Agentes do Ibama sofrem violência armada e lutam para manter direito a porte

Liberação de armas geram mais violência contra agentes do Ibama
Foto: Vinicíus Mendonça/Ibama
Liberação de armas geram mais violência contra agentes do Ibama

Foto: Vinicíus Mendonça/Ibama

Em 2023, equipes do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) foram recebidas a tiros de armas de fogo pelo menos dez vezes na Terra Indígena (TI) Yanomami, durante ações para a desintrusão do garimpo na região. Esse número registrado pelo Ibama ilustra a violência recorrente contra agentes que vão a campo na Amazônia – um quadro que se agravou com a política armamentista durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro.

Os ataques contra agentes do Ibama faz parte da pauta da paralisação das atividades de campo que perdura há mais de 60 dias. Enquanto os servidores reivindicam melhores condições de trabalho, parlamentares buscam retaliar o movimento através da revogação do porte de arma para a categoria.

Reflexos da liberação de armas no governo Bolsonaro

Para Roberto Borges, agente de fiscalização desde 2004, os ataques atentados são problemas antigos, mas que se intensificaram durante o governo Bolsonaro.

“Antes, encontrávamos de três a seis cartuchos de munição e armas de caça com os infratores, mas, a partir de 2019, surgiram caixas de munição, revólver e fuzil. Isso demonstra uma escalada na capacidade bélica deles enquanto o Ibama perdia a lotação de fuzil, por exemplo, colocando em risco não só a legislação ambiental, mas a vida do servidor”, explica Borges.

Na gestão de Bolsonaro, a média de novos registros de posse de armas de fogo era de 275 por dia, de acordo com dados do Sinarm (Sistema Nacional de Armas), da Polícia Federal e publicados pela Folha de S.Paulo. As regras para a aquisição de armas por caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) também foram alteradas e permitiam a compra de dois tipos de fuzis, calibres 556 e 762.

A falta de rigor na emissão de licenças também chama a atenção. Entre 2019 e 2022, o exército emitiu licenças de CAC para condenados por tráfico de drogas e homicídio, e para pessoas com mandados de prisão em aberto, conforme reportagem publicada pelo Estadão no dia 4 de março. A informação faz parte de um relatório sigiloso do Tribunal de Contas da União (TCU) e obtido pelo jornal.

Parte da política pró-armamentista de Bolsonaro foi revogada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) em 2023, mas os efeitos dela continuam. Em entrevista à Amazônia Latitude, Borges relembra o ataque sofrido por ele na TI Yanomami, situada entre Roraima e Amazonas, no início de 2023.

Liberação de armas geram mais violência contra agentes do Ibama

Foto: Polícia Federal/Divulgação

“Junto com a PRF, a gente estava destruindo acampamentos e motores de garimpo numa área próxima aos indígenas isolados. No último motor que a gente estava destruindo, a aeronave acabou sofrendo um atentado. Atiraram contra a aeronave. Abrimos fogo também, mas tinha um rio entre nós, então procuramos garantir a segurança da aeronave para que ela pudesse decolar”, conta.

Borges ressalta que os ataques acontecem dentro e fora do campo. Em 2015, ele foi atingido por um tiro durante uma operação de combate a extração ilegal de madeira na TI Arariboia, no Maranhão. Já em 2019, o departamento de inteligência do Ibama também identificou e interceptou um grupo que estava organizando uma emboscada para o agente.

Porte de arma para Ibama e ICMBio está sob ameaça

Enquanto a violência nas atividades de campo crescem, servidores do Ibama debatem a inclusão do porte de armas no Estatuto do Desarmamento ou na lei de carreira de especialista em meio ambiente. Atualmente, o porte de armas para servidores do Ibama e do ICMBio é garantido pela Lei de Proteção à Fauna (Lei nº 5.197 de 1967), mas em entrevista à Amazônia Latitude servidores contaram que temem a revogação da lei.

“Antes, servidores que atuavam na fiscalização tinham respaldo também do Código Florestal e do Código de Pesca, mas os artigos foram excluídos pelos Congresso Nacional na edição das leis. Nosso receio é que numa revisão do Código de Fauna — e já tentaram isso — o porte também seja retirado”, diz Borges.

O agente ambiental do Ibama e diretor adjunto da Ascema Nacional (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente), Wallace Lopes, complementa: “Já tentaram fazer isso diversas vezes por meio de projetos de lei, por exemplo. Sempre que querem retalhar o Ibama por alguma ação fazem isso pelo porte de armas, que é claramente uma fragilidade institucional que a gente vive hoje”.

Em 2021, o ex- senador Telmário Mota (PROS/RR) propôs um projeto de lei que pretendia acabar com o porte de armas de fiscais do Ibama. No documento, Mota classificava a situação como “indesejável” e apontava possíveis abusos nas abordagens dos agentes. Ele também afirmava que o porte não é necessário para atividade que, segundo ele, não apresenta riscos. Mota não se reelegeu e o PL foi arquivado.

O ex-senador é defensor de rinhas de galo e é considerado aliado de Ricardo Salles (PL-SP), deputado federal e ex-ministro do meio ambiente (2019-2021). Juntos com Eduardo Bim, ex-presidente do Ibama, eles foram foram alvos de uma notícia-crime da Polícia Federal do Amazonas sob a acusação de tentar prejudicar uma ação policial contra madeireiros. Telmário Mota está preso na cadeia pública de Boa Vista desde dezembro de 2023, após ser acusado de ser o mandante do assassinato de Antônia Araújo de Souza, mãe de sua filha.

Além de Mota, quem tentou revogar o porte de armas do Ibama foi Jair Bolsonaro quando era deputado federal pelo Partido Progressistas (PP-RJ), mas o projeto foi rejeitado pela Câmara dos Deputados.

Agora, a inserção do porte de armas na lei de carreira de especialista em meio ambiente é debatido entre os servidores e o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Procurado pela Amazônia Latitude, o MMA não respondeu os questionamentos sobre o andamento dessa negociação com os servidores.

Registros dos incidentes 

A Amazônia Latitude solicitou ao Ibama detalhes sobre os incidentes com os servidores em campo, como os registros são feitos e de que forma o instituto tem trabalhado para minimizar os impactos das ocorrências. 

Sobre os dados e o processo de registro, o Ibama não respondeu, mas afirmou que recebe apoio das forças de segurança para operações em áreas de risco e na condução de investigações relacionadas aos casos de ataques. “No decorrer deste ano, foi concluído o inquérito conduzido pela Polícia Federal (PF) acerca do ataque ocorrido em 7 de setembro de 2021, uma retaliação às operações de combate ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami (TIY) realizadas pelo Ibama. Na ocasião, uma viatura da Autarquia foi danificada”, diz em nota. 

O agente de fiscalização do Ibama, Roberto Borges, rebate: “Isso é um absurdo. Não temos policiais suficientes no Brasil para servir de babá para outras instituições. Se o Estado brasileiro te dá determinada atribuição, ele tem que dar meios para cumprir isso. É preciso ter gente suficiente dentro do Ibama que possa atuar nas operações, e isso é complicado quando se tem somente 800 agentes em todo o instituto”, afirma. 

Condições de trabalho

Lopes, diretor da Ascema Nacional, considera que o Ibama não possui um procedimento ou controle de registros de incidentes em campo. Para ele, isso representa uma falha grave na gestão e na capacidade do Instituto de analisar e prevenir riscos futuros para os servidores. 

Com isso, a Ascema vai lançar uma plataforma própria no qual os servidores poderão notificar incidentes que envolvam riscos à vida e à saúde. O objetivo é identificar padrões de risco e cobrar medidas para a melhoria das condições de trabalho.

“Fora essas questões envolvendo violência, a própria natureza imprevisível do terreno e do clima, em muitas das áreas sob fiscalização, acaba levando a outros tipos de incidentes, como afogamento, quedas, contágio por doenças, acidente de carros, entre outros. Os dados da plataforma poderão ser utilizados em esforços de advocacia para defender os direitos e interesses dos servidores”, explica Lopes. 

Ao Ministério de Gestão e Inovação (MGI), os servidores reivindicam que o Governo Federal reestruture a carreira de especialista em meio ambiente, garantindo uma tabela única de remuneração entre servidores ativos e aposentados, redução da diferença salarial entre servidores de nível superior, intermediário e auxiliar, além da gratificação por qualificação e atividade de risco. 

No último dia  5 de março, a Ascema informou que os servidores da carreira de especialista em meio ambiente rejeitaram de forma unânime a proposta apresentada pelo MGI e que a paralisação deve continuar.

Produção: Ariel Bentes
Revisão: Isabella Galante & Filipe Andretta
Direção: Marcos Colón

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