O custo oculto da guerra: militares respondem por 5,5% das emissões globais

Ativistas e palestinos denunciam o complexo industrial militar e as guerras como uma das maiores - e mais negligenciadas - fontes de gases de efeito estufa

A pegada de carbono militar é gigante, o custo é oculto. Enquanto isso, o setor de defesa, responsável por 5,5% das emissões globais, sabota a agenda climática e intensifica a destruição em zonas de conflito. Imagem: Fabrício Vinhas/Amazônia Latitude.
A pegada de carbono militar é gigante, o custo é oculto. Enquanto isso, o setor de defesa, responsável por 5,5% das emissões globais, sabota a agenda climática e intensifica a destruição em zonas de conflito. Imagem: Fabrício Vinhas/Amazônia Latitude.
A pegada de carbono militar é gigante, o custo é oculto. Enquanto isso, o setor de defesa, responsável por 5,5% das emissões globais, sabota a agenda climática e intensifica a destruição em zonas de conflito. Imagem: Fabrício Vinhas/Amazônia Latitude.

A pegada de carbono militar é gigante, o custo é oculto. Enquanto isso, o setor de defesa, responsável por 5,5% das emissões globais,
sabota a agenda climática e intensifica a destruição em zonas de conflito. Imagem: Fabrício Vinhas/Amazônia Latitude.

O debate na Conferência do Clima (COP30), realizada em Belém, concentrou-se majoritariamente na redução de emissões de GEE por setores como petróleo, gás, carvão natural e mineração, além de dar centralidade à luta dos povos indígenas e tradicionais da Amazônia. No entanto, o impacto climático das guerras – uma das maiores fontes globais de GEE – recebeu pouca atenção oficial.

Essa lacuna foi abordada por ativistas e palestinos em um evento na Casa da Diplomacia, na Green Zone, que expôs a interconexão entre conflitos, opressão e crise climática. A ausência de um dia dedicado à discussão da paz na COP da Amazônia, a despeito de iniciativas anteriores na COP29 (Azerbaijão), com as Declarações sobre Clima e Paz, reforçou a urgência de incluir a destruição militar na agenda climática.

O problema é estrutural e reside na falta de transparência, criando o que se denomina a “lacuna de emissões militares”. Segundo o estudo Accounting for the Uncounted: The Global Climate Impact of Militaries, as forças militares são responsáveis por, aproximadamente, 5,5% das emissões anuais globais de GEE. Essa taxa confere à máquina de guerra mundial a quarta maior pegada de carbono do planeta, caso fosse um país. Apesar disso, nenhuma nação é obrigada a reportar as emissões de atividades militares à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), o que mascara a real dimensão do setor.

Além disso, o relatório aponta a incompatibilidade entre as metas de redução e o crescente gasto militar, que atingiu o recorde de US$ 2,7 trilhões. A urgência enfatiza que governos precisam relatar as emissões militares, inclusive de combate, e comprometer-se com a redução conforme o Acordo de Paris.

A política externa e a segurança devem ser repensadas para serem compatíveis com a ação climática rápida, a diplomacia e a construção da paz. De acordo com o artigo de Ellie Kinney, The Conflict and Environment Observatory, apesar das dificuldades em relatar as emissões militares e descarbonizar o setor em meio ao aumento dos gastos, há sinais de progresso. O Parlamento Europeu, por exemplo, enfatizou que o setor de defesa deve contribuir para o combate às mudanças climáticas, formulando propostas para aumentar a transparência na contabilização das emissões militares perante a UNFCCC.

Vozes de denúncia e resistência

Thiago Ávila, ativista climático, denuncia o complexo industrial militar como 'uma das maiores fontes de emissão que a gente tem no mundo hoje'. Foto: Amazônia Latitude.

Thiago Ávila, ativista climático, denuncia o complexo industrial militar como ‘uma das maiores fontes de emissão que a gente tem no mundo hoje’. Foto: Amazônia Latitude.

Nesse contexto de invisibilidade e omissão de dados, Thiago Ávila, ativista climático, comenta que um dia se questionou sobre gastos militares e dados de emissões do complexo industrial militar e das guerras.

E os resultados são assustadores. Uma das maiores fontes de emissão que a gente tem no mundo hoje, vem do complexo industrial militar e das guerras. Existe a hipótese, inclusive, que não está totalmente comprovada, mas tem documentários como da Abby Martin, Earth’s Greatest Enemy, e outros processos de estudos e pesquisas, que apontam que o maior emissor do mundo não é uma indústria petroleira ou uma indústria do agronegócio em Altamira, mas sim o Exército dos Estados Unidos.”

Para Thiago, a ausência de registros militares nas contas de emissões permite que o setor opere sem supervisão, facilitando ações que configuram ecocídio. Ele exemplifica a situação em Gaza, mencionando o uso de fósforo branco, a explosão de bombas com poder equivalente a oito bombas de Hiroshima, e a destruição de 2,5 milhões de árvores, incluindo 1 milhão de oliveiras – um símbolo palestino, além do descarte de urânio empobrecido e outros químicos tóxicos.

O ativista argumenta que, embora iniciativas ecológicas e de reforma agrária sejam importantes, elas são limitadas perante a ação de forças imperiais e sionistas. Essas forças, segundo ele, “conseguem destruir muito mais que a capacidade de qualquer território de produzir vida neste planeta”, conectando a devastação ambiental à crise humanitária que se desenrola.

Traça, ainda, paralelos entre essas lutas e movimentos anticoloniais históricos, citando a derrota do apartheid na África do Sul, do Vietnã contra as tropas americanas, e a Cabanagem no Pará, sede da Conferência Climática, no Brasil. Ele enfatiza que a perseverança palestina “vai derrotar o sionismo”, reiterando a inseparabilidade entre libertação política e ambiental.

Sua perspectiva pessoal sobre Gaza, comparando sua própria filha às crianças palestinas, demonstra a universalidade do valor da vida. Desafia, assim, a ideia de que a vida palestina valeria menos, ao confrontar as perguntas sobre seu “medo” com a realidade da opressão diária imposta aos palestinos, que inclui segregação e um sistema judicial militarizado. A fala ressalta a existência de “diversos tipos de lutas” pela dignidade e contra a injustiça.

A crise é sobre poder

Mohamed Ziyan, um jovem palestino, traz uma perspectiva pessoal e dolorosa ao cenário. “Não vim carregando esperança. Eu vim carregando as vozes quebradas dos meus amigos, dos meus vizinhos”, declarou. Ele expande a discussão para além de Gaza, mencionando as crises em Congo e Sudão, mas enfatizando o genocídio em sua terra natal. Ziyan é contundente ao afirmar que a guerra não é apenas uma calamidade humana, mas um destruidor silencioso da natureza.

A guerra não está apenas destruindo pessoas, está destruindo o meio ambiente, ecossistemas rasgados, água contaminada, ar envenenado, sistemas de saúde maltratados. Não há resiliência climática sob os escombros. Não há plano de adaptação para a ocupação. Não há justiça climática em terras roubadas ou colonizadas. O mundo deve entender isso: um futuro livre da crise climática também deve ser livre de opressão, colonização e genocídio. Porque a crise climática não é apenas sobre carbono, é sobre poder, exploração e sobre quais vidas o sistema valoriza.”

Em meio ao debate climático na COP30, vozes de resistência destacam a 'lacuna de emissões militares' e a crise humanitária e ambiental em Gaza. Foto: Alice Palmeira/Amazônia Latitude..

Em meio ao debate climático, vozes de resistência destacam a ‘lacuna de emissões militares’ e a crise humanitária e ambiental na Palestina. Foto: Alice Palmeira/Amazônia Latitude.

Mohamed Ziyan expressa que a juventude carrega um trauma que não criou, uma dor que o mundo se recusa a reconhecer. Contudo, ele enfatiza que essa mesma juventude também possui um “fogo”, uma resistência que o mundo não pode extinguir.

pedir por responsabilização não é ódio, é um ato de amor, um amor pela humanidade, um amor pela justiça e um amor por cada criança e cada cultura que luta para permanecer viva. E então eu pergunto: como vocês podem exigir que imaginemos um futuro sustentável, quando ainda estamos implorando pelo direito de existir ou de viver? Pelo direito de chorar, pelo direito de existir sem medo. O esforço global para combater as mudanças climáticas exige unidade, uma real unidade e paz.”

Angelo Giuliano, jornalista com vasta experiência em geopolítica na China, expõe as contradições percebidas nos debates climáticos durante a Conferência. “Por que estamos aqui?”, questionou. “Precisamos expor a hipocrisia, as inconsistências desta questão climática. Porque aqueles que estão financiando todos esses movimentos, são os mesmos que são culpados pelos problemas que temos neste ecossistema. Mas, além disso, este é um sistema de controle. Eles querem conter o Sul Global e estão usando as questões climáticas com o que eu chamaria de greenwashing”.

Ele observou a forte presença militar na Blue Zone da COP30, contrastando com as discussões da Green Zone, e interpretou isso como um “símbolo daquele 1% que está tomando as decisões por todos nós, os 99%”. Giuliano reiterou que os 99% não têm voz nesse sistema, sendo mantidos divididos por questões como identidade de gênero e aborto.

Argumentou, também, que é preciso entender como o jogo de poder funciona, enfatizando que “trata-se das corporações multinacionais que controlam países, que pré-selecionam líderes”. Para ele, a luta de Gaza é a luta de todos, pois “se hoje é Gaza, amanhã é o vizinho, como a Venezuela”. Sua mensagem final foi um apelo para que as pessoas se empoderem com conhecimento, entendendo o jogo e como o 1% controla a narrativa.

“O mundo está mudando, estamos passando de um mundo unipolar para um mundo multipolar. Essa mudança pode ser a oportunidade para Gaza encontrar uma solução”, afirmou, incentivando a autodeterminação e a união do Sul Global, como o Brasil.

Todos buscamos o mesmo: dignidade. Precisamos de coisas materiais. Não se trata de ideologia. Quando vocês acordam de manhã, no que pensam? Pensam em como vou colocar comida na mesa, como vão dar educação aos seus filhos, como pode ser um ser humano digno. Queremos ser seres humanos dignos.”

Edição e Montagem da Página: Juliana Carvalho
Direção: Marcos Colón

 

 

Você pode gostar...

Acesse gratuitamente

Deixe seu e-mail para receber gratuitamente a versão digital do livro e ampliar sua leitura crítica sobre a Amazônia e o Brasil.

Download Livro

Este conteúdo é parte do compromisso da Amazônia Latitude de tornar visíveis debates e pesquisas sobre a Amazônia e o Brasil. Continue explorando conteúdos no site e redes sociais e, se quiser fortalecer esse trabalho independente, considere apoiar via pix: amazonialatitude@gmail.com.

Translate »