), a pesquisadora Neide Gondim demonstra como a região foi inventada a partir do ponto de vista do colonizador. No livro, é possível compreender a construção desse devaneio colonial sobre o território. Dá para conectar a tese levantada pela autora com um clamor presente na canção Renovação, da dupla amazonense Candinho e Inês. Num dos versos, o eu lírico afirma: “É hora de tomar nas mãos de novo a nossa geografia, pintar de liberdade o verde desse mapa. Contar de novo a história como há muito tempo já não se ouve mais, nem se contou verdade”.

O verso carrega um forte simbolismo, uma vez que coloca a questão territorial no centro de tudo. Apesar de morar aqui, esse território nunca nos pertenceu. Tentaram e conseguiram nos fazer outros para morar aqui. O desafio do amazônida globalizado, atualmente, é se encontrar, fragmentado e invadido pelas objetividades e subjetividades que lhe empurraram.

As obras apresentadas nesta edição da revista Amazônia Latitude funcionam como mapas literários para se orientar e sair do labirinto colonial que estamos presos, já que podemos entender o mundo através da nossa lente, com uma assimilação de realidade construída pela nossa própria identidade. É quando a realidade da Amazônia vira palavra.

A partir da apropriação desse lugar de produção literária, os escritores da região embrenham-se numa missão, mesmo que não queiram: reelaborar o imaginário e o real que se tem na Amazônia. Afinal, o que é ser amazônida? Agora que os holofotes brilham em nós, o que há de ser visto? Para além de rios, matas e bichos, o que habita o amazônida? Será que vão se importar com o que mora dentro de nós? Mergulhar no ethos do caboclo é respirar ares de um mundo que não existe mais e, ainda assim, vive ameaçado.

Ao descortinar as poéticas do médio Xingu, em artigo presente nesta edição, os autores destacam que a poesia não se restringe a textos escritos e impressos. Ela se manifesta também nos cantos dos povos indígenas e nas letras de rap criadas por jovens que resistem diariamente à violência. São também formas de produção de saberes.

Nesta edição, podemos compreender mais sobre a literatura fantasma de Vicente Cecim, a visão literária única de Eliane Brum, a força da literatura produzida por mulheres indígenas como Eva Potiguara, Jama Wapichana e Verenilde Pereira, os sonhos dos Yanomami, as poéticas do Médio Xingu, as críticas aos olhares viciados de autores do Sul e Sudeste sobre a Amazônia e muito mais.

A literatura, que num primeiro momento acabou sendo um instrumento de estigmatização da Amazônia, funciona como uma importante plataforma para se desmistificar a região, disseminar saberes, vivências e cosmologias da terra, que sempre atravessaram o tempo pela oralidade e que, agora, podem habitar a eternidade de um livro.

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