Pisar Suavemente na Terra: O homem da água

Close de Pepe Manuyama Ahuite, indígena peruano que luta contra a mercantilização da água. Por trás de uma vela, ele olha para a câmera com expressão exasperada. O homem indígena tem cabelos e olhos negros, pele escura e usa uma camisa polo vermelha e azul.
Pepe faz parte do Comitê de Defesa da Água de Iquitos, um coletivo intercultural criado em 2012 contra propostas de mercantilização da água. (Foto: Marcos Colón/ Amazônia Latitude)
Em Iquitos, no interior do Peru, o professor e ambientalista José “Pepe” Manuyama luta em defesa do rio Nanay, da floresta e das pessoas

Em todo o mundo, a natureza tem protetores místicos e religiosos, seres palpáveis apenas para quem crê piamente em sua existência. Mas a natureza possui o apoio, também, de pessoas comuns, empenhadas em preservar o planeta. São pessoas e comunidades que fazem o possível para que os direitos à vida sejam respeitados. José “Pepe” Manuyama Ahuite, homem de raízes indígenas, é um desses guardiões em Iquitos, no interior do Peru – da água, da floresta e das pessoas.

Maior metrópole da Amazônia peruana, Iquitos significa “multidão separada pelas águas”, seja pelo lago Moronacocha ou por três rios: o Amazonas, Itaya e Nanay. Este último, afluente do rio brasileiro, cuida do abastecimento hídrico das casas dos 450 mil habitantes de Iquitos.

José Manuyama Ahuite, indígena Kukama nascido na cidade de Requena, mas que vive em Iquitos, é um dos protagonistas do movimento que luta pelos direitos do rio Nanay. Professor e ativista ambiental, Pepe foi reconhecido como defensor do meio ambiente em 2017 pela Comissão dos Povos Andinos, Amazônicos e Afro-peruanos, Meio Ambiente e Ecologia (CPAAAE) do Peru.

O rio Nanay precisa de protetores como Pepe porque o modelo econômico explorador quer comer os recursos naturais. Em Iquitos, a população enfrenta esse modo econômico materializado no garimpo e na indústria petroquímica, cujos processos exploratórios são altamente poluentes a rios e seus arredores. Organizações populares, como a organizada por Pepe, têm se unido em defesa de um dos bens mais importantes de uma cidade rodeada por lagos e rios: a água.

Pepe se esforça por comunicar a mensagem sobre a proteção do rio. No site A Viva Voz, o professor publica artigos de opinião sobre educação, cidadania e ambientalismo desde 2007.

“Cuidar do meio ambiente é a essência do que significa semear nas gerações futuras o fermento que mais tarde dará vida a um novo tipo de homem para uma nova sociedade, onde o respeito pelos outros e seu meio ambiente são os eixos centrais da ação humana”, escreveu em um dos posts em 2012.

Pepe faz parte do Comitê de Defesa da Água de Iquitos, um coletivo intercultural criado em 2012 que recebe apoio de organizações populares, jovens e universidades contra propostas de mercantilização da água, além de lutar pela dignidade humana. Desse ativismo, José Manuyama ficou conhecido como el hombre del agua (o homem da água).

O ativista encampou outras lutas. Não seria a primeira vez que as atividades predatórias chegavam à Amazônia peruana. Em 2012, junto ao Comitê de Defesa da Água, ele participou de um movimento exigindo a retirada da multinacional petroleira Conoco Phillips das águas do Nanay.

Foi nessa luta em que José conseguiu sua primeira ‘vitória’ de destaque no ambientalismo. A empresa deixou a região devido a atuação de Pepe, que fez questão de esclarecer que a saída da Conoco Phillips apenas incentivou ainda mais a atuação do Comitê.

“De certa forma, a retirada da petroleira dá razão ao Comitê da Água para chamar a atenção para o fato de que a atividade petrolífera em um ecossistema frágil na cabeceira de uma bacia hidrográfica que abastece meio milhão de pessoas não pode ocorrer”, disse ao La Región, jornal diário judicial do departamento (termo equivalente a um estado no Brasil) de Loreto, após o anúncio de que a Conoco Phillips abandonaria a exploração no rio Nanay.

O Comitê e Pepe não pararam. Juntos acompanharam o caso de exploração na cidade de Tamshiyacu, em Loreto, desde 2013, denunciando as ações da produtora de cacau Cacao del Peru Norte S.A.C. – renomeada posteriormente como Tamshi. Dentre os projetos da empresa, constava um projeto de desmatamento de 40 mil hectares de floresta.

Em 2019, José Manuyama viu uma decisão histórica sobre justiça ambiental ser tomada no Peru: a Tamshi tinha sido multada em 130 milhões de soles, a moeda peruana, o equivalente a quase 150 milhões de reais à época, pelo órgão fiscalizador do Peru, a Agência de Avaliação e Supervisão Ambiental (OEFA na sigla em espanhol).

Hoje, a população de Iquitos assiste novamente embarcações petroleiras – agora da empresa Petroperú – e dragas de mineração ilegal de ouro subindo pelo rio Nanay. A poluição por mercúrio, vazamentos de petróleo, a violência e o aumento do narcotráfico são consequências dessas atividades.

A luta de Pepe em defesa do rio Nanay é contada no documentário Pisar Suavemente na Terra, de Marcos Colón. “A modernidade é sinônimo de ruína social”, afirma Pepe, no longa. “Não são os assassinatos, os feminicídios, a contaminação. Não são partes isoladas de um mal desenvolvimento, é o que desenvolvimento produz. O desenvolvimento produz riqueza material para uns poucos e ruína total para o resto”.

A mobilização de Pepe e seu apoio a articulações populares são parte da resiliência do movimento em defesa da Amazônia peruana. “A batalha não é igualitária, mas a resistência é”, lembra o ativista.

Em cada um dos episódios de destruição em Iquitos, fosse quando a empresa Conoco Phillips ocupava o Nanay em 2012, ou quando a Tamshi desmatou grandes áreas em Tamshiyacu em 2013, ou agora, quando o mercúrio e o petróleo voltam a contaminar o principal rio da cidade, o ativismo de José Manuyama Ahuite significou mais que resistência.

No documentário, ele ressalta a importância de um Estado ativo, que exerça sua função de fiscalização e preservação do país e do povo. Pepe mostra que um futuro pautado no modo ancestral de conviver com a Terra é possível.

“Para nós, viver bem, eranan kakiri em Kukama Kukamiria, é uma forma de definir o bem-estar humano. O eranan kakiri é um retorno ao ser humano, onde o objetivo essencial é viver plenamente juntos, em paz com seu ambiente e com seus semelhantes.”

Um filme de Marcos Colón

Com as participações de:
Kátia Akrãtikatêjê, Manoel Munduruku, José Manuyama & Ailton Krenak
Roteiro: Marcos Colón & Bruno Malheiros
Fotografia: Bruno Erlan & Marcos Colón
Edição & trilha original: Diego Orix
Produção executiva: Erik Jennings & Marcos Colón
Direção e produção: Marcos Colón
Produção: Amazônia Latitude Films
Filmado no Brasil, Peru e Colômbia
Duração: 73 min | País: EUA/BRASIL | Ano: 2022 Estreia: 29 de outubro de 2022

Instagram do documentário Pisar Suavemente na Terra.

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