Idas e vindas de mulheres manauaras: Entre o ônibus e as paradas, entre o medo e a necessidade no transporte público urbano

Riscos de assédio, falta de segurança e infraestrutura são alguns dos obstáculos enfrentados pelas passageiras dos ônibus de Manaus

Mulheres em um ônibus de Manaus. Foto: Dione Souza
Mulheres em um ônibus de Manaus. Foto: Dione Souza
Mulheres em um ônibus de Manaus. Foto: Dione Souza

Mulheres em um ônibus de Manaus. Foto: Dione Souza / Amazônia Latitude

O medo e a insatisfação fazem parte do dia a dia de mulheres que precisam usar os ônibus de Manaus, capital do Amazonas. O único serviço de transporte urbano público do local não foi projetado para as necessidades e proteção de quem está sujeita a assédios; assaltos; ônibus lotados e precários; e ao calor intenso de uma cidade localizada em uma zona tropical.

As pessoas que utilizam as linhas de ônibus de Manaus, sobretudo as mulheres, sofrem com esses e outros problemas, consequência da falha no planejamento urbano.

A realidade das mulheres manauaras, em um recorte racial, econômico, social e de gênero, mostra que os transportes são planejados e operados sem considerar as necessidades dessa população em específico, principalmente as mulheres pobres, pretas, pardas, periféricas, indígenas, LGBTQ+ e que são Pessoas com Deficiência (PcD). Situação que está ligada à história do surgimento e crescimento de Manaus.

Ônibus para uma população crescente

A luta das populações por dignidade e qualidade de vida nas cidades, em meio ao desordenado crescimento social na metade do século 20, transformou a mobilidade urbana em uma pauta importante para pensar a zona urbana de forma sustentável. Em Manaus, o desenvolvimento urbano foi acelerado pela implantação da Zona Franca de Manaus, a partir dos anos 1960 e em meio a ditadura empresarial-militar (1964-1985), o que representou também um salto nos índices populacionais da cidade.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Manaus possuía 300 mil habitantes em 1970 e, em 2000, cerca de 1,5 milhão. Em 30 anos, a população ficou cinco vezes maior.

O fluxo migratório em busca de melhores oportunidades nas novas indústrias fez o número de moradores aumentar. O processo de urbanização obrigou a cidade a se adequar a uma ampliação da mobilidade urbana por meio do transporte coletivo.

No entanto, as linhas de ônibus, único meio de transporte público em Manaus, não atendem de forma satisfatória as necessidades dos seus usuários, de uma ponta a outra da cidade.

De modelo precário, o transporte coletivo da capital expõe a população ao aumento do tempo de deslocamento, preço das passagens e ao desgaste físico de enfrentar longas distâncias, às vezes em pé, em transportes sem estrutura de ar condicionado e que circulam em uma das cidades mais quentes do Brasil.

Jovem sozinha em ônibus. Foto: Dione Souza

Jovem sozinha em ônibus. Foto: Dione Souza / Amazônia Latitude

Desconfortos, importunação e assédio: Riscos de ser mulher

Para as mulheres manauaras, os problemas se intensificam. Elas sofrem com o medo do estupro, do assalto e do assédio sexual ao utilizarem o transporte coletivo. As que residem em áreas periféricas da cidade, enfrentam ainda a baixa cobertura e a irregularidade das linhas disponíveis.

Uma vez dentro do ônibus, elas também não estão seguras. A Secretaria de Estado de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) registrou sete casos de importunação ou assédio dentro de coletivos de Manaus este ano. Em 2023, foram 22 casos registrados. Mais que o dobro de assédios e importunações que ocorreram dentro do transporte público no ano de 2021, quando dez casos foram notificados às autoridades.

Esse cotidiano inspirou a urbanista e antropóloga Dione Coelho em uma investigação etnográfica apresentada em 2023 pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). A pesquisa “Mulheres e deslocamento: um olhar sobre as viagens de ônibus em Manaus” aborda as relações entre gênero e cidade.

Para a pesquisadora, é preciso partir do princípio que a mobilidade urbana em Manaus é precária num contexto geral da população, porque convive com a desorganização do fluxo do tráfego, infraestrutura deteriorada ou ainda inexistente (falta de passeios de pedestre), por exemplo.

“A calçada, as paradas de ônibus – quando existentes – não são projetadas para o nosso clima, ou seja, não abrigam o usuário do transporte coletivo da chuva, do sol escaldante. A iluminação é precária, tornando o local ainda mais inseguro. Partimos dessa realidade num contexto amplificado, quando aproximamos o olhar para realidade de grupos sociais historicamente excluídos da sociedade. Esse contexto já precário, torna o dia a dia uma batalha”.

Dione Coelho argumenta que, por essas questões, uma simples caminhada de casa até o ponto de ônibus pode parecer ser impossível e apresentar perigos. Para além de questões infraestruturais, a pesquisadora afirma que as mulheres enfrentam insegurança de gênero a todo momento, inclusive em seu deslocamento e caminhar pela cidade.

A falta de acessibilidade nas rotas dos ônibus que foram traçadas considerando os caminhos entre a casa, a escola e o trabalho também é outro problema.

“Ao analisar os afazeres de uma mulher que precisa cuidar de idosos, filhos, ou que tem seu trabalho e precisa comprar mantimentos, na chamada ‘mobilidade do cuidado’, se percebe que, para a mulher realizar esses trajetos, muitas vezes, é preciso pegar mais de um ônibus, é preciso andar mais tempo, é preciso andar com bolsas, é preciso segurar a mão da sua criança, [ou] da sua avó. O trajeto entre casa e trabalho não abrange as necessidades de quem anda de ônibus”, ressaltou a urbanista.

Motorista de ônibus. Foto: Dione Souza

Motorista de ônibus. Foto: Dione Souza / Amazônia Latitude

Mulheres correm mais riscos?

Nenhum caso de assédio ou importunação deveria ser considerado aceitável, mas o registro de sete crimes deste tipo nos primeiros meses de 2024 pode dar a falsa impressão de que o risco de uma mulher se tornar vítima de um crime sexual dentro de um coletivo urbano, em Manaus, é pequeno. Os relatos das passageiras indicam que isso não é verdade.

Uma pesquisa que envolveu estudiosos das Universidades Federais de Minas Gerais (UFMG) e de Pelotas (UFpel) e ainda da University of Washington (EUA) indica que a subnotificação de crimes sexuais cometidos contra mulheres no Brasil chega a 89,4%. É como se, a cada 10 casos, apenas um fosse registrado junto à polícia.

Por sua vez, dados preliminares do Censo 2022 do IBGE apontam que, no estado do Amazonas, a capital é a cidade mais feminina. Com uma proporção de 93,8 homens para cada 100 mulheres. São 66.005 mulheres a mais que homens.

E as experiências delas, seus medos, estratégias, trajetos e dificuldades ao “andar de ônibus” em uma das principais metrópoles da Amazônia reforçam que o risco faz parte do cotidiano de cada uma.

Os passos de Nicoly

Como usuária de ônibus de Manaus há mais de 10 anos, optei por expandir minha experiência, observando e entrevistado outras mulheres em três linhas que circulam entre as zonas Oeste e Sul da cidade. À bordo do 612, 457 e do 216, passei por bairros como Japiim, Cachoeirinha, Raiz, Praça 14, Centro, Lírio do Vale, São Jorge e Compensa. Um trajeto que envolveu cerca de três pontos de ônibus e muitos desafios, mesmo para uma pessoa que conhece razoavelmente bem os percursos e horários definidos.

O que se vê e sente – além do calor – são pontos de ônibus improvisados em beiras de calçada. Neles, o pedestre disputa espaço com carros e caminhões estacionados. Depois de enfrentar a demora para conseguir “pegar o ônibus”, debaixo do sol ou chuva, há a incerteza se vai ter lugar para sentar. A única garantia é de um ambiente hostil para os usuários do transporte coletivo, com atenção para a experiência especialmente negativa das mulheres.

O desagrado não é exclusivamente meu.

Parada de ônibus defasada em Manaus. Foto: Dione Souza

Parada de ônibus defasada em Manaus. Foto: Dione Souza / Amazônia Latitude

Assédio na parada de ônibus e sensação de insegurança

Maria Eduarda Mendes tem 22 anos e é graduanda da Escola Superior de Artes e Turismo (ESAT) da Universidade Estadual do Amazonas (UEA). Pelo menos três vezes por semana, ela que se identifica como mulher cisgênero, bissexual e parda sai de casa para ir à faculdade e à terapia de ônibus. São diversas as linhas que compõem esses percursos, sempre longos e exaustivos.

“Moro na zona Norte e é muito longe de tudo, qualquer trajeto para o centro demora pelo menos uma hora. Também sinto bastante insegurança quanto a assaltos e coisas do tipo, apesar de nunca ter me ocorrido. O calor da cidade também não torna o trajeto agradável”, relata.

A universitária já enfrentou situações de assédio enquanto esperava pelo ônibus. “Certa vez, um homem ficou assobiando e se insinuando pra mim…foi bem assustador e desconfortável. Eu evito qualquer contato visual com homens [nestes casos]. E já ouvi relatos de amigas minhas que passaram por coisa pior”.

A sensação de insegurança e a estrutura dos ônibus da cidade fazem com que Eduarda tenha dificuldade em apontar qualquer fator positivo em relação ao transporte coletivo público em Manaus. Como mulher e pessoa LGBTQIAPN+, ela não esconde o medo de ser a próxima a “sofrer abusos piores”.

“Uma ideia interessante que eles adotam em cidades com metrô é aquele vagão feminino. Acho que algo nesse sentido no transporte público já ajudaria”, observou, apontando para uma possível solução.

Assediada e molestada dentro do ônibus

O “algo pior” já aconteceu com Océane Lima, de 25 anos. O desafio diário de quem precisa cruzar a cidade para dar aulas de inglês é a superlotação dos ônibus.

“Às vezes o ônibus passa no horário previsto, mas não consigo entrar, pois, o coletivo enche até a porta, ao ponto de, realmente, não caber mais ninguém. Dependendo do horário, se for a hora que todos estão saindo para o trabalho, é preciso esperar passar até três ônibus para conseguir entrar em um deles. Principalmente nas linhas 640, 652 e 448”, enumera.

Lá dentro, não há tempo para sentir alívio. É preciso se manter alerta. Como pessoa não-binária, bissexual e negra, Océane Lima já passou por assédios sexuais – físicos e verbais – no caminho para casa, para a escola ou para o trabalho.

“Quando eu era adolescente, pelo menos quatro vezes, homens se masturbaram ao meu lado. Pela pouca idade, eu não sabia como reagir, então, só me afastava e tentava não pensar mais naquilo. Nos dias atuais, enquanto adulta, passo muito pela situação de comentários assediadores ditos em voz alta, com homens dando em cima de mim de forma explicitamente sexual, além de passarem a mão no meu corpo ou – quando o coletivo está lotado – se esfregarem de propósito ao passarem por trás de mim”.

Cada vez que acontece, Océane se vê obrigada a ficar em silêncio e a não reagir de forma que possa ser interpretada como alarmante. Por ser vista como mulher, não confia que receberia ajuda ou apoio dos demais passageiros. “Acabo não falando nada, pois, sei que ninguém me apoiaria e o homem [ainda] poderia ser violento comigo”.

Mas isso precisa mudar, rápida e urgentemente. “Mesmo isso acontecendo com frequência, o assunto não é comentado, muito menos acontece alguma conscientização, o que faz com que os homens que praticam esse ato fiquem impunes, além de grande parte das mulheres acharem que o assédio é, na verdade, culpa delas, o que não é”, faz questão de ressaltar.

Mulher em parada de ônibus. Foto: Dione Souza

Mulher em parada de ônibus. Foto: Dione Souza / Amazônia Latitude

Misoginia, LGBTfobia, insatisfação e medo

Para Vitória Giovanna Rodrigues, a superlotação e precária estrutura dos ônibus favorecem outros problemas como os assédios, a exclusão e também a misoginia e LGBTfobia. Nas idas e vindas para o trabalho, para a faculdade, para encontrar com amigos ou com a namorada, a universitária de 22 anos acumula más lembranças.

“Já passei por situações como encoxadas, olhares, chamadas de atenção como ‘psiu”, ‘ei, coisa linda’, ‘ô coisa bonita’, sem falar em como os homens são espaçosos no transporte público, com aquelas pernas abertas e, uma vez, quando reclamei, o cara [ainda] debochou de mim”.

Para quem não tem veículo próprio, andar de ônibus tem a ver com independência e autonomia. Porém, mesmo esses sentimentos, são afetados pela má qualidade do transporte público manauara e Giovanna é testemunha dessa realidade.

“Falta melhor acessibilidade às pessoas PcDs. Já acompanhei a utilização daqueles elevadores para pessoas que utilizam cadeira de rodas e foi uma dificuldade só, tanto para o passageiro, quanto para o motorista”, denuncia Giovanna.

Quando se pensa em pessoas LGBTQIAPN+, no contexto do transporte coletivo, ela sente o medo de ser exposta a outras violências. “Lembro de me despedir da minha namorada na parada de ônibus com um beijo antes de eu entrar no ônibus. Quando olhei em volta, todos estavam me olhando como se eu fosse um E.T. Eu sabia que eles tinham visto o beijo. Acredito que, para mudar pensamentos misóginos e LGBTfóbicos, só a educação e punições devidas para pessoas que nos assediam e zombam de nós [pode mudar algo]”.

Longe…inclusive do que deveria ser!

A distância entre a casa, na Zona Leste de Manaus, e a sede do curso de Geologia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), no Centro-Sul, expõe Valciene França à demora para conseguir um ônibus. Ela também nota que os veículos que atendem a zona onde mora são mais desgastados que os que circulam nas áreas mais centrais da capital.

“Nesse bairros mais favorecidos é sempre um ônibus com ar condicionado e com a estrutura perfeita. E os ônibus que têm mais fluxo e que, geralmente, passam na zona Leste ou Norte, são mais lotados e precários”, destaca.

A superlotação favorece os episódios de assédio, sexual e também verbal. Os homens enquanto passageiros “sentam do nosso lado e abrem as pernas e ficam ali: abertos…”, enquanto os motoristas homens “encurralam sobre a carteirinha [de estudante], um direito meu. [Quando aconteceu] não falei nada, fiquei quieta”.

Para ela, é preciso pensar duas vezes antes de decidir sair. “Às vezes eu não saio de casa para um lugar porque eu tenho que pegar um ônibus; não posso sair em determinado horário porque eu vou de ônibus; às vezes eu não posso me vestir como eu quero porque eu sei que eu tenho que pegar um ônibus. Tipo, assim, eu queria muito usar vestido para ir à faculdade ou ao trabalho, mas não posso, entendeu? Porque eu sei que, provavelmente, vou ser assediada [se usar]”, lamenta.

Menos pior no ônibus que à pé…

O problema da mobilidade urbana não se limita ao transporte coletivo. O direito à cidade das mulheres é cerceado quando a insegurança já é uma realidade para a maioria das brasileiras a todo momento em que saem de casa: 74% delas passaram pessoalmente por situações de violência quando se movimentavam pela cidade e 88% conhecem ao menos uma mulher que foi vítima de violência enquanto se deslocava.

Os dados são da última pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e Locomotiva, com apoio da Uber, para captar as impressões e vivências das brasileiras no deslocamento urbano, em 2023.

Metade das mulheres que declararam já terem sofrido um estupro quando se moviam pela cidade, estavam a pé quando foram violentadas, sendo que houve maior número de relatos de estupro nessa forma de deslocamento por mulheres negras (56%), que por não-negras (43%).

Mais mulheres negras (34%) do que não-negras (30%) relatam que já sofreram assalto/furto/sequestro relâmpago quando se moviam pela cidade. E a maioria das mulheres negras (56%) foram vítimas de racismo quando estavam a pé.

Os relatos e números reforçam que a violência tem alvo. Os grupos mais vulneráveis envolvem mulheres, pessoas LGBTQIA+, negros e moradores de periférias.

Parada de ônibus. Foto: Dione Souza

Parada de ônibus. Foto: Dione Souza / Amazônia Latitude

Insegurança e restrições

Diante do alto número de mulheres que já passaram por situações de violência, a pesquisa do Instituto Patrícia Galvão e Locomotiva revelou que 9 em cada 10 mulheres afirmam que a segurança é sua principal preocupação enquanto se deslocam pela cidade – à frente de outros fatores, como custo, tempo ou conforto e praticidade – e também que, 8 em cada 10 delas considerem que os espaços públicos são mais perigosos para as mulheres do que para os homens.

A maioria das mulheres (55%) saí de casa ao menos 5 vezes por semana e 6 em cada 10 costumam sair à noite. Apenas 27% das mulheres dizem se sentir muito seguras quando andam por perto de casa. Mais mulheres negras (41%) do que não-negras (35%) percebem que as ruas da cidade, em geral, não são nada seguras.

A cada 10 mulheres, 7 declaram ter medo de saírem sozinhas à noite no bairro onde moram. E mais mulheres negras (45%) do que não-negras (38%) concordam totalmente com a frase “Eu tenho muito medo de sair sozinha no meu bairro à noite”.

A realidade nacional não está longe dos cenários encontrados por estudos realizados na cidade de Manaus. A pesquisadora Dione Coelho é categórica em dizer que o direito de ir e vir das mulheres manauaras é podado pela mobilidade urbana, comprometido por questões socioculturais, quando se trata de uma cidade que não prioriza os pedestres e o transporte coletivo.

“Esse direito é limitado e restringido a horário, local, trajeto, tipo de roupas, se você está acompanhada…essas são questões diárias para alguém que carrega em si um marcador social. A falta de um ambiente urbano seguro e acessível impede que elas exerçam plenamente seu direito de ir e vir, afetando sua autonomia e participação na vida pública”, atesta.

A mobilidade urbana precária da cidade impacta na qualidade de vida das mulheres ao aumentar o tempo e o esforço necessários para os deslocamentos, elevando o estresse e o cansaço, limitando o acesso a serviços essenciais e oportunidades de trabalho, educação e lazer; além de aumentar a exposição a situações de violência e assédio.

“A falta de um sistema de transporte eficiente e seguro, não só limita suas oportunidades, mas também coloca em risco sua saúde e bem-estar. Isso perpetua um ciclo de exclusão e marginalização, dificultando ainda mais a busca por uma vida digna”, diz Coelho.

Em relação aos casos denunciados dentro dos ônibus de Manaus, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) informou que o Disque Denúncia no número 181 e o Número de Emergência no 190 podem ser usados para acionar a Polícia Militar em casos de violência. E reforça que toda violência deve ser registrada por meio de Boletins de Ocorrência a fim de subsidiar políticas públicas mais eficazes.

Já o Instituto Municipal de Mobilidade Urbana de Manaus não respondeu, até o fechamento desta reportagem, aos questionamentos sobre mobilidade urbana e acessibilidade para mulheres que são PCD e sobre as medidas de segurança para mulheres no transporte público da capital do Amazonas.

Crise climática afeta o transporte público para mulheres

Manaus, que bateu recordes de calor durante a seca extrema que assolou a Amazônia e foi sufocada pela fumaça tóxica causada por queimadas criminosas, vive os efeitos intensos da crise climática que se alastra para a vida de quem utiliza o transporte público na cidade.

“A maioria dos ônibus não possui condicionadores de ar [e os passageiros sentem os efeitos] da crise climática e do calor excessivo. Tem também a questão do choque térmico entre um ambiente e outro. E a fumaça só piora a situação porque, ou você inala [a fumaça] ao usar as janelas abertas, ou você fica sufocado com  o uso das janelas fechadas. [O clima] afeta as viagens de modo geral”, defende Maria Eduarda Mendes.

Já a Vitória carrega consigo a garrafinha d’água, porque o calor faz “qualquer um passar mal”. “O calor de Manaus, a fumaça dos ônibus e o abafado faz qualquer pressão baixar. Eu mesma já passei mal várias vezes por esse motivo”, disse.

Océane Lima já se viu diante de difíceis escolhas financeiras ao se ver na obrigação de optar por carros de aplicativo pagos via cartão de crédito ao invés dos ônibus, cuja passagem é mais em conta. Com problemas de pressão, o receio é desmaiar no ônibus lotado nos dias de calor excessivo.

“Ando de ônibus desde sempre, mesmo quando criança, e o calor não era tão intenso como nos dias atuais. Antes era quente, mas suportável e eu estava acostumada por ser amazonense e estar vivendo aqui minha vida toda, mas, agora, o calor é tão extremo que parece que o objetivo do sol é realmente nos aniquilar. E isso piora devido a falta de árvores [e suas sombras] pela cidade”, relata.

Na época das fumaças, Océane teve problemas respiratórios que duraram vários meses e precisou voltar ao uso de máscaras, como na pandemia de Covid-19. “No bairro em que eu moro, Cidade de Deus, a fumaça era muito mais forte, pois, aqui é a parte alta da cidade. A fumaça invadia meu quarto e eu não conseguia dormir, acordava me engasgando. E quando precisava sair pra ir para a faculdade ou trabalhar, era uma tortura”.

Valciene França critica os novos pontos de ônibus projetados em Manaus que, segundo ela, não protegem nem do vento, nem do sol. “Horrível, lotado e quente”, classifica a experiência no transporte coletivo.

Ônibus de Manaus. Foto: Dione Souza

Ônibus em Manaus. Foto: Dione Souza / Amazônia Latitude

Possíveis caminhos para melhoria

A urbanista Dione Coelho indica o planejamento urbano participativo, que considere de fato as necessidades das mulheres, como uma das possibilidades para ampliar o acesso à mobilidade urbana digna e segura para essa população, em Manaus.

“Para isso, precisamos de mais mulheres nos representando nos poderes – executivo, legislativo e judiciário. São melhorias básicas que podem tornar o caminhar de uma mulher mais seguro. Como iluminação pública voltada para pedestre e não somente para os veículos; espaços públicos movimentados revitalizados para que pessoas os frequentem; calçadas apropriadas; caminhos entre um ponto de ônibus e outro bem estruturados; assim como o próprio abrigo para aguardar o ônibus”, enumera.

“Todos esses pontos são importantes para a população como um todo, mas são essenciais para a segurança e participação ativa das mulheres na cidade. Se uma mulher se sente segura em um local, todas as demais pessoas também se sentem”, aponta a pesquisadora

Reportagem e texto: Nicoly Ambrosio
Fotos: Dione Souza/Amazônia Latitude
Edição e revisão: Glauce Monteiro
Montagem de página e acabamento: Alice Palmeira
Direção: Marcos Colón

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