Em plenária no X FOSPA, organizações compartilham luta por defesa do território

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Comunidades originárias e quilombolas trocaram experiências de organização e mobilização coletiva para frear invasões e exploração

Como as comunidades originárias e tradicionais podem se organizar contra abusos e invasões? Para compartilhar experiências sobre a proteção de seus territórios, lideranças e integrantes de diferentes movimentos reuniram-se na plenária da Frente de Resistência em Defesa do Território. A discussão foi organizada pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) e integrou o primeiro dia de atividades do 10º Fórum Social Pan-Amazônico (X FOSPA). Representantes das comunidades quilombolas e indígenas responsáveis pela plenária iniciaram uma rodada de apresentações em que cada participante imaginou algo ou alguém que lhe representava, contou seu nome, seu lugar de pertencimento e o que trazia consigo para mostrar ao mundo.

Guilherme Carvalho, coordenador da FASE na Amazônia, falou sobre a missão da organização e sobre o objetivo de somar com os povos para, juntos na Frente, ganharem participação no debate público.

“A luta social aqui na Amazônia mudou muito. Há muitos anos, nós das comunidades lutávamos apenas contra os fazendeiros, sabíamos quem queria nossas terras. Agora a resistência não é mais suficiente, é contra um bloco de poder. São governos, empresas nacionais e internacionais”, disse Carvalho na abertura dos debates. “É preciso urbanizar as lutas e articulá-las com aos demais movimentos. A comunicação é uma estratégia de luta”.

Os movimentos sociais surgem na tentativa de construir um campo contra o poder hegemônico, com debates e questões relevantes para as comunidades que são atingidas diretamente e indiretamente, pelas tentativas de inserção de empresas em seus lares.

Protocolo de Consulta: arma de resistência

Integrante da comunidade do Bom Remédio, Vanilson contou que os empreendimentos afetam diretamente o bem-estar na região de Barcarena. A poluição dos rios e o projeto de um porto hidroviário na Ilha do Capim são um dos principais obstáculos para a vida dos pescadores e ribeirinhos, que têm nos peixes da baía suas fontes de sustento e alimento. “Quando a gente pergunta quem são os investidores, eles dizem que são empresas privadas. Assinar um contrato de 30 anos com essas empresas seria condenar toda uma geração”, afirmou Vanilson.

Para lidar com o impasse, a a comunidade se mobilizou para criar o Protocolo de Consulta, uma ferramenta para provar sua estadia no território de modo e defender suas condições de existência. O Protocolo de Consulta e Consentimento é um documento elaborado por cada povo indígena ou comunidade tradicional para determinar como esses grupos querem ser consultados a respeito de temas que afetem suas culturas, tradições e organização social.

Rosa Maria, do assentamento Nossa Senhora do Parto, nas proximidades de Abaetetuba, sofre com as mesmas dificuldades de Vanilson. Depois do do naufrágio de um navio com 5 mil bois em 2016 e do vazamento da Hydro em 2018, ambos em Barcarena, a comunidade lutou para obter o protocolo como amparo e registro do que tem acontecido. Além do plano de gestão territorial, foi necessário adotar outras estratégias de mobilização, como assembleias e reuniões, para aprovação do documento e demarcação das terras com GPS.

“Com isso, conseguimos mapear nosso território e podemos provar que todo mundo mora lá. As pessoas ficavam alegres ao ver que suas casas seriam registradas”, disse Rosa Maria.

Processo de autoproteção

Sem o apoio do governo, os territórios e povos indígenas sofrem ameaças de todas as formas. Foi o que relatou Poró Borarí do território Maró, localizado em Santarém, que criticou a dificuldade de conseguir proteção contra diversas invasões e frentes de exploração ilegal. Sem políticas públicas, a comunidade iniciou junto com sua comunidade um sistema próprio de vigilância.

“Em 2010, criamos uma organização de vigilância. Já que a polícia não faz nada, nós fazemos o papel dela. Mas quando fazemos, somos enquadrados como criminosos. O enfrentamento maior é o da madeireira. Agora que devastaram a área ao redor do território, querem entrar para pegar o que temos dentro. É madeira ilegal, pois não tem nossa autorização. Sofremos pressão politica e ideológica. Nosso estado é campeão em matar lideranças indígenas e quilombolas. Precisamos fazer isso, já que o estado não faz”, criticou Borarí.

O sistema de monitoramento desenvolvido no território Maró conta com cerca de 45 vigilantes, que passam por treinamentos para manuseio de GPS e operação de câmera. A organização possui autoridade de polícia na área, prendendo e multando os invasores.

Resistir é importante

Tui Omonibo, liderança da Frente de Resistência, reafirmou a importância da educação e da inclusão de indígenas e quilombolas no ensino superior. “Estar dentro das universidades é estar não só buscando conhecimento, porque a gente já tem conhecimento em nossas comunidades. Mas usar essa carga de ciência para saber o que está acontecendo de perto, para não sermos pegos de surpresa. Com essa rede de comunicação e ensino, conseguimos saber o que acontece com os indígenas e os outros povos. A gente se ajuda”, explicou Tui.

Para o governo e outros poderes estabelecidos, um território sem medo de ir à luta e com autonomia é perigoso. Quando uma comunidade se torna espelho para as demais, ela incentiva aquelas que passam pelas mesmas batalhas a tomarem as mesmas medidas.

“Os movimentos na Amazônia são sofisticados. Nós da Pan-Amazônia temos muito a ensinar em uma nova perspectiva de luta social, em discussões que estão no alvo do mundo”, disse Guilherme ao final da plenária no FOSPA.

Por Andreza Dias e Yris Soares
Andreza Dias é graduanda em Comunicação Social – Jornalismo na Universidade Federal do Pará (UFPA). É repórter no Projeto de Extensão Academia Amazônia da UFPA, responsável pela divulgação científica de produtos da universidade. É estagiária de social media do GEAMAZ (Grupo de Estudos em Educação Ambiental na Amazônia), da UFPA.
Yris Soares é graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Colaborou na divulgação de produções independentes em Belém e foi estagiária de assessoria de comunicação. É estagiária na Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) e participa da coordenação de comunicação do projeto Crônicas do Norte.
Imagem em destaque: Andreza Dias
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