Ativistas questionam a influência de lobistas na COP30

Apesar de o texto final da COP incluir sistemas alimentares e agricultura sustentável, manifestantes não veem com bons olhos a presença massiva de representantes corporativos nas mesas de negociações da Blue Zone.

Ativistas confrontam o 'greenwashing' do agronegócio e a presença massiva de lobistas na COP30. Foto: Bianka Csenki/Artivist Network.
Ativistas confrontam o 'greenwashing' do agronegócio e a presença massiva de lobistas na COP30. Foto: Bianka Csenki/Artivist Network.
Ativistas confrontam o 'greenwashing' do agronegócio e a presença massiva de lobistas na COP30. Foto: Bianka Csenki/Artivist Network.

Ativistas confrontam o 'greenwashing' do agronegócio e a presença massiva de lobistas na COP30. Foto: Bianka Csenki/Artivist Network.

Em meio à COP30 em Belém, onde o agronegócio, um dos setores de maior emissão global de gases do efeito estufa, tentava consolidar sua narrativa, manifestações intensas na Blue Zone puseram em xeque a presença massiva de lobistas.

Ativistas de movimentos sociais e povos indígenas protestaram contra o “greenwashing” e a influência corporativa na Conferência. Eles denunciaram a tentativa de empresas e representantes do setor de apresentar um modelo de produção responsável por 74% das emissões brasileiras de GEE como ambientalmente correto.

A mobilização focou na demanda por soluções climáticas baseadas em justiça social e no reconhecimento de conhecimentos tradicionais. As discussões e a pressão exercida pelos manifestantes foram observadas e, ao final da COP30, algumas de suas reivindicações foram incorporadas ao documento oficial da Conferência, sinalizando um impacto na percepção do setor.

O protesto foi organizado sob a campanha global Kick Big Polluters Out (Tirem os Grandes Poluidores Daqui), unindo a Proteção Animal Mundial e outras organizações. A ação utilizou estratégias visuais marcantes, como um fantoche gigante de um executivo corporativo e um planeta sendo “churrasqueado”, simbolizando o impacto ambiental.

O objetivo era expor o “discurso enganoso” de empresas e criticar práticas insustentáveis que contribuem para a crise climática. Os organizadores destacaram o agronegócio como contribuinte para a crise, apontando a promoção de monoculturas e a destruição de biomas, práticas que, segundo os ativistas, estão na raiz de muitos problemas ambientais e sociais.

O discurso dos ativistas

Camila Nakaharada, gerente de clima da Proteção Animal Mundial, comentou sobre como o agronegócio veiculou falsas soluções climáticas na Agrizone, durante a COP30, e como isso afeta as comunidades tradicionais e a mitigação da mudança climática.

“Diversas lideranças comunitárias estão denunciando o que os agrotóxicos, o veneno e os transgênicos estão fazendo em suas comunidades: matando animais, a biodiversidade e pessoas. Então este protesto é para chamar a atenção dos negociadores e denunciar as falsas soluções que as empresas estão trazendo aqui para a COP30”, reflete.

Ela reforça a necessidade de soluções reais e concretas para combater a emergência climática: “A agroecologia se coloca em oposição direta à pecuária industrial, um modelo destrutivo para a natureza, cruel com os animais e injusto para as pessoas. Este é o momento de ampliar soluções sistêmicas que enfrentem as causas profundas da crise. Chega de espaço para um modelo de produção que devasta ecossistemas e aprofunda a emergência climática. Chega de espaço para o greenwashing“.

Para a Proteção Animal Mundial, o progresso em questões como o metano não avançará se depender da ação dos lobistas presentes na Conferência.

Um ponto de discussão na Conferência foi o lançamento do primeiro relatório “Global Methane Status”. O documento alerta que a implementação de medidas para reduzir a emissão de gás metano na atmosfera é essencial para alcançar a meta global de 30% de redução nos próximos cinco anos, comparado a 2020.

Produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) e pela Climate and Clean Air Coalition (CCAC), o documento avalia o Global Methane Pledge, pacto assinado por 159 países e pela União Europeia, ressaltando a urgência da questão.

A crítica à Agrizone

Manifestantes exigem que o agronegócio seja 'chutado para fora' das negociações climáticas, questionando a legitimidade da 'Agrizone' patrocinada por grandes empresas. Foto: Bianka Csenki/Artivist Network.

Manifestantes exigem que o agronegócio seja ‘chutado para fora’ das negociações climáticas, questionando a legitimidade da ‘Agrizone’ patrocinada por grandes empresas. Foto: Bianka Csenki/Artivist Network.

A presença de 1.600 lobistas de combustíveis fósseis e 300 delegados do agronegócio, parte deles com credenciais de delegações de países, provocou críticas entre os ativistas. Eles questionaram a existência da “Agrizone”, um espaço dentro da COP patrocinado por empresas como Bayer e Nestlé, que os manifestantes consideram promotoras de uma crise ambiental.

Os protestos veicularam demandas como “Chute o Agronegócio para Fora!” e “Nosso direito à alimentação não está à venda!”. Ativistas defenderam que as soluções climáticas devem vir de pequenos agricultores e povos indígenas, por meio da agroecologia camponesa e da reforma agrária popular. Eles alertaram que, sem essa reorientação, as negociações da COP poderiam permanecer “capturadas por interesses corporativos”, resultando em ineficácia. Assim, enfatizaram a necessidade de modelos que oferecem proteção ambiental e segurança alimentar de forma sustentável, contrastando com os modelos defendidos pelas corporações.

Jânio Kaiowá, do povo Kaiowá, da Terra Indígena Amambai, Mato Grosso do Sul, relatou os impactos na sua comunidade.

“Nós, jovens ativistas, estamos morrendo pelo agronegócio. Quero aqui trazer para vocês as nossas vozes também. Quero dizer que o nosso território, as nossas vidas, está sendo tomada a cada dia pelo veneno, pelos agrotóxicos que são utilizados em nosso território. Muitos líderes estão sendo assassinados, muitos jovens estão morrendo simplesmente por defender o território”, declarou, conectando a violência, os agrotóxicos e a luta pela vida de seu povo à crise climática.

Para Tyron Scott, da organização War On Want, o grande causador dessa crise, o capitalismo, não pode ser o mesmo que a irá solucionar.

“Quando vemos 1600 lobistas de combustíveis fósseis e 300 delegados do agronegócio aqui [na Zona Azul da COP], e um quarto deles com credenciais de delegações de países, para mim, isso é uma desgraça e uma injustiça. Eu sinto vergonha. Então, estou aqui para dizer que precisamos chutar o agronegócio para fora! Não se trata apenas desta Cúpula do Clima da ONU. Há dezenas de lobistas adicionais neste momento presentes na Agrizone, uma zona co-patrocinada pela Bayer e pela Nestlé. É difícil depender deles para consertar nossos sistemas quebrados!”, disse Scott.

O reflexo no texto final da COP30

A articulação dos manifestantes para incluir as perspectivas indígenas e das comunidades locais encontrou reflexo em partes do texto final da COP. O documento reconheceu o “papel vital dos Povos Indígenas e das comunidades locais e a necessidade de apoiá-los na gestão e uso sustentável das florestas, bem como a importância de reconhecer seus direitos à terra e conhecimentos tradicionais, incluindo como parte das políticas de mitigação de longo prazo”.

Esta inclusão formaliza a relevância dessas populações e de seus métodos tradicionais nas estratégias de combate às mudanças climáticas e conservação da biodiversidade, marcando um reconhecimento institucional.

A intensa mobilização foi crucial para que temas como a proteção aos Povos Indígenas e o uso sustentável de florestas fossem formalmente reconhecidos no documento final da COP30. Foto: Bianka Csenki/Artivist Network.

A intensa mobilização foi crucial para que temas como a proteção aos Povos Indígenas e o uso sustentável de florestas fossem formalmente reconhecidos no documento final da COP30. Foto: Bianka Csenki/Artivist Network.

O texto final da COP30 também consolidou a importância da agricultura nas estratégias de adaptação global e promoveu acordos de cooperação e financiamento para o setor. Essa inclusão reflete um avanço no reconhecimento de que a transição para sistemas alimentares mais sustentáveis é fundamental para enfrentar a crise climática. A linguagem dos documentos, como no “Mitigation work prog”, que identifica o potencial de sinergias entre gestão de resíduos e agricultura, sinaliza uma abertura para abordagens integradas que antes poderiam ser marginalizadas. Este reconhecimento formal é um passo para integrar as práticas agrícolas nas soluções climáticas mais amplas.

A perspectiva de mudança sistêmica

Apesar das inclusões no texto final da COP30 e dos novos fundos, as lideranças indígenas, como Jânio Kaiowá, apontaram a necessidade de um compromisso profundo e uma mudança sistêmica além dos acordos formais. Sua perspectiva reiterou que a solução para a crise climática reside na valorização e proteção dos modos de vida tradicionais, contrastando com práticas do agronegócio.

“Nós somos a solução para a crise climática, mas para isso, precisamos ser ouvidos e ter nossos direitos garantidos. Enquanto o agronegócio continuar nos envenenando, assassinando nossos líderes e destruindo nossos territórios, nenhuma solução verdadeira será possível. As discussões da COP só terão sentido quando realmente se voltarem para quem preserva a vida e a floresta. O respeito aos povos indígenas é o caminho para um futuro sustentável, e não o lucro sobre a destruição”, concluiu Jânio.

Revisão e montagem de página: Juliana Carvalho
Direção geral: Marcos Colón

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