Sem tempo: paciente de Lábrea morre de Covid-19 à espera de transporte para Manaus

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acervo pessoal
Depois de negar, governo do Amazonas admitiu atraso na operação para a transferência de Raimar Freitas, 53

“Essa doença não escolhe pessoas, lugar, nem data, meu pai foi mais uma vítima”, diz Rayane Freitas. Seu pai, Raimar Ricardo de Freitas, 53, aguardava o transporte aéreo do Governo do Amazonas para leito de UTI na capital. Não resistiu.

Desde o início de 2021, o Amazonas tem enfrentado aumentos diários nos registros de vítimas do novo coronavírus. Em números absolutos, o estado chegou a 5.288 óbitos de 1ª de janeiro até terça-feira (23), de acordo dados da Fundação de Vigilância em Saúde do estado (FVS-AM). Ou seja, em janeiro e fevereiro deste ano, as mortes em decorrência da Covid-19 superaram os registros nos 10 meses de 2020, que chegaram a 5.285.

O ano que começou com a falta de oxigênio e o colapso da rede de saúde no Amazonas continua dando indícios de que a pandemia está longe do fim. Desde os primeiros apontamentos de contágio pelo coronavírus, o estado já registrou 310.919 casos e perdeu 10.642 vidas, segundo boletim da FVS-AM publicado na quarta-feira (24).

Por trás dos números, famílias abaladas. Em Lábrea, município situado entre os rios Purus e Madeira, com aproximadamente 40 mil habitantes, a pandemia já vitimou rostos, nomes e vidas que vão deixar saudade.

“A perda tão repentina de alguém é muito ruim”, afirma Rayane, filha de Raimar. “Desde o primeiro momento soubemos da situação grave em que ele se encontrava. Infelizmente meu pai não reagiu bem a esta maldita doença”. O pai morreu de Covid-19 no dia 17 de fevereiro, após dois dias na espera pelo transporte aéreo para a capital.

Raimar era gerente de uma empresa que ajudou a fundar com Hélio Camurça há pouco mais de dois anos. Dedicou-se imensamente ao empreendimento, que produz e vende castanha para vários estados. “Com poucos dias ele foi para o pavilhão rosa aqui na cidade, e só foi piorando. Há três dias, a esposa e a irmã dele vieram aqui em casa dizer que o pulmão dele estava 90% comprometido”, conta Dhely Braga, filha de Hélio.

O amigo e sócio no empreendimento, por sua vez, foi eleito vereador em Lábrea, e confiava em Raimar para tocar as atividades da empresa.

Luta pela vida

Sem UTI, Raimar estava internado em uma sala vermelha no Hospital Regional de Lábrea. A estrutura é utilizada para assistência temporária de pacientes críticos ou graves de Covid-19. Pacientes nessa condição aguardam nesses leitos até que a Secretaria de Saúde do Amazonas faça a remoção para Manaus.

Distante 702km de Manaus e localizada na região Sul do estado, na divisa com Rondônia e Acre, Lábrea é uma das cidades que necessita manter a atualização constante de oxigênio e outros insumos do hospital, enquanto não ocorre a remoção de pacientes.

Raimar aguardava desde 15 de fevereiro pela transferência para um leito de UTI na capital. Em material amplamente divulgado no dia seguinte, o governo amazonense anunciava a intensificação dos transportes de pacientes, incluindo um de Lábrea, Raimar. Que nunca deixou a cidade.

À filha, as equipes disseram que, por conta dos parâmetros vitais e por falta de resposta à medicação, a remoção não foi possível. Informaram que havia aeronave, UTI e leito em Manaus à disposição, mas que não dependeu da Secretaria, do município, do prefeito, dos médicos e nem de ninguém.

Questionada, a Secretaria de Saúde admitiu em nota que não foi possível fazer a transferência. “Devido a um atraso em uma remoção realizada em Parintins, no dia 16/02, não foi possível fazer a transferência do paciente de Lábrea no mesmo dia. A transferência foi reagendada para o dia 17/02, mas, infelizmente, não foi realizada devido ao óbito”.

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Com taxa de leitos de UTI em 87,68% e capital na fase vermelha, Governo do Amazonas permitiu reabertura do comércio em horário reduzido desde a última segunda (22). A restrição de circulação de pessoas está mantida das 19h às 6h. Diego Peres/SECOM

Controle frágil

Mesmo com Manaus ainda na fase vermelha, o governador Wilson Lima (PSC) vem cedendo a pressões de representantes dos setores do comércio e serviços à medida que ocorre a redução discreta de casos e mortes pelo coronavírus. O interior permanece na fase roxa, a mais grave da Covid-19.

A classificação em cores é um instrumento criado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) para classificar o risco e auxiliar nas respostas à Covid-19.

O indicador leva em consideração a variação de óbitos, casos e capacidade de atendimento da rede de saúde. A escala de cores vai de verde (melhor cenário com risco baixo) a amarelo, laranja, vermelho e roxo (quando há descontrole de contágio e superlotação de hospitais.

Entre os casos confirmados de Covid-19 no Amazonas na quarta-feira (24), há 1.277 pacientes internados, sendo 765 em leitos, 483 em UTI e 29 em sala vermelha. 104 pessoas aguardam transferência para leito de clínico ou de UTI. Dessas, 75 são do interior.

Imagem em destaque: Morto de Covid-19 no dia 17 de fevereiro, Raimar Freitas, 53, dedicava sua energia ao trabalho com a castanha. Arquivo pessoal.

 
 

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