Em defesa da Pan-Amazônia e seus povos: Pela realização do X FOSPA em Belém

Encontro de Saberes e Mudanças Climáticas pré X Fórum Social da Pan-Amazônia
A Carta de Belém à Realização do X Fórum Social Pan-Amazônico de 2022 defende a região como um espaço geopolítico para o qual a Humanidade seria chamada a decidir o seu futuro

O Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA) é um evento/processo de alcance global que surge no âmbito do Fórum Social Mundial, para lutar pela vida, a Amazônia e seus povos. É um espaço de articulação dos povos e movimentos sociais para a incidência e a resistência política e cultural frente ao modelo de desenvolvimento neoliberal, neocolonial, extrativista, discriminador, racista e patriarcal.

Quando o Fórum Social Pan-Amazônico foi criado, em 2002, a Pan-Amazônia era pouco mais do que um conceito. Existiam somente três entidades que reivindicavam esta condição: uma intergovernamental, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), composta pelos governos dos países da região; outra de cooperação acadêmica, a Associação de Universidades da Amazônia (UNAMAZ), composta por universidades públicas da região panamazônica; e a terceira, dos povos indígenas, a Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA). Apesar disto, de forma visionária, o FOSPA já afirmava que a Pan-Amazônia era um espaço geopolítico para o qual a Humanidade seria chamada a decidir o seu futuro.

Hoje, podemos dizer que este momento chegou! E chegou de forma conflitiva, com os movimentos sociais, as forças políticas de resistência, os povos originários, as comunidades quilombolas, indígenas, ribeirinhas, extrativistas, de pescadores/as, agricultores/as familiares, assentados/as da reforma agrária, quebradeiras de coco, dentre as várias populações habitantes da região, e um conjunto de aliados no mundo inteiro, enfrentando abertamente as grandes corporações e seus governos.

A disputa pelo controle do território amazônico atingiu um momento de alta fricção, com o cenário agudizado pela ofensiva do capital, conduzida, na Pan-Amazônia, principalmente pelo governo de extrema-direita do Brasil, que age de forma violenta e agressiva, como aríete das mineradoras e do latifúndio contra a resistência protagonizada pelos povos da região, auxiliados pela crescente consciência mundial de que sem a floresta amazônica não haverá futuro para a Humanidade.

Em todos os países da Pan-Amazônia, nossos povos seguem sua luta secular contra o colonialismo, o capitalismo, o racismo, o patriarcado, o extrativismo e tantas outras estruturas assimétricas e violentas de poder que vem promovendo genocídio, etnocídio e ecocídio. A união para o fortalecimento das resistências dos povos da Pan-Amazônia constitui o sentido do FOSPA. Ao tempo em que precisamos alimentar as lutas e resistências dos nossos povos em todos os sete territórios da Pan-Amazônia, precisamos, também, de uma leitura estratégica, histórica e geopoliticamente situada da conjuntura de nossa região, que nos possibilite tomar decisões que articulem forças para a defesa da Pan-Amazônia e de seus povos.

O governo de extrema-direita do Brasil, sustentado em forças conservadoras, reacionárias, fundamentalistas e neofascistas, persegue, violenta e criminaliza os movimentos sociais, apoiadores e operadores do direito, e os povos amazônicos. O governo de Jair Bolsonaro não é uma ameaça somente para o Brasil; é claramente uma ameaça para a Pan-Amazônia e para o mundo.

Esta situação se evidencia para o mundo quando Bolsonaro despreza a ciência, em seu negacionismo reacionário, e minimiza os efeitos do aquecimento global (diversas vezes o governo brasileiro ameaçou se retirar do “Acordo de Paris”) e da pandemia pelo novo coronavírus, promovendo uma necropolítica que afeta com maior intensidade as classes populares e subalternizadas pelo sistema-mundo moderno/colonial. Também quando implementa o desmonte dos órgãos de fiscalização e de defesa ambiental, abrindo caminhos para a expansão do latifúndio e a ameaça às terras e às culturas dos povos originários da Amazônia, com consequências devastadoras tanto para a natureza quanto para todas e todos que dela dependem.

Tudo isso nos leva a ponderar que a Amazônia brasileira é o território mais indicado para sediar o X FOSPA e, entre as cidades amazônicas, a que reúne todas as condições, no momento, para ser a sede de um evento de tamanha magnitude é Belém do Pará. As lutas dos povos, das classes populares e dos movimentos sociais do Brasil e da Pan-Amazônia se articulam com as lutas que ocorrem em toda a América Latina e no mundo.

Vivemos um momento conflitivo, disruptivo e de transição, em que aparecerem sinais de uma possível alteração na correlação de forças em âmbito mundial. As derrotas eleitorais da extrema-direita nos Estados Unidos, na Bolívia, na Argentina e na Venezuela, a vitória popular no plebiscito chileno, a retomada em todo o mundo das manifestações altermundialistas, o fortalecimento das lutas por autonomia territorial, dos movimentos feministas, negros e dos povos indígenas indicam possibilidades reais de alterações no curso que a história vem seguindo nos últimos anos. Precisamos avançar nesta direção e articular as diferentes forças que agregam os povos da Pan-Amazônia: o FOSPA, seus aliados históricos e novos aliados, em uma perspectiva de avanço das articulações.

Não por acaso, desenvolve-se um processo de reorganização das articulações regionais e mundiais que lutam por um mundo justo e solidário. Na Amazônia, um ponto-chave da luta pelo bem comum da Humanidade, os povos originários e tradicionais, os movimentos sociais, as redes de luta se preparam para dar um passo importante: a realização do X Fórum Social Pan-Amazônico, em 2022.

Parte da constelação do Fórum Social Mundial, o FOSPA resistiu durante este duro inverno, conseguindo realizar nove edições, sempre sediadas em cidades amazônicas, do Brasil, da Venezuela, da Bolívia, do Peru e da Colômbia. Em 2022, o FOSPA realizará sua décima edição e nós defendemos que, estrategicamente buscando o fortalecimento das lutas dos povos e ampliando a luta contra o avanço neoliberal e conservador na região, sua realização seja em Belém do Pará, na Amazônia brasileira.

Alguns motivos, entre outros, fundamentam nossa análise geopolítica e estratégia de luta ao indicar Belém como sede da próxima edição do FOSPA:

A Amazônia brasileira é hoje o cenário principal da ofensiva lançada pelas corporações e seus governos contra a natureza e os povos pan-amazônicos. É do Brasil que parte o principal estímulo político e material aos inimigos da Amazônia e seus povos, com uma política deliberadamente genocida, ecocida e etnocida.

Belém é uma cidade amazônica, capital do estado do Pará, que expressa explicitamente todos os conflitos que existem na Pan-Amazônia: conflitos ambientais de grandes proporções; impactos dos grandes projetos econômicos de “desenvolvimento”; ameaça aos povos do campo, dos rios e da floresta e às classes populares urbanas; ameaça e assassinato de lideranças indígenas e quilombolas, defensores/as de direitos humanos, sindicalistas e lutadores/as em defesa da reforma agrária, juventudes negra e indígena das periferias urbanas, trabalhadoras e trabalhadores do campo e da cidade e avanço de inúmeras situações de violência (s) contra as meninas e mulheres, com aumento do número de feminicídios, violência doméstica e sexual, assassinatos de população trans, sendo o maior número de negras.

A indicação de Belém como sede do X FOSPA tem a possibilidade de estimular, a partir uma cidade amazônica que sofre todas as agressões que o capitalismo impõe aos povos da Pan-Amazônia (mineração, agronegócio, latifúndio, hidrelétricas, criminalização dos movimentos sociais etc), diversas lutas, mobilizações e proposições que poderão contribuir para o fortalecimento da resistência dos povos dos 9 países da bacia amazônica.

Belém, e o estado do Pará, têm uma história de séculos de luta e resistência contra a opressão dos colonizadores, unindo negros/as, indígenas e caboclos/as em lutas heroicas, a exemplo da Cabanagem, no século XIX, um movimento revolucionário contra a opressão do império, que teve na população pobre, em especial o povo preto e povos indígenas, sua maior fonte de resistência. Apesar da sanguinária reação do império, matando entre 30% a 40% da população paraense em luta, esse fato mostrou que o espírito da luta e da resistência continua vivo em cada mulher e cada homem que habitam essa região. O tempo passou, mas a força deste povo continua pujante. Da Cabanagem para cá, foram incontáveis os exemplos de valentia e determinação dos nossos povos amazônicos.

O surgimento do Fórum Social Pan-Amazônico, em Belém, há quase 20 anos, ratifica essa história de luta contra o capitalismo, o colonialismo, o racismo, o sexismo, o patriarcado e a destruição da natureza amazônica, na defesa de “um outro mundo possível”. Após o FOSPA de 2002, naquele momento chamado de FSPA, Belém ainda realizou mais uma edição, a de 2003, reivindicando, naquele momento, o FOSPA como um processo, um evento/processo, que agora caminha para sua décima edição.

Em 2009, Belém sediou a 9ª edição do Fórum Social Mundial, única vez em que uma edição do FSM ocorreu na Amazônia, e contou com a participação de, aproximadamente, 150 mil pessoas, em seus seis dias de atividades. Belém demonstrou, desse modo, que possui infraestrutura e um povo acolhedor e de luta para receber e organizar um evento de grandes proporções, como o FOSPA.

As forças populares de Belém elegeram, para o período de 2021-2024, uma frente de esquerda para administrar a capital, liderada por Edmilson Rodrigues, o que no cenário em que vivemos regionalmente pode contribuir e atribuir centralidade para as lutas dos povos da Amazônia. O aceno favorável da Prefeitura de Belém para a realização do X FOSPA é muito bem-vindo, pois não se faz um grande evento/processo sem logística e infraestrutura, equipamentos de saúde, segurança pública, comunicação, ampliação dos transportes, apoio em relação a alojamento e alimentação para delegações específicas, entre outras demandas. Nesse caso, as duas experiências de realização do FOSPA na cidade, quando Edmilson Rodrigues era também prefeito, mostrou, a um só tempo, o apoio do poder público para a realização do evento, assim como a plena autonomia das organizações e dos povos da Pan-Amazônia que construíram o FOSPA, na definição das pautas, metodologias e programação.

Belém é uma cidade cosmopolita, com aproximadamente 1,5 milhão de habitantes, contando com uma grande e variada rede hoteleira, universidades com infraestrutura, organizações da sociedade civil com possibilidade de ofertar alojamento solidário, aeroporto internacional, farta conexão digital e toda a estrutura de uma metrópole. Está encravada entre a Baía do Guajará e o Rio Guamá, num belo cenário amazônico, bem próximo de onde o Grande Rio se lança ao mar.

Diversos coletivos e movimentos sociais de Belém, do Pará e do Brasil já se articulam para uma possível realização do FOSPA em Belém. Cerca de 70 organizações de educação popular, movimentos sindicais, populares, comunitários, organizações de defesa dos direitos humanos assinaram a “Carta-Manifesto de Movimentos e Coletivos de Educação Popular com Propostas para a Política de Educação Popular em Belém e as Celebrações em torno do Centenário de Paulo Freire”, na qual apoiam a realização do FOSPA na capital paraense. Diversas outras articulações com movimentos sociais, de mulheres, sindicais, indígenas, populares, juventudes seguem sendo construídas, para criar as condições necessárias para reunir as lutadoras e os lutadores do mundo em Belém.

Tomando por base estas motivações e respeitando os critérios definidos pelo Conselho Internacional do FOSPA para a deliberação de sua próxima sede, consideramos que Belém reúne as condições necessárias para sediar a décima edição do Fórum Social Pan-Amazônico, em particular porque:

  1. Os 05 comitês locais do Brasil, incluindo o de Belém, conformam um coletivo brasileiro ativo no âmbito do FOSPA, que possui uma estrutura dinâmica e orgânica, com ampla participação em toda a história de construção do Fórum, compreendendo profundamente a perspectiva de luta e metodológica do FOSPA;
  2. Belém possui uma situação geopolítica e vive um momento histórico que possibilitará o fortalecimento das lutas dos povos da Pan-Amazônia;
  3. Belém é uma cidade que anima, inspira e mobiliza a participação e a solidariedade de um grande número de organizações e movimentos sociais da Pan-Amazônia;
  4. Belém possui capacidade administrativa, infraestrutura e logística para sediar o FOSPA, contando com apoio da Prefeitura local, mas, sobretudo, dos movimentos sociais e povos da região;
  5. Belém compromete-se a construir uma agenda interseccional de gênero, sexualidade, raça, etnia e classe, que articule as apostas do FOSPA, contando com o protagonismo de organizações feministas, antirracistas, das juventudes e de defesa da educação popular, dos direitos humanos, das lutas por autogovernos territoriais, em especial dos povos indígenas, pelos direitos da natureza, etc., de maneira a garantir e respeitar a metodologia do FOSPA em movimento, as iniciativas de ação, as experiências comunitárias e a política de comunicação do Fórum, seja em condições virtuais ou presenciais.
  6. Belém compromete-se a fortalecer uma coalizão de forças com as diversas organizações pan-amazônicas que historicamente têm construído o FOSPA em movimento, tais como: Coordinadora de las Organizaciones Indígenas de la Cuenca Amazónica (COICA), Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), Assembleia Mundial pela Amazônia (AMA) que, neste momento, promovem “O grito da selva: vozes da Amazônia”, discutindo a construção do Plano de Vida dos povos dos rios, das florestas e também das cidades, entre outras organizações. Também se compromete a potencializar articulações com outros coletivos de luta com atuação na Pan-Amazônia.

Considerando a centralidade que a defesa da Amazônia ocupa hoje nas pautas dos coletivos de resistência, de todo o mundo, o X Fórum Social Pan- Amazônico, em Belém, reúne as condições necessárias para se tornar um momento importante e histórico de reorganização internacional dos movimentos anti-sistêmicos no mundo inteiro, em defesa da Pan-Amazônia e de seus povos.

Belém (Pará/Brasil), 17 de março de 2021

Foto em destaque: Divulgação/X Fórum Social Pan-Amazônico
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