Justiça mantém suspenso licenciamento de porto no Lago Maicá, em Santarém
Projeto de empreendimento da EMBRAPS não considerou comunidades tradicionais e violou convenção internacional
A Justiça Federal em Santarém região decidiu manter suspenso o processo de licenciamento de um porto na região do Lago Maicá, no norte do Pará. Emitida no dia 5 de outubro, a sentença destaca que a condução do processo foi viciada —não consultou as populações que seriam afetadas e não produziu estudos corretos sobre o impacto do projeto.
O juiz Érico Pinheiro utilizou o texto do Ministério Público Federal para fundamentar a decisão, com destaque para o impacto comprovado do empreendimento nas comunidades tradicionais e quilombolas na região do Maicá.
A sentença condena a União, o governo do Pará, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários e a Empresa Brasileira de Portos de Santarém (EMBRAPS).
O magistrado rejeitou o argumento de que seria necessário consultar apenas as populações localizadas em um raio de 10 km em torno do empreendimento, e solicitou uma mudança nos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) estudo para verificar a real área de influência real do projeto.
É fácil perceber que o impacto vai além dessa distância e que as atividades produtivas das comunidades transitam dentro e fora da área, como a pesca.
Anne Rapp Py-Daniel, arqueóloga da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), considera o Maicá um ecossistema rico e muito frágil e dinâmico —terras caídas e em formação, aberturas de furos e outros tipos.
Para a cientista, a presença de grandes navios provocará deslocamentos massivos de água que poderiam alterar a dinâmica das correntes fluviais e das várzeas mais baixas, onde moram muitos das comunidades tradicionais.
Também foi negado o argumento equivocado de que pescadores não constituiriam comunidade tradicional da região. Esta questão está pacificada na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, que considera ribeirinhos e pesquisadores artesanais no grupo.
Embora o processo se arraste por anos, os interessados no porto ainda não se mostraram sensíveis a consultar e ouvir a opinião dos povos tradicionais, diz o texto, considerando que uma audiência de conciliação não gerou acordos. Em 2016, uma decisão em caráter liminar determinou que, ao contrário do interesse da empresa, o licenciamento deveria ser feito na esfera federal, sob responsabilidade do Ibama.
Em dezembro de 2018, houve um novo tipo de ameaça ao ambiente e às comunidades. Vereadores de Santarém aprovaram, depois de decisão contrária da sociedade, a definição da área do Maicá como zona portuária, que permite empreendimentos do gênero.
Sancionado pelo prefeito dias depois, o Plano Diretor que contém esta medida é um documento que abre caminhos para outros projetos – que não têm se mostrado conscientes sobre os modos de vida que existem ali.
Mais do que uma mera etapa burocrática, a consulta prévia —anterior a qualquer tipo de ato administrativo para licenciamento ou implantação— deve ser feita de maneira apropriada, para buscar o entendimento entre todos os envolvidos.
Para a mudança nos Estudos de Impacto, o MPF adicionou ao processo um relatório do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que detalha a existência de comunidades quilombolas na região do Maicá.
O Ministério Público Federal criticou a ignorância do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), outro documento no processo de licenciamento, sobre o uso do curso d’água, o rio Ituqui, para a vida social e econômica das populações.
Assim, foi mantida a condenação da EMBRAPS para que consulte previamente as populações e modifique o EIA e o RIMA a partir de orientação de antropólogos habilitados para mensurar impactos diretos e indiretos em seu modo de vida na região do Lago do Maicá e do Rio Ituqui.