Na COP27, Plano de Implementação das discussões deixa a desejar

Arte digital nas cores azul, roxo e vermelho, com uma ampulheta, um globo que simula o planeta Terra e o logo da COP 27, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.
Arte: Fabrício Vinhas/Amazônia Latitude

Documento levanta 16 tópicos importantes, mas falha em apenas reiterar o que já foi debatido em edições anteriores da conferência climática


A 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, mais comumente referida como COP27, ocorrida no Egito em novembro de 2022, reuniu 200 países para discutir a resolução dos problemas climáticos globais. Depois de mais de uma semana de debates, os resultados – insuficientes, como avaliou o diretor-geral da ONU, António Guterres – foram sintetizados em um documento: o “Plano de Implementação Sharm el-Sheikh/CP.27”.

Ler este compilado de 16 tópicos gera uma lúgubre sensação de déjà vu. Questões como o uso sustentável dos recursos da floresta e dos rios, alertas sobre a poluição dos oceanos, pedidos por uma agricultura que leve em conta a segurança alimentar, o impacto desigual da crise climática sobre populações em situação de vulnerabilidade – os pontos já foram levantados em edições anteriores da COP. O documento, ao invés de traçar novas propostas e objetivos, parece apenas reiterar o que já foi discutido.

A reiteração da COP27 não é de todo negativa, já que parte de um reconhecimento de que ainda estamos longe das metas pretendidas e planejadas em um passado recente. Por outro lado, esse mesmo fato gera a necessidade de uma nova forma de pensar soluções climáticas.

Limitar o aquecimento do planeta em 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais implica, invariavelmente, rediscutir os modos de produção e uso de energia dos países.

Um dos primeiros tópicos do plano de implementação da COP27, “Ciência e Urgência”, chama atenção sobre o impacto climático direto sobre a criosfera, as zonas glaciais do planeta. Lá, onde o impacto da crise climática já é palpável, representando uma tragédia anunciada em um passado menos recente.

Há de fato a possibilidade de reversibilidade deste cenário? Consequências e implicações como a perda de habitats nessas regiões, ou o aumento do nível do mar em áreas costeiras em todo o mundo, já ocorrem, com graves prejuízos sociais. Apenas com a reiteração dos problemas, uma saída parece ainda mais difícil.

O plano chega a estabelecer uma máxima de que os países membros deveriam ser ambiciosos nas metas e ações durante a fase de transição das emissões de gases de efeito estufa. Contudo, como fazer isto em contextos de absoluta desigualdade sócio-econômica? De modelos de economia excludentes na maioria dos países em desenvolvimento?

Sendo assim, a ambição requerida na tomada de ações para mitigação de problemas climáticos globais deveria, também, vir acompanhada da palavra solidariedade.

Apenas o sétimo tópico do plano Sharm el-Sheikh/CP.27, intitulado “Perdas e Danos”, apresenta ideias realmente novas. O capítulo aborda um dos principais temas da COP27: possíveis restituições financeiras e técnicas dos maiores emissores de gases de efeito estufa, para compensarem os efeitos da crise climática em países subdesenvolvidos, ou em desenvolvimento, que sofrem humanitária e financeiramente com desastres ambientais.

Segundo o centro de pesquisas Munich Re, no primeiro semestre de 2022, desastres naturais causaram perdas totais de US$ 65 bilhões. Enquanto isso, o número de mortes causadas por eventos climáticos extremos aumentou 4.300 em comparação com o primeiro semestre de 2021. Com base em dados e classificações da Notre Dame Global Adaptation Initiative e do Índice de Risco Climático da Germanwatch, os países de baixa renda geralmente têm menos recursos para lidar com os impactos inevitáveis das mudanças climáticas, com destaque para o Afeganistão, Bangladesh, Haiti, Quênia e Paquistão.

Neste ano, por exemplo, a temporada de monções no Paquistão produziu chuvas significativas, inundações devastadoras e deslizamentos de terra, afetando mais de 15% de sua população e cobrindo um terço de seu território de água. A ONU afirmou que pode levar seis meses para que as enchentes baixem nas áreas mais afetadas e o governo estimou que vai custar cerca de US$ 40 bilhões de dólares para reconstruir o país – isso tudo apesar de ser responsável por menos de 1% das emissões globais de gases de efeito estufa.

No entanto, este “novo” ponto levantado na COP27 – atrasado em 27 anos – justifica-se pelo fato de que o clima foi, e ainda é, discutido na contemporaneidade de forma segregada do elemento humano. A questão humana da crise climática só tornou-se realmente visível e parte do senso comum nesta última década.

Atingir a meta de manter o aquecimento global limitado a 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais vai custar trilhões de dólares, já que requer a renovação da matriz energética planetária. Isso deve ocorrer em equilíbrio durante um contexto em que 1,3 bilhões de pessoas no mundo vivem em situação de pobreza – o que requer, inevitavelmente, solidariedade e, sim, compensações. Não esperemos mais um ano para, na COP28, apenas reiterar isso.

A última versão do “Plano de Implementação Sharm el-Sheikh” aborda os seguintes tópicos:

I. Ciência e urgência
A Conferência das Partes (COP) reconhece a importância do uso da melhor ciência disponível nas ações climáticas, reafirma os esforços para limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5 °C e reconhece a necessidade de um maior entendimento dos impactos das mudanças climáticas na criosfera (partes congeladas da Terra).

II. Aumentar a ambição e a implementação
A COP decide implementar transições ambiciosas, justas, equitativas e inclusivas para um desenvolvimento com baixas emissões de gases de efeito estufa, seguindo os princípios e objetivos da COP 27, do Protocolo de Kyoto e do Acordo de Paris.

III. Energia
A COP salienta a importância da redução nas emissões de gases de efeito estufa através de uma transição limpa e justa para a energia renovável, reconhece a crise energética global e a necessidade de sistemas energéticos mais seguros e confiáveis, e destaca a importância de melhorar a diversidade de energias limpas, incluindo as de baixa emissão e as renováveis.

IV. Mitigação
A COP exige uma redução nas emissões globais de gases de efeito estufa de 43% até 2030, reconhecendo as diferentes realidades dos países e seus esforços para um desenvolvimento sustentável que erradique a pobreza; incentiva os esforços de cada país na criação de novas estratégias de redução de baixa emissão de gases de efeito.

Neste tópico, a COP solicita, também, a redução do uso de energias de combustíveis fósseis, a proteção, conservação e restauração da natureza e dos ecossistemas, e prevê o apoio aos países em desenvolvimento para a implementação do Artigo 4 do Acordo de Paris, referente à redução das emissões de gases de efeito estufa.

V. Adaptação
A COP pede que os países desenvolvidos ampliem urgentemente sua provisão de financiamento climático, transferência de tecnologia e capacitação para adaptação, auxiliando os países em desenvolvimento. Reconhece que o objetivo global de adaptação contribuirá para reduzir o risco de impactos da mudança climática a longo prazo, de acordo com diferentes circunstâncias, necessidades e prioridades nacionais e no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza.

Este tópico também destaca o papel do Fundo para Adaptação, do Fundo para os Países Menos Desenvolvidos e do Fundo Especial para as Mudanças Climáticas, e convida os países desenvolvidos a contribuírem ainda mais com os Fundos.

Enfatiza, ainda, a importância de proteger, conservar e restaurar a água e os ecossistemas relacionados à água.

VI. Perdas e danos
Este tópico se refere à gravidade, ao alcance e à frequência das perdas e danos associados aos efeitos adversos das mudanças climáticas, e sublinha a importância de uma resposta adequada e eficaz a esses danos, considerando, pela primeira vez, um financiamento que responda aos danos.

VII. Alerta precoce e observação sistemática
A COP aponta a necessidade de melhorar o sistema de observação climática global, particularmente nos países em desenvolvimento, reconhece que um terço do mundo, incluindo 60% da África, não tem acesso a serviços de alerta precoce e informação climática, e pede a proteção de todos na Terra através da cobertura universal dos sistemas de alerta precoce contra condições climáticas extremas e mudanças climáticas dentro dos próximos cinco anos, convidando instituições financeiras internacionais e entidades do mercado financeiro a fornecerem apoio para a implementação da iniciativa Alerta Precoce para Todos.

VIII. Implementação – caminhos para uma transição justa
Este tópico afirma que a transição global para baixas emissões de gases de efeito estufa pode gerar desafios para o desenvolvimento econômico sustentável e para a erradicação da pobreza. Por isso, soluções sustentáveis para a crise climática, que incluem energia, socioeconomia e força de trabalho, devem basear-se no diálogo social e na participação de todas as partes interessadas. Neste trecho do “Plano de Implementação Sharm el-Sheikh”, a COP convoca uma mesa redonda ministerial anual de alto nível sobre a transição justa.

IX. Finanças
USD 4 trilhões por ano precisam ser investidos em energia renovável até 2030 para poder atingir emissões líquidas zero até 2050. A transformação global para uma economia de baixo carbono exige investimentos de pelo menos USD 4-6 trilhões por ano. A COP destaca que esse financiamento exigirá uma transformação do sistema financeiro envolvendo governos, bancos e investidores.

O documento expõe o valor dos gastos dos países em desenvolvimento com os impactos das mudanças climáticas, estimados em USD 5,8-5,9 trilhões para o período pré-2030, e manifesta preocupação de que o objetivo de arrecadação de US$ 100 bilhões por ano até 2020 pelos países desenvolvidos ainda não foi atingido, solicitando que o apoio aos países em desenvolvimento e a arrecadação do valor sejam feitos.

O Plano observa, ainda, que os fluxos globais de financiamento climático são pequenos em relação às necessidades globais, com fluxos em 2019-2020 estimados em 803 bilhões de dólares, o que representa de 31% a 32% do investimento anual necessário para manter o aumento da temperatura global bem abaixo de 2 °C ou a 1,5 °C.

X. Transferência de tecnologia e implementação
A partir da COP, é criado o primeiro programa de trabalho conjunto do Comitê Executivo de Tecnologia e do Centro e Rede de Tecnologia Climática, que facilitará a mudança transformacional necessária para alcançar as metas da Conferência e do Acordo de Paris.

XI. Capacitação
A COP observa que ainda existem lacunas entre as necessidades e a capacidade dos países em desenvolvimento, e solicita aos países desenvolvidos que aumentem o apoio a intervenções de longo prazo para capacitação dos países em desenvolvimento, a fim de aumentar a eficácia, o sucesso e a sustentabilidade dessas intervenções.

XII. Transparência
Salienta que as Partes devem apresentar seu primeiro relatório bienal de transparência até, no máximo, 31 de dezembro de 2024. O tópico XII também reconhece a importância da prestação de maior apoio aos países em desenvolvimento para a implementação da estrutura reforçada de transparência.

XIII. Fazendo um balanço
Este tópico parabeniza as Partes pelo progresso do primeiro levantamento global, enfatiza que o resultado do primeiro levantamento global deverá informar às Partes sobre a atualização e aprimoramento de suas ações e sobre o reforço da cooperação internacional em matéria de ação climática.

XIV. Artigo 6 do Acordo de Paris
Este tópico acolhe favoravelmente a adoção de decisões tomadas durante a COP 27 referentes ao Artigo 6 do Acordo de Paris.

XV. Oceano
A COP encoraja as Partes a considerarem ações baseadas no oceano em suas metas climáticas nacionais e na implementação dessas metas.

XVI. Floresta
Encoraja os países a apoiarem abordagens políticas e incentivos positivos para atividades relacionadas à redução do desmatamento e da degradação florestal, enfatizando o papel da conservação, do manejo sustentável das florestas e do aumento dos estoques de carbono florestal nos países em desenvolvimento.

A COP também encoraja as Partes a considerarem soluções baseadas na natureza e abordagens ecossistêmicas, para suas ações de mitigação e adaptação, ao mesmo tempo em que garantem salvaguardas sociais e ambientais relevantes.

XVII. Melhoria da implementação: ação de partes interessadas não-partidárias
Neste tópico, a Conferência das Partes reconhece o envolvimento das partes interessadas não-partidárias na ação climática, além dos governos, como povos indígenas, comunidades locais e sociedade civil, incluindo jovens e crianças. A COP incentiva a participação plena, significativa e igualitária das mulheres na ação climática, e incentiva ações relacionadas às questões de gênero.

Patricia Chaves de Oliveira é PhD em Ciências Agrárias e professora da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Formou-se engenheira agrônoma pela Universidade Federal Rural da Amazônia, fez mestrado em agronomia, com concentração em fisiologia vegetal, pela Universidade Federal de Lavras (1993) e doutorado com área de concentração em sistemas agroflorestais pela Universidade Federal Rural da Amazônia.
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