Como o mundo consome notícias sobre a crise climática

Manifestantes contra a crise climática marcham em Vancouver, no Canadá, com uma placa que diz "Mudança no sistema, não mudança climática".
Países menos politicamente polarizados e mais afetados pela crise climática são mais interessados pelo tema – mas é preciso engajar todos os segmentos na discussão

A crise climática é uma das questões definidoras – se não a questão definidora – da atual era. Pensando nisso, o Reuters Institute for the Study of Journalism, think tank britânico, fez uma pesquisa para entender como o mundo acessa e pensa sobre notícias a respeito de mudanças climáticas.

Parte do Digital News Report 2022, um dos capítulos explora as atitudes e comportamentos do público em relação a essas notícias, oferecendo insights que podem ajudar as redações de todo o mundo sobre como cobrir um assunto tão complexo e como gerar interesse do público no tema.

Em todo o relatório, foram analisados 46 mercados (ou países), que representam mais da metade da população mundial. A ampla amostra pode iluminar tendências em outros lugares.

O foco da pesquisa são países amplamente democráticos ou com tradição democrática. Os mercados analisados também têm alta penetração de internet, já que o Instituto Reuters usa pesquisas online.

As pessoas estão interessadas na crise climática?

Mais ou menos. As audiências que mais se interessam sobre o tema de mudanças climáticas estão concentradas na América Latina, sul da Europa e Ásia-Pacífico. Pouco mais da metade dos entrevistados na Grécia (53%), Portugal (53%), Chile (52%) e Filipinas (52%) dizem estar interessados ​​em notícias sobre mudanças climáticas e meio ambiente.

O Brasil está na linha “intermediária”, com 46% de interesse (abaixo do Chile, mas acima da Argentina, 43%, e do Peru, 42%, o que é curioso porque Brasil e Peru são os dois países latino-americanos com os maiores percentuais de floresta amazônica em seus territórios).

O interesse é menor nos mercados da Europa do Norte e Ocidental, como Noruega (33%) e França (36%), juntamente com os Estados Unidos (30%). Enquanto isso, esses são alguns dos maiores emissores de carbono do mundo: os estadunidenses estão em segundo lugar no ranking, atrás apenas da China, e os franceses estão em 19º.

Em todos os países pesquisados, aqueles que estão mais interessados ​​em notícias sobre mudanças climáticas tendem a ter níveis mais altos de renda e educação. Talvez surpreendentemente, também tendem a ser mais velhos.

O que gera o interesse – e o desinteresse?

Segundo o relatório do Reuters Institute, a polarização política é um dos fatores que mais afeta a percepção e o interesse do público sobre a crise climática. Em países onde políticos de esquerda e de direita têm interesses mais diferentes, o interesse geral em notícias sobre mudanças climáticas cai.

Por exemplo, nos Estados Unidos – o mercado com o menor nível de interesse em notícias sobre mudanças climáticas – o índice de percepção da polarização, segundo o Reuters Institute, é de 41%. O baixo interesse da direita sobre a crise climática reduz drasticamente o número geral.

Enquanto isso, nos mercados com os maiores níveis de interesse em mudanças climáticas, há menos polarização. Na Grécia, a diferença na proporção de pessoas da esquerda versus direita que estão interessadas em notícias sobre mudanças climáticas é de apenas 16 pontos percentuais, enquanto em Portugal a diferença cai para 10 pontos.

Metade (49%) dos eleitores de direita estadunidenses dizem não prestar atenção às mudanças climáticas. Esse número é um terço na Austrália (34%) e na Noruega (31%). Isso se compara a apenas 5% dos políticos de direita em Portugal e no Chile que dizem não prestar atenção no tema.

No Brasil, os números indicam que a população percebe o ambiente midiático como relativamente homogêneo em termos de posicionamento político. Apenas 23% dos entrevistados percebem as organizações de notícias em seu país como politicamente “distantes”.

O interesse morno em mudanças climáticas no país pode relacionar-se à evasão seletiva de notícias, que atingiu um novo recorde: mais da metade dos entrevistados (54%), um salto em relação a 2019 (34%) dizem que fazem uma pausa intencional na leitura de notícias.

Esta é a terceira maior proporção de todos os mercados pesquisados. Essa forte tendência de alta parece refletir uma espécie de “fadiga de más notícias”, que prejudica o acesso à informações sobre a crise climática.

Outra influência indicada pelo relatório são os próprios impactos das mudanças climáticas. A Grécia e Portugal, por exemplo, sofreram com incêndios florestais devastadores nos últimos anos, e o Chile continua a sofrer com uma seca severa, o que tornou as mudanças climáticas “fáceis de ver”.

De acordo com o Reuters Institute, “pode ser que o público se interesse mais por notícias sobre o tema quando não estiver tão polarizado e possa ver claramente os efeitos negativos das condições climáticas extremas onde vive”.

Onde o público consome notícias sobre mudanças climáticas?

No geral, mais pessoas dizem que prestam atenção a documentários (39%) do que a grandes organizações de notícias (33%) para obter informações sobre esse tema. Este é o caso em todos os mercados no agregado, bem como em todas as faixas etárias.

Pode ser que filmes e programas de televisão, desde “Uma Verdade Inconveniente” (2006, Al Gore) – que chamou a atenção global para as mudanças climáticas – aos inúmeros documentários sobre a natureza produzidos desde então pela BBC (por exemplo, “Planeta Azul II”, de 2017), Netflix (“Seaspiracy”, de 2021) e Disney + (“Elephant”, de 2020), têm um impacto maior e são mais memoráveis do que noticiários diários.

Esses documentários são filmes e séries feitos para a televisão que, embora nem sempre sejam sobre mudanças climáticas, combinam cenas impressionantes e belas com narrativas convincentes, atingindo milhões de pessoas. A Netflix diz que sua série “Nosso Planeta” (2019), narrada pelo naturalista Sir David Attenborough, foi assistida por 100 milhões de usuários desde seu lançamento.

Embora alguns documentários tenham sido criticados por sua precisão (ou melhor, falta dela), seu poder emotivo parece ressoar com o público. Sua popularidade também é uma evidência da importância da TV em divulgar informações sobre mudanças climáticas.

As principais fontes de informação sobre a crise climática também variam de acordo com a idade do público. Entrevistados com menos de 35 anos são três vezes mais propensos a dar atenção a celebridades, influenciadores em redes sociais ou ativistas do que pessoas com mais de 35 anos.

Os chamados “influenciadores verdes” acumulam muitos seguidores online, chamando a atenção para as ligações entre as mudanças climáticas e as questões de justiça social, como Vanessa Nakate, ativista climática de Uganda, Jack Harries, YouTuber ambientalista cujo canal tem 3,7 milhões de assinantes, e Jerome Foster, jovem conselheiro da Casa Branca com mais de 41.000 seguidores no Instagram.

Grupos como o coletivo EcoTok, no TikTok, também buscam se conectar com o público mais jovem na plataforma. Os entrevistados mais jovens também são um pouco mais propensos a acessar notícias sobre mudanças climáticas de veículos menores ou alternativos – categoria da qual a Amazônia Latitude faz parte.

Qual é a melhor maneira de cobrir mudanças climáticas?

Como o relatório descobriu, países onde a crise climática já se faz visível – e, pelo menos, inconveniente – tendem a ter uma população mais sensível a notícias sobre o tema. No entanto, é tarde demais se o público só prestar atenção quando desastres climáticos já estiverem acontecendo. Redações e veículos jornalísticos têm o desafio de cobrir a questão de uma forma que gere interesse nas causas e decisões que levam aos desastres, não só os desastres em si.

Uma abordagem possível é adotar uma postura mais clara sobre o assunto. Por exemplo, o jornal britânico The Guardian decidiu trocar o termo utilizado (de “mudança climática” para “crise climática”), exortando por mais ações de políticos e da sociedade civil.

Seguindo o mesmo padrão do interesse em notícias sobre clima, o público na América Latina, sul da Europa e Ásia-Pacífico é mais aberto a veículos que se posicionam a favor da ação contra as mudanças climáticas. No Chile, 58% da população acredita que jornalistas devem se posicionar mais. Em Portugal, são 48%, e nas Filipinas, 42%.

Por outro lado, o norte da Europa, Europa Ocidental e América do Norte favorecem a imparcialidade. Os entrevistados na Alemanha (45%), Noruega (44%) e Estados Unidos (42%) dizem que preferem que os meios de comunicação reflitam uma variedade de pontos de vista e deixem para o público decidir o que pensar.

Pode ser que essas audiências estejam predispostas a esperar uma abordagem imparcial das notícias – particularmente de emissoras públicas. Por outro lado, a polarização política pode estar novamente desempenhando um papel na tendência. De acordo com os dados, a direita costuma preferir que os jornalistas permaneçam imparciais em relação às mudanças climáticas (na Noruega, isso é verdade para 60% dos entrevistados de direita e nos Estados Unidos, para 69%). Enquanto isso, a esquerda tende a favorecer os jornalistas que defendem a ação contra as mudanças climáticas.

Os mais jovens também preferem que os meios de comunicação tomem uma posição clara a favor da ação contra as mudanças climáticas. 43% das pessoas de 18 a 24 anos pensam assim, em comparação com apenas 34% das pessoas com mais de 55 anos. Aqueles com mais de 55 anos preferem que os meios de comunicação assumam uma posição imparcial.

O relatório ressalta: é preciso, por mais que seja desafiador, engajar esse segmento cético da audiência, principalmente se a direita vê a mudança climática como uma questão politizada da “esquerda” e desaprovam o posicionamento/parcialidade das redações.

Talvez veículos de comunicação possam aprender algumas lições com os documentários ambientais, que têm amplo apelo com suas histórias claras, envolventes e visualmente atraentes. Narrativas mais elaboradas, e até emotivas, podem ajudar o público a se conectar com o tema complexo e abstrato – de forma não necessariamente “política”.

Assumir um posicionamento mais claro pode ser uma forma de aumentar o interesse ou a atenção, especialmente entre o público mais jovem. No entanto, redações correm o risco de ir contra as normas de imparcialidade jornalística adotadas em muitos países, além de alienar ainda mais o público já desengajado.

Torna-se mais difícil engajar o público focando nas complexidades científicas das mudanças climáticas, especialmente quando outras crises imediatas, da inflação à guerra na Ucrânia, batem à porta. Contudo, como ressalta o Reuters Institute, é preciso reportar antes, e não só depois, dos desastres naturais.

A conclusão do relatório é daquelas que deixam muitos decepcionados quando não há um único caminho a ser seguido, mas a reflexão é relevante: a crise climática é um tópico de notícias difícil de cobrir, e não está claro se existe uma abordagem única para todos os veículos de comunicação. Mesmo assim, é literalmente vital falar sobre – quem viver, saberá a resposta.

Imagem em destaque: “Mudança de sistema, não mudança climática”. Chris Yakimov/Flickr.
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