Em Santarém, projeto de porto da Embraps ameaça Lago do Maicá

Imagens exclusivas da Amazônia Latitude evidenciam riscos para o ecossistema com a implementação de porto para escoamento de soja

 

A produção expressiva de grãos no norte do país desperta cada vez mais interesse do capital privado em aumentar lucros e a eficácia da logística de exportação. A intenção da Empresa Brasileira de Portos de Santarém (Embraps) é diminuir cerca de 800 quilômetros do trajeto atual da produtividade que sai de Mato Grosso, com a construção de um porto para escoamento de soja. O Lago do Maicá, situado na cidade de Santarém-PA, é a região visada para a realização do porto, em plena Amazônia legal. A área foi apelidada de “Floresta gloriosa” pelos naturalistas britânicos Henry Walter Bates e Alfred Russel Wallece pela enorme diversidade de espécie.

O ecossistema do Lago Maicá compreende mais do que a rica biodiversidade de seu leito – são as comunidades quilombolas que ali residem, os ribeirinhos, os povos indígenas, o ser humano que vive em sintonia com o lago e dele depende. A execução de megaempreendimentos na região agrediria o modo de vida tradicional desses povos, assim como o meio ambiente, em prol da monocultura da soja e seus altos índices de toxidade.

O projeto é vendido para a população com a promessa de expressiva geração de renda e emprego em Santarém, além de uma quantidade maciça de impostos que seria captada pelo Estado com a implementação do empreendimento – mesmo que o porto da Cargill, presente na região desde a década de 1970, seja um grande exemplo de que esse tipo de empreendimento não traz benefícios para a população local.

No dia 08 de fevereiro, o fotógrafo João R. da Amazônia Latitude registrou o cotidiano das populações tradicionais do Lago do Maicá. A seleção de imagens a seguir busca evidenciar um estilo de vida integrado à natureza que pode ser extinto caso o projeto seja levado a cabo.

Santarém, Pará, é uma das cidades mais antigas do interior da Amazônia. Ela está localizada no encontro dos rios Tapajós e Amazonas, cujas águas não se misturam, o que atrai um grande número de turistas para a região. É a segunda maior cidade do estado, assim como centro econômico e financeiro do oeste do Pará. Encabeça a Área Metropolitana de Santarém, que também conta com Belterra e Mojuí dos Campos.

 

A cidade é polo estratégico dos interesses do capital desde o processo colonizador. A produção de cacau, pecuária, o extrativismo, a borracha e, hoje, a monocultura da soja estão presentes em sua história produtiva e exploratória. O interesse pela região se dá pela posição geográfica estratégica para o escoamento de soja para a Ásia.

 

As vias fluviais que banham Santarém são um canal estratégico para o escoamento de Soja até o Atlântico, localizado a 475 milhas da cidade. São eles: a rodovia BR-163, a hidrovia do Tapajós e o Rio Amazonas. Os três caminhos levariam ao mesmo destino.

 

O ecossistema do Lago do Maicá é complexo, rico e extremamente frágil. Para a arqueóloga Ann Rapp Py-Daniel, da Universidade Federal do Oeste do Pará, o lago tem grande dinâmica de formação (terras caídas e em formação, aberturas de furos).

 

As atividades desenvolvidas pelos povos tradicionais do Lago do Maicá, como a pesca, a coleta e a agricultura familiar, não comprometem a oferta de recursos naturais da região. Sua cultura artesanal visa a subsistência – um estilo de vida simples e honesto que não sobreviveria à lenta degradação do lago com a chegada de megaempreendimentos.

 

A Empresa Brasileira de Portos de Santarém (Embraps) quer construir complexos portuários para o transporte de grãos, através do Lago do Maicá. O objetivo das empresas e dos produtores de soja da região é para que o grão oriundo do Mato Grosso percorra pela região Norte do país através do eixo Tapajós – Teles Pires

 

O artigo A Floresta Amazónica vai se tornar uma commodity?, de Marcos Colón, revela que estudos realizados pela Universidade  Federal do Oeste do Pará ( Ufopa) demonstram que as obras colocarão em risco o ambiente e a população. As paisagens serão afetadas pela circulação dos caminhões e pelo tráfego de comboios de balsas. A logística, certamente, acarretará no aumento da poluição atmosférica, visual e sonora.  A cidade também abriga um dos mais importantes sítios arqueológicos das Américas, e a construção do porto provocaria risco de perda do patrimônio arqueológico.

 

A região que sofrerá impacto com a construção do porto privado é lar de comunidades tradicionais. Foram totalizadas cerca de 400 famílias quilombolas, pescadores e algumas comunidades indígenas presentes em Santarém. O Lago do Maicá é berçário natural de espécies únicas da fauna aquática, fazendo da pesca a fonte de renda para muitas famílias.

 

Para os produtores de soja, as famílias são invisíveis. Uma reportagem feita pelo jornal Brasil de Fato mostra que estudos ambientais do Porto do Maicá, em Santarém, afirmavam “não existir nenhum território quilombola na área diretamente afetada do empreendimento”.

 

Os quilombolas têm direito à propriedade definitiva de suas terras garantido pela Constituição de 1988.  Muitos deles são descendentes de escravos que fugiram das fazendas de cacau e encontraram, às margens do rio Amazonas, a possibilidade de estabelecer uma vida digna e livre.

 

As comunidades do Maicá passaram a entender e lutar por seus direitos na década passada. Desde então, algumas estratégias do capital privado encontram obstáculos definidos pela resistência local.

 

Muitos pescadores não concordam com a criação do porto porque sua sobrevivência depende do lago em seu estado atual. As populações de peixes e fitoplânctons correm risco, podendo causar danos irreversíveis à vida dos seres humanos e não humanos da região.

 

A população do Lago de Maicá vive em comunhão com a natureza e os outros animais. O modo de vida tradicional que é possível encontrar hoje às suas margens também está em ameaça.

 

No dia 11 de dezembro de 2018, os representantes legislativos da cidade de Santarém alteraram a revisão final o Plano Diretor, em sessão secreta, regido pelo Estatuto da Cidade e aprovado pela sociedade civil. Movimentos sociais trabalharam para que o processo de licenciamento ambiental do Terminal de Uso Privado da Embraps  fosse realizado através de consulta prévia das comunidades que serão afetadas com empreendimento.

 

O que tudo indica é que as alterações no Plano Diretor irão contribuir para o êxodo rural e o inchaço das cidades. As famílias deixarão as roças e participarão da competitividade em busca de emprego. É provável o crescimento no processo de favelização.

 

As comunidades tradicionais serão obrigadas a se estabelecer em áreas urbanas, especialmente por ausência de políticas públicas. O projeto, apesar de autoritário, é defendido como obra desenvolvimentista e sustentável. O processo de urbanização e os interesses mercantis estão provocando crescimento desordenado das cidades, o que contribui para o aumento da violência.

 

Outras questões também precisam ser levantadas, como, a falta de saneamento básico, a necessidade de hospitais preparados para atender às novas demandas da população, assim como os serviços de energia e internet.

 

Pedro Martins, da organização de direitos humanos Terra de Direitos, observa que os proprietários de soja, geralmente vindos de outras regiões, começam a aparecer num processo de usurpação das terras dos camponeses. A Embraps surge nesse contexto a partir de proprietários de soja na região do Mato Grosso que têm interesse não apenas em escoar soja produzida, mas que também veem grande potencial lucrativo na construção de portos.

 

A Cargill, empresa privada estadunidense produtora e processadora de alimento, foi pioneira na construção de portos na região. Desde então, Santarém passou a ser vista como local estratégico para baratear a exportação de soja.  A companhia impactou diretamente o estilo de vida da população e o meio ambiente. De início, políticos e a própria população imaginaram que a obra fosse gerar desenvolvimento e melhor qualidade de vida. Hoje os habitantes dos bairros periféricos precisam lidar com os problemas causados pela grande avenida.

 

Santarém e os povos tradicionais em seus entornos são parte da Amazônia e estão, assim como toda a floresta, ameaçadas pelo interesse econômico – que não mede consequências em prol do acumulo de capital.

 

Fotos: João Romano/Amazônia Latitude

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