Da Amazônia ao Pampa: as tragédias ambientais e o ataque do agronegócio aos biomas

Lado esquerdo: Amazônia em chamas. Lado direito: Pampa como pasto para gado. Representando tragédias ambientais.
Lado esquerdo: Amazônia em chamas. Lado direito: Pampa como pasto para gado. Arte: Fabrício Vinhas
Lado esquerdo: Amazônia em chamas. Lado direito: Pampa como pasto para gado. Representando tragédias ambientais.

Lado esquerdo: Amazônia em chamas. Lado direito: Pampa como pasto. Fotos: Edmar Barros e Arlei Antunes. Arte: Fabrício Vinhas

Nos últimos anos, do norte ao sul do Brasil, os biomas vêm sofrendo ataques do agronegócio de forma espoliadora e cruel, impulsionados pelo avanço desenfreado do capitalismo. Essa voracidade tem desencadeado uma série de crimes ambientais que vêm transformando drasticamente a paisagem e impactando severamente a vida selvagem e as comunidades locais.

Na Amazônia, um dos biomas mais ricos em biodiversidade do planeta, os sinais alarmantes dos efeitos do desmatamento e da mudança climática estão se tornando cada vez mais evidentes. No ano de 2023, um evento trágico chocou o país: o aquecimento das águas dos rios na Amazônia resultou na morte de aproximadamente 150 botos cor-de-rosa. Pesquisadores apontaram que a temperatura da água atingiu incríveis 40ºC no pico das mortes, em 29 de setembro, deixando milhares de famílias sem acesso a água potável por dias a fio. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) alertou que a combinação de calor e seca histórica estava provocando não apenas a morte dos botos, mas também de peixes e outros mamíferos na região.

Os números do desmatamento na Amazônia são igualmente assustadores. De acordo com dados do Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia (Prodes), entre agosto de 2022 e julho de 2023, a floresta perdeu uma área de 9.001 km², o equivalente a 7,5 vezes a cidade do Rio de Janeiro. Esse desmatamento desenfreado está levando a Amazônia cada vez mais próximo de um ponto de não retorno, onde ela não será mais capaz de se regenerar como uma floresta tropical.

A fraca fiscalização e a impunidade contribuem para o avanço do desmatamento. Dos alertas na Amazônia emitidos entre 2019 e 2020 pela plataforma MapBiomas, apenas 1,3% foram fiscalizados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Esses números refletem o enfraquecimento das políticas ambientais no país e abrem espaço para mais crimes.

Desde o início de seu mandato em 2019, o presidente Bolsonaro desencadeou uma série de medidas que representavam um ataque direto ao meio ambiente, com foco especial na região amazônica e em suas comunidades. Os efeitos dessa política se manifestaram rapidamente: os índices de incêndios florestais e desmatamento dispararam, levando a uma crise ambiental de proporções globais. Enquanto a Amazônia se encontrava em estado de emergência e o então Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em meio à crise sanitária mais grave já vivenciada pelo Brasil, o governo defendeu sua abordagem com a famosa declaração de Salles: “ir passando a boiada e mudando o regramento”.

Um dos episódios mais emblemáticos dessa impunidade foi o chamado “Dia do Fogo“, em 2019. Em apenas dois dias, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou 1.457 focos de calor no estado do Pará, um aumento alarmante de 1.923% em relação ao ano anterior. Esse evento demonstrou a audácia dos infratores e a urgente necessidade de medidas mais eficazes para proteger a Amazônia e outros biomas brasileiros.

Os dados mais recentes revelam uma queda significativa no desmatamento durante o governo do presidente Lula. Segundo informações do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a desflorestação na Amazônia diminuiu em 40% durante o período conhecido como “calendário do desmatamento”, de 1º de agosto de 2022 a 31 de julho de 2023.

Essa redução expressiva pode ser atribuída a uma série de fatores, desde a nomeação da ministra do Meio Ambiente até a busca por soluções em organizações internacionais. No entanto, o governo Lula ainda enfrenta desafios significativos que estão na agenda atual, como a demarcação de terras indígenas (que é o modo mais eficaz de preservar floresta no País), e a adoção de medidas mais enérgicas para combater o garimpo ilegal na Amazônia. Essas questões continuam sendo prioridades para garantir a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável da região.

Outro bioma brasileiro crucial está enfrentando sérias ameaças: o Pampa. Localizado no extremo sul do país, esse ecossistema único vem sofrendo os impactos devastadores do avanço do agronegócio e da pecuária, que estão fragmentando e degradando suas terras, colocando em risco sua rica biodiversidade e os modos de vida das comunidades locais.

Dados alarmantes revelam a extensão do problema. Entre 1985 e 2021, o Pampa perdeu impressionantes 3,4 milhões de hectares de vegetação nativa (dados do MapBiomas), representando uma perda de 29,5% de sua cobertura vegetal original. Essa é a maior proporção de desmatamento entre todos os biomas brasileiros nesse período.

Os principais responsáveis por essa devastação são o cultivo de soja e a silvicultura, que estão transformando vastas extensões de campos nativos em monoculturas. Essas atividades comprometem não apenas a paisagem, mas também sua fauna e flora, uma vez que o bioma abriga uma das maiores diversidades de espécies por metro quadrado do Brasil.

Além dos impactos do desmatamento, o Pampa está sofrendo com os efeitos das mudanças climáticas, intensificadas pelo avanço descontrolado do agronegócio. No último ano, o bioma testemunhou uma tragédia sem precedentes: enchentes devastadoras atingiram o Rio Grande do Sul, resultando em mais de 100 mortes e deixando mais de 300 pessoas desaparecidas. Surpreendentemente, a causa desses alagamentos foi o volume de chuvas, bem como as mudanças no padrão climático, amplificadas pelas práticas insustentáveis adotadas na região.

Ao observarmos os demais biomas brasileiros — Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e Pantanal — torna-se evidente o crescimento dos crimes ambientais. Um exemplo disso é o Cerrado, em que o desmatamento aumentou quase 50% e atingiu níveis recordes, sublinhando a urgência de conter a devastação. O desmatamento ilegal na Caatinga empobrece o solo, provoca o assoreamento dos rios e elimina o habitat de diversos animais silvestres. O equilíbrio climático é um delicado jogo de interações entre os diversos biomas.

Cada um desses ecossistemas desempenha um papel fundamental na regulação do clima e na manutenção da biodiversidade. Portanto, o equilíbrio climático depende da preservação e manejo sustentável de todos os biomas, garantindo a sobrevivência das espécies que neles habitam e a qualidade de vida.

Diante das duas tragédias ocorridas em um intervalo tão curto, na Amazônia e no Pampa, é inegável que enfrentamos desafios significativos. Esses eventos nos compeliram a questionar profundamente o papel do capitalismo em nossa sociedade. Precisamos refletir sobre se esse modo de produção, cujo único objetivo parece ser a espoliação e destruição do planeta, não tem interesse genuíno em buscar uma saída sustentável. Mudamos agora ou enfrentaremos consequências irreversíveis.

Devemos buscar alternativas no presente e implementar mudanças que garantam a preservação do meio ambiente e a sustentabilidade de nosso planeta. A continuidade das tragédias ambientais apenas nos alerta para a urgência de repensar nossos sistemas econômicos e modificá-los. Não podemos nos iludir acreditando que é possível uma coexistência equilibrada entre o modo de produção capitalista e o meio ambiente.

Walisson Rodrigues é fotógrafo, cientista social e educador popular. Rondonense beradeiro vivendo em Recife.

 

Edição: Alice Palmeira
Revisão: Isabella Galante
Direção: Marcos Colón

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