Equador reconhece direitos legais dos ecossistemas marinhos e costeiros
Numa decisão histórica, o Tribunal Constitucional do Equador chegou à conclusão de que o Governo deve estabelecer limites às atividades humanas, como a pesca industrial, para proteger os ciclos naturais dos ecossistemas marinhos


Ecossistema marinho. Foto: Marcos Colón / Amazônia Latitude.


O Tribunal Constitucional do Equador decidiu que os ecossistemas marinhos-costeiros têm direitos legais que devem ser protegidos, o que poderia exigir limites mais rigorosos às atividades humanas, como a pesca industrial.
Segundo a decisão, estes ecossistemas têm o direito de manter “ciclos de vida, estrutura, funções e processos evolutivos” naturais e o governo equatoriano deve adotar medidas para assegurar a continuidade desses “processos vitais”.
A decisão do Tribunal do Equador ainda apontou que os ecossistemas marinho-costeiros têm um “valor intrínseco”. Por isso, a constituição do país agora deve comprometer-se na missão de “construir uma nova forma de convivência cidadã que preserve a diversidade e a harmonia com a natureza”.
Precedente histórico
Mais de uma dúzia de países reconheceram por meio de leis ou decisões judiciais que os ecossistemas ou espécies individuais têm o direito de viver, persistir e regenerar. Porém, em 2008 o Equador foi além e se tornou o primeiro país do mundo a reconhecer em uma constituição nacional que a natureza, tal como os seres humanos e as empresas, têm direitos legais.
Até agora, todas as decisões do Tribunal Constitucional do Equador relativas aos direitos da natureza referiam-se aos ecossistemas terrestres, manguezais e animais selvagens.
Advogados familiarizados com a jurisprudência dos direitos da natureza dizem que a decisão sobre o ecossistema marinho-costeiro, emitida no final do ano passado, é histórica porque expande a proteção aos vastos ecossistemas aquáticos do país.
O Equador, do qual fazem parte as Ilhas Galápagos, abriga centenas de espécies de peixes, baleias, tartarugas marinhas, golfinhos, tubarões, arraias-manta e corais.
A diversidade submersa que ajuda a vida humana
“A decisão abre a porta para uma nova perspectiva, uma perspectiva azul, sobre os direitos da natureza”, declarou Hugo Echeverría, advogado equatoriano que compareceu à audiência como amicus curiae.
Na sua decisão, o tribunal observou que todos os elementos que constituem a natureza, incluindo a espécie humana, formam um todo “inter-relacionado, interdependente e indivisível”.
“Quando um elemento da natureza é afetado, o funcionamento do sistema como um todo é alterado”, acrescenta o tribunal.
Dezenas de milhares de pessoas que vivem nas regiões costeiras do Equador dependem dos ecossistemas marinhos para a sua alimentação e subsistência.
O país possui 24 tipos diferentes de ecossistemas marinho-costeiros, entre os quais se destacam praias, baías, estuários e lagoas costeiras.
A origem improvável da decisão à favor do meio ambiente
O processo teve uma origem incomum.
Em 2020, alguns pescadores industriais entraram com uma ação pública alegando que era inconstitucional impedir a pesca industrial nas primeiras oito milhas náuticas da costa, onde apenas é permitida a pesca artesanal.
O argumento dos demandantes era de que a restrição violava o seu direito de realizar atividades econômicas e ameaçava a soberania alimentar.
Ironicamente, eles também apontaram que a lei era incompatível com os direitos da natureza: a lei de zoneamento poderia involuntariamente levar à pesca artesanal excessiva e, portanto, a uma violação dos direitos da natureza. E que, por tudo isto, o Governo deveria eliminar ou reduzir o limite de pesca industrial para além da zona das oito milhas náuticas.

Fonte: ESRI. Imagem: Paul Horn / Inside Climate News.
O tribunal discordou.
Na sua decisão, os juízes citaram provas científicas que indicam que a zona de oito milhas era necessária para proteger as populações de peixes, manter a saúde dos ecossistemas marinhos e garantir a viabilidade a longo prazo da indústria pesqueira.
Após a implementação da lei de zoneamento, as populações de peixes aumentaram, de acordo com um estudo do Governo.
O tribunal, então, decidiu que a lei não era, portanto, incompatível com os direitos dos ecossistemas marinho-costeiros e, por isso, permaneceria em vigor.
Segundo Echeverría, a decisão provavelmente servirá de precedente para desafiar uma série crescente de atividades humanas que afetam a vida marinha do Equador, como a aquicultura e a exploração de petróleo e gás.
A pesca industrial, artesanal e ilegal também coloca as espécies e os ecossistemas aquáticos sob grande pressão. A principal causa de morte de baleias e golfinhos em todo o mundo, por exemplo, é o emaranhamento em redes de pesca.
A decisão do tribunal equatoriano de afirmar que os ecossistemas marinhos têm direitos constitucionais obriga o Governo a protegê-los de forma mais rigorosa. Isto significa que as regulamentações ambientais tradicionais, tais como limites de pesca e controles de poluição, devem ser suficientemente fortes para proteger as suas funções essenciais.
Os direitos de outras entidades, incluindo seres humanos e empresas, também poderiam ser restringidos para evitar a extinção de espécies e preservar ecossistemas delicados.
O reconhecimento constitucional dos direitos da natureza no Equador redefine o equilíbrio nas relações homem-natureza e garante que os interesses humanos já não prevaleçam automaticamente sobre as preocupações ecológicas na maioria das situações.
No entanto, tal como no caso dos direitos dos seres humanos e das empresas, os direitos da natureza não são absolutos e podem ser limitados, dependendo de circunstâncias específicas.
Até agora, os tribunais equatorianos concederam maior proteção aos ecossistemas frágeis e ameaçados. Em um destes casos, uma decisão do Tribunal Constitucional de 2021 sobre os direitos dos manguezais apontou que estes ecossistemas merecem proteção especial porque combatem as alterações climáticas ao atuarem como sumidouros de carbono e protegem as zonas costeiras contra tempestades, por exemplo.
Em outra decisão do mesmo tribunal foi proibida a realização de mineração em um “Bosque nuboso”, ou seja, em uma floresta tropical onde há uma elevada concentração de névoa. O local abriga dezenas de espécies ameaçadas de extinção.
No caso dos ecossistemas marinho-costeiros, o tribunal os considerou como “frágeis e ameaçados” e definiu que o governo equatoriano deve estabelecer leis rigorosas – e aplicá-las – para garantir a persistência dos seus processos vitais.
Isto significa que as partes vivas do ecossistema, como os peixes e os mamíferos, devem ser capazes de reproduzir e manter as suas populações e que outras partes, como a temperatura e a salinidade dos oceanos, devem ser capazes de conservar os seus estados naturais.
Bom para o clima em todo o planeta
A decisão poderá ter grandes repercussões para o clima, embora a decisão só seja aplicável no Equador.
Há consenso científico sobre os danos que as emissões de gases de efeito estufa produzem nos oceanos, que absorvem a grande maioria do dióxido de carbono que aquece o planeta e também suas águas.
Na última década, as temperaturas dos oceanos foram as mais altas desde pelo menos o século XIX. Isso causa tempestades mais intensas, aumento do nível do mar devido à expansão do aquecimento das águas e acidificação, que mata a vida aquática.
Para além das alterações climáticas e atividades de pesca, a região costeira também está à mercê da aquicultura, pelo tráfico de drogas, pelo tráfego marítimo, pelos vazamentos de petróleo, pela exploração de combustíveis fósseis e pela poluição por plásticos.
Este texto foi publicado em colaboração com Inside Climate News. Clique aqui para acessar a versão em inglês e aqui para ler o texto em espanhol.
Katie Surma é repórter do Inside Climate News, focando em direito e justiça ambiental internacional. Antes de se juntar ao ICN, ela exerceu a advocacia, especializando-se em litígios comerciais. Ela também escreveu para diversas publicações, e suas histórias apareceram no Washington Post, USA Today, Chicago Tribune, Seattle Times e The Associated Press, entre outros. Katie tem um mestrado em jornalismo investigativo da Escola de Jornalismo Walter Cronkite da Universidade Estadual do Arizona, um LLM em direito internacional e segurança da Faculdade de Direito Sandra Day O’Connor da mesma universidade, um JD da Universidade de Duquesne, e foi licenciada em História da Arte e Arquitetura na Universidade de Pittsburgh. Katie vive em Pittsburgh, Pensilvânia, com seu marido, Jim Crowell.
Tradução: Glauce Monteiro
Montagem da página e acabamento: Alice Palmeira
Revisão: Glauce Monteiro
Direção: Marcos Colón