Cidades de 2.500 anos são descobertas na Amazônia e arqueólogos rebatem teoria de Ratanabá

Cidades antigas na Amazônia e por que Ratanabá não existe
Foto: Divulgação/TV Brasil
Cidades antigas na Amazônia e por que Ratanabá não existe

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Há cerca de 2.500 anos, um conjunto de cidades antigas na Amazônia equatoriana abrigava até 30 mil pessoas, conforme um estudo publicado na revista científica Science em janeiro de 2024. Essa descoberta reacendeu o debate sobre a existência de cidades perdidas na região, como Ratanabá, mas os arqueólogos Eduardo Neves e Helena Lima rebatem a teoria e explicam as diferenças entre o estudo e Ratanabá.

O estudo, baseado em 20 anos de pesquisa interdisciplinar, encontrou a presença de centros urbanos pré-hispânicos com plataformas e praças construídas. Os centros são conectados por grandes estradas retas, todas cercadas por áreas agrícolas. “Escavações arqueológicas indicam que a construção e ocupação das plataformas e estradas ocorreram entre 500 AC e 300 a 600 DC, e foram realizadas por grupos das culturas Kilamope e posteriormente Upano”, diz trecho do artigo, indicando a presença de povos indígenas na construção das cidades.

Imagem feita pela tecnologia Lidar na pesquisa sobre a Amazônia equatoriana

Imagem feita pela tecnologia Lidar na pesquisa sobre a Amazônia equatoriana. Foto: Antoine Dorison/AP/Picture alliance.

Neves, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP), lembra que, diferentemente da civilização encontrada no Equador, a teoria de Ratanabá afirma que a suposta cidade perdida possui 450 milhões de anos. Isso, para ele, confirma a falta de respaldo arqueológico e geológico do suposto local. “Tem uma grande diferença quando falamos de civilizações de 2.500 mil e 450 milhões de anos. Há 450 milhões de anos não existia a América do Sul e a Cordilheira dos Andes. Os dinossauros também não existiam”, considera.

Além disso, o professor ressalta que a teoria aponta sítios arqueológicos já mapeados por pesquisadores como espaços “desconhecidos” que pertenceriam à cidade de Ratanabá. E outra incoerência da teoria é que ela desassocia a origem de Ratanabá dos povos indígenas.

“É uma forma de racismo contra os povos indígenas, pois retira deles a autoria dessas cidades. Quem estuda Arqueologia sabe que essas cidades de 2.500 anos foram construídas e habitadas por povos indígenas, que eram os ancestrais dos povos indígenas contemporâneos”, explica Neves.

Assim como Neves, Helena Lima, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, opõe-se à teoria de Ratanabá. Ela conta que narrativas como essa não refletem o papel da arqueologia. “A arqueologia está no presente e não atrás de relíquias. Está buscando trabalhar junto com os povos originários para compreendermos os processos de interação sociocultural do passado e enfrentarmos as lutas contemporâneas”, diz.

A pesquisadora, que também é professora do Programa de Pós-Graduação em Diversidade Sociocultural, oferecido pelo Museu, complementa: “É louvável a gente buscar conhecer e reconhecer toda a sofisticação que os povos indígenas do passado e do presente tem, no que diz respeito ao manejo do ambiente e na interação com a floresta. Agora, procurar uma suposta cidade perdida é muito ‘Indiana Jones’ e isso não é o nosso papel”.

A teoria de Ratanabá descreve a existência de uma cidade sob a Amazônia brasileira, próxima à fronteira dos estados do Mato Grosso, Amazonas e Pará. Segundo as suposições, a cidade perdida seria rica em ouro e teria sido fundada pela “civilização Muril”, que os autores consideram como a primeira civilização da humanidade.

Em 2022, a “descoberta” de Ratanabá foi reivindicada pelo Ecossistema Dakila. A organização não possui vínculo com universidades e órgãos oficiais de pesquisas, bem como é responsável por difundir um discurso antivacina e de que a Terra seria plana, de acordo com uma reportagem publicada pelo Estadão Verifica.

Tecnologia

O estudo que trata dos centros urbanos na Amazônia equatoriana, publicado na Science, foi feito por meio do trabalho de campo e um mapeamento de detecção e alcance de luz, conhecido como Lidar (Light detection height). A tecnologia permite que pesquisadores vejam através da cobertura florestal e reconstruam locais antigos abaixo dela.

Em 2022, pesquisadores da Alemanha também descobriram civilizações na Amazônia da Bolívia por meio do mesmo método. As civilizações datam da era pré-colonial, e a revelação foi feita na revista Nature. Os cientistas encontraram 26 assentamentos da cultura Casarabe, no qual 11 deles não eram conhecidos.

Helena Lima explica que o Lidar tem se popularizado e permitido que mais grupos de pesquisa trabalhem com ele. Além disso, ela conta que há 30 anos o mapeamento de um sítio arqueológico demorava cerca de um mês. Mas hoje, com o avanço das tecnologias, esse trabalho pode ser feito em um dia de campo.

“Aqui no museu, nós temos um sensor como esse que é pilotado por drones e com ele, temos feito mapeamentos no Marajó e Alto Xingu. Mas é importante dizer que isso não substitui a presença do pesquisador em campo. O uso da tecnologia precisa ser comunicado para as comunidades, e o trabalho em conjunto com elas também precisa ser feito, onde elas decidem o que pode ser mapeado e divulgado”, considera Lima.

Produção: Ariel Bentes
Revisão: Isabella Galante
Direção: Marcos Colón

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