Nossa casa, nossa mãe: Por dentro da 2ª Assembleia Mundial Pela Amazônia

Palestrantes falam na 2ª Assembleia Mundial pela Amazônia. O palco é dominado por quatro mulheres, uma delas segurando o microfone.
Para povos dos territórios amazônicos, cientistas e ativistas ambientais, proteger a Amazônia é proteger a vida e a Terra

Canções tradicionais de povos indígenas, invocação aos espíritos da floresta, cânticos em homenagem à Amazônia e à Mãe Terra. Foram essas manifestações culturais que deram início às programações do primeiro dia do X Fórum Social da Pan Amazônia.

Todos os presentes no Grande Auditório Benedito Nunes, da Universidade Federal do Pará (UFPA), se uniram sob a crença de que a Amazônia é o local de vida e ligação dos povos tradicionais. Para além de motivações mercadológicas, sua proteção é essencial à vida dos seres humanos e não humanos. Não, à toa a frase “proteger a Amazônia é proteger a vida e a Terra” foi repetida por todos os convidados ao púlpito – seja em castelhano, em português ou em guarani.

Representantes dos nove países que compõem a Pan-Amazônia e organizações não governamentais foram convidados a compartilhar suas ideias, histórias e memórias sobre a região.

A preocupação principal é como manter a biodiversidade no bioma, mesmo diante de intensos ataques vindo de grandes companhias estrangeiras, e de iniciativas predatórias nacionais – como os garimpos ilegais e projetos de criação de hidrelétricas. Outras temáticas, como a violência contra as mulheres e a oposição ao modelo de exploração neoliberal, também foram trazidas à tona.

Rodrigo Fadul, representante da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), abriu as falas. Entre os diversos pontos apresentados, ele ressaltou que o papel fundamental da organização era servir às populações amazônicas, principalmente em questões relacionadas aos direitos humanos. “A Igreja Católica vive uma tendência mundial, encabeçada pelo Papa Francisco, de olhar a Amazônia com mais carinho”, afirmou.

Natalia Greene, representante do Peru, destacou em sua fala como opositores ao governo têm sofrido constante violência. Para Greene, a única alternativa ao modelo neoliberal “que promove a crise climática, guerra às mulheres e à espiritualidade” é um “autogoverno com plena expressão dos direitos e livre determinação dos povos amazônicos”.

Protagonismo feminino

A 2ª Assembleia Mundial Pela Amazônia foi dominada por mulheres. Dentre os dezessete convidados pela mesa, nove eram mulheres amazônicas: professoras, representantes de povos tradicionais e militantes. Com falas destacando o repúdio às formas de dominação capitalista e a violência de gênero, elas chamaram o protagonismo da Assembleia, lembrando que sem mulheres não existem mães e sem mães, não existe vida.

As falas das representantes do Brasil e da Bolívia se destacaram, elencando os principais problemas que ambos países passam. Ima Vieira, ecóloga e pesquisadora do Museu Emílio Goeldi, apontou que a Amazônia brasileira sofre com a ameaça ao modelo socioambiental da população amazônica, devido a práticas institucionalizadas de desmonte de leis de proteção ambiental e altos índices de violência.

“Os problemas e as realidades complexas da Amazônia não podem ser resolvidos com modelos de bioeconomia e suas promessas tecnológicas, que mais se apropriam de saberes tradicionais e se voltam para o grande mercado ao invés de valorizar seu território”, disse.

Ainda segundo a pesquisadora, existem dois caminhos para a Amazônia: “a destruição e exploração exógena da biodiversidade” ou “a sustentabilidade e a consideração do modelo endógeno, valorizando os povos tradicionais e as necessidades internas de todos os amazônicos”.

Wilma Mendonza, liderança indígena boliviana, apresentou ao público sua “Carta a Luis Arce Catacora, Presidente del Estado Plurinacional de Bolívia”. O texto expõe diversos problemas ambientais, desde a urgência de frear o desmatamento, até a produção insustentável de agrocombustíveis – que, de acordo com ela, deveria passar por avaliações de impacto ambiental.

Garantir a soberania alimentar em contrapartida à dependência das multinacionais, além de evitar cultivo de plantas que destroem a floresta, são outras medidas sugeridas por Wilma.

Lolita Piagote, liderança indígena do Equador; Luiz Marques, professor da Universidade de Campinas (Unicamp) e Adriano Karipuna encerraram a Assembleia ressaltando que há uma guerra em curso contra a Amazônia. Em suas falas, ressaltaram que é preciso retirar a floresta do sistema agroquímico, minerador e energético global e ajudá-la retomar seu lugar de santuário da sociobiodiversidade.

“O destino das pessoas depende do destino da Amazônia, e a sua proteção é o único antídoto para nossas sobrevivências”, disse Marques.

A Assembleia Mundial Pela Amazônia encerrou sua segunda edição questionando o papel das Conferências das Nações Unidas sobre mudanças climáticas (as COPs). Esses eventos, segundo os palestrantes, trazem poucos resultados e estão alinhadas a interesses mercadológicos europeus e norte-americanos.

Para os presentes na assembleia, iniciativas amazônicas como o FOSPA impulsionam a autogestão de povos amazônicos segundo suas próprias experiências, na reivindicação de políticas públicas que os atendam, e não aos mesmos poderes de multinacionais e nações neoliberais.

Por Ana Vitória Gouvêa e Marcela Gomes Fonseca
Ana Vitória Monteiro Gouvêa é graduanda em jornalismo da Universidade Federal do Pará (UFPA). Foi bolsista de iniciação científica, além de colaboradora da Revista Brasileira de História da Mídia e do projeto DivulgAí. Estagia na TV Liberal e está produzindo um documentário sobre Barcarena, vencedor do Prêmio Jovem Jornalista 2022 do Instituto Vladimir Herzog.
Marcela Gomes Fonseca é mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (UFPA) e fundadora da Rodapé Oficina Editorial, editora independente de Estudos Amazônicos. Pesquisa História da Amazônia há oito anos e tem se especializado na área da Literatura e História da Amazônia como metodologia de empoderamento comunitário.
Imagem em destaque: Ana Vitória Gouvêa/Amazônia Latitude.
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