Desmatamento não gera áreas produtivas em quase metade dos casos

Foto de uma máquina agrícola em uma área queimada
Desmatamento em Paragominas (PA) Alexander C. Lees

Estudo publicado na revista Science estima que apenas entre 45% e 65% das áreas desmatadas pela agricultura se tornam produtivas

A agricultura induz, de forma direta ou indireta, entre 90% a 99% de todo o desmatamento em florestas tropicais. Destes territórios desmatados, apenas metade — entre 45% e 65%— torna-se área produtiva. É o que aponta um novo estudo publicado no começo de setembro na revista científica Science.

Colaboração entre especialistas de diferentes países, a pesquisa revisou os mais recentes dados e estudos publicados na área a fim de sintetizar as complexas relações entre desmatamento e agricultura, e sugeriu soluções ao poder público.

“Existe muita coisa por trás da dinâmica do desmatamento que não foi levada em conta por muito tempo por dificuldade de estimar”, diz a brasileira Vivian Ribeiro, cientista de dados do Stockholm Environment Institute e uma das co-autoras do artigo, sobre a necessidade de uma revisão desses estudos.

Segundo a pesquisadora, as perturbações da agricultura em florestas tropicais incluem desmatamento de corte raso (retirada completa da vegetação), queimadas e movimentos de especulação de terra.

“Há estimativas que mostram que a terra se valoriza quando a vegetação é retirada”, diz Ribeiro. “No Brasil, terra é poupança para muita gente. Existem movimentos de especulação fundiária que consistem em desmatar uma porção de diferentes terras na expectativa de vender para o setor agrícola – principalmente o setor da soja, que paga muito bem”.

“Quando se vende, há lucro, mas não significa que tudo foi vendido”, continua. “Há uma quantidade de desmatamento que você fez ali que não vai se tornar área produtiva”. Esse é o ponto mais importante da pesquisa, segundo Ribeiro.

A agricultura como principal motor do desmatamento não é novidade. No entanto, as estimativas anteriores sobre a quantidade de floresta convertida em terras agrícolas nos trópicos variavam muito. Entre 2011 e 2015, a estimativa foi de 4,3 a 9,6 milhões de hectares por ano. As conclusões do estudo reduzem esta faixa para 6,4 a 8,8 milhões e ajudam a explicar a discrepância dos números.

Para Ribeiro, havia uma percepção de que todo desmatamento virava área produtiva, mas os dados não mostram essa tendência. “Todo esse movimento de desmatar e não tornar área produtiva não faz sentido. É apenas especulativo”, critica.

A relação desmatamento/produtividade é usada por parte do agronegócio para justificar a necessidade de derrubar florestas para alimentar a população. É uma das justificativas do Projeto de Lei (PL) 337, de 2022, que quer tirar o Mato Grosso da Amazônia Legal, permitindo maior desmatamento das propriedades rurais.

O que acontece, segundo o estudo, é que florestas são frequentemente desmatadas para especulação de terras, projetos que foram abandonados ou mal concebidos, terras que se mostraram inadequadas para o cultivo ou tornaram-se inviáveis por causa do fogo que se espalhou de terras vizinhas.

Políticas públicas

Os resultados da pesquisa podem oferecer uma base de evidências adequada aos propósitos tanto da Declaração de Glasgow sobre Florestas, que reconheceu a importância de enfrentar conjuntamente as crises climática e de perda biodiversidade e aumentou a ambição para enfrentar o desmatamento e promover a agricultura sustentável, e os da Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP15), que acontece no Canadá no final de 2022.

“Esta descoberta é muito importante para projetar medidas eficazes para reduzir o desmatamento e promover o desenvolvimento rural sustentável”, afirma Ribeiro.

“A mensagem mais importante do estudo consiste em entender que a dinâmica do desmatamento é complexa, mas o modo de reverter isso é claro: colaboração entre mercados internos, externos e um trabalho efetivo de governos nacionais”, completa.

Intervenções na produção agrícola são necessárias, não só focando em commodities ou gestão de risco, mas gerando parcerias entre produtores, consumidores e governos. Dentre as medidas propostas pelo estudo, estão incentivos que façam a agricultura sustentável ser economicamente atrativa, desestimulando o desmatamento e apoio ao pequeno produtor.

O estudo deixa claro que um grupo reduzido de produtores de commodities é responsável pela maioria do desmatamento ligado à produção de terras agrícolas ativas: para pasto, plantio de soja e óleo de palma. Mas também chama a atenção para a deficiência de iniciativas específicas do setor, que são limitadas em sua capacidade de lidar com impactos indiretos, como o avanço de pastos.

Outras pesquisas são necessárias para entender a expansão agrícola de commodities específicas, além da produção de registro de dados globais consistentes para entender as tendências de conversão de florestas em áreas de produção.

“Não precisamos de mais desmatamento”, argumenta Ribeiro. “O Brasil é um grande exemplo de que existe capacidade enorme de aumento de produção sem precisar de desmatamentos que, muitas vezes, culminam em áreas que não são produtivas de fato”.

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