A luta (incessante) pelo quilombo

Representantes e acadêmicos de populações quilombolas participaram de mesa organizada pelo projeto Nova Cartografia Social da Amazônia no X FOSPA

No sábado (30), a mesa redonda “Quilombos na Amazônia: Território e Identidade”, atividade autogestionada do 10º Fórum Social Pan-Amazônico (X FOSPA), orquestrou uma discussão sobre a luta da população quilombola pela terra na região amazônica, orquestrada pelo mediador Emmanuel Farias, professor do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia.

O evento também contou com a participação de Daniel de Souza, coordenador da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (MALUNGU), Elias Belfort, presidente da União das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Itapecuru- Mirim (UNICQUITA), Julienne Pereira, quilombola e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPA, e Magela de Andrade Ranciaro, autora do livro “Quilombos do Andirá: das travas à abertura dos cadeados” (Editora Valer, 2021).

Pereira ressaltou que, mesmo após a titulação das terras, as comunidades ainda passam por processos que dividem a população e criam conflitos, especialmente aqueles causados por dinheiro.

“Quando o território é titulado, aí que os nossos antagonistas se aproximam, com uma intenção de se reapropriar do território, através de demandas que eles observam que nos fragilizam”, disse a antropóloga.

De acordo com ela, empresários munidos de longos contratos para utilização do território prometem às comunidades grandes lucros. Ao mesmo tempo, apoiam e investem em movimentos e políticos contrários à titulação de terras.

“Isso divide o território. Uma parcela dos quilombolas foca o pensamento na questão econômica e esquece do social, das nossas lutas, e acabam aceitando qualquer promessa que envolve dinheiro. E essa também é uma estratégia de desmobilização das nossas lutas”, explica Pereira.

Daniel Souza e Elias Belfort contaram suas histórias de luta e trabalho em favor de suas comunidades. Nos anos 1990, Souza participou da reivindicação para titular diversas terras, em antagonismo a grandes empresas, latifundiários e políticos, que não reconheciam o povo remanescente de quilombos. Já Belfort pontuou a dificuldade do povo quilombola em seguir com sua luta, em especial por conta de outros quilombolas comprados por políticos e empresários, que ele comparou a Judas na Bíblia.

“É muito sofrida a nossa luta, nunca vamos esperar vencer tão fácil”, disse Belfort. “Eu não sei quem são os Judas, não dá pra confiar em todos. Mas vamos vencer.”

Já Magela de Andrade, a última a falar, explicou sobre as lutas dos povos nas terras do Rio Andirá, no estado do Amazonas. Segundo ela, dos oito quilombos naquela área, apenas cinco são reconhecidos.

“Outros dois são tutelados por pastores evangélicos, que não permitiram que eles se autodenominassem quilombolas, alegando ser coisa do Satanás. Na área de um outro quilombo, foi instalada uma das maiores empresas de agronegócio do país”, disse Andrade.

O último quilombo citado não pôde ser reconhecido por conta da empresa, uma madeireira chamada Eco Brasil Holanda – Andirá, uma filial do grupo holandês Eco Direct Niderlang BV. A empresa, dirigida à época das primeiras titulações por Gerardus Bartels, ex-cônsul honorário da Holanda no Pará, não possuía licença do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) ou do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), para atuar na área.

Rafael Cunha Miyake é estudante de Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Ex-estagiário da UFPA, com experiência em assessoria de imprensa na área de divulgação científica. Nascido e criado na Amazônia, é apaixonado por cinema e literatura juvenil.
Imagem em destaque: Elias Belfort com a bandeira da UNICQUITA. (Rafael Miyake/Amazônia Latitude)Rafael Miyake/Amazônia Latitude
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